Corpos Possíveis: Cirurgia de Readequação Genital

2022-01-31
Por Frida Pascio Monteiro
Mulher transexual redesignada. Doutoranda em Letras Teoria e Estudos Literários pelo Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp de São José do Rio Preto (IBILCE), sob orientação da Profª Livre-Docente Claudia Maria Ceneviva Nigro, com pesquisa intitulada: "Pieles Que Cambian: O Grotesco e a Monstruosidade na Dissidência dos Corpos no Romance Las Malas, de Camila Sosa Villada, e no Filme Pieles, de Eduardo Casanova". Possui Mestrado em Educação Sexual pela Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara (FCL/Ar) (2020), sob orientação da Profª Drª Patrícia Porchat Pereira da Silva Knudsen, tendo como temas pesquisados travestilidades, transexualidades, conjugalidades e afetividades, com dissertação de Mestrado sobre: "Vivências afetivo-sexuais de mulheres travestis e transexuais". Autora do livro: "Vivências afetivo-sexuais de mulheres travestis e transexuais" pela Pedro e João Editores (2020). Possui graduação em Letras - Português e Inglês - Licenciatura Plena, pela Fundação Educacional de Fernandópolis (2009). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa. Graduanda em Pedagogia - Licenciatura Plena na modalidade EaD pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Polo Jales. Graduanda em Letras Português e Espanhol - Licenciatura Plena, pela UNAR (Centro Universitário de Araras - Doutor Edmundo Ulson). Classificada no Processo Seletivo Simplificado nº 001/2021 da Prefeitura Municipal de Fernandópolis em Português e em Inglês. Corretora de atividades e exames de Língua Portuguesa e Produção Textual do Ensino Médio de colégios particulares. Revisora gramatical e formatadora de trabalhos acadêmicos: trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações, teses, ensaios, resumos e resenhas. Professora de Português Para Estrangeiros da ONG Internacional de Direitos Humanos

A transgeneridade é uma realidade que ocorre desde os tempos mais remotos e primordiais. Atualmente, está em voga como uma discussão nos mais diversos círculos. O termo transgeneridade funciona como uma espécie de termo guarda-chuva dentro da qual existem as vivências multifacetadas e plurais das travestilidades e transexualidades. (YORK/GONÇALVES JUNIOR; OLIVEIRA; BENEVIDES, 2020).

Para o senso comum, as travestis estão relacionadas ao mundo da marginalidade, bandidagem, crime, ocupando um lugar periférico atrelado a essa criminalidade e as mais diversas adicções, tais como o alcoolismo e a toxicomania. (MONTEIRO, 2021).

Também há nesse senso comum a ideia de que as travestis todas são profissionais do sexo, ou seja, no ideário popular elas são agressivas, violentas, criminosas, marginais, barraqueiras, adictas e perigosas, despertando na sociedade medo e repulsa às suas figuras e despertando um afastamento do convívio social, relegando-as às noites e madrugadas, longe da luz do sol e da claridade e luminosidade do dia, como se elas fossem uma espécie de morcegos ou vampiras.

Ainda segundo o senso comum, as mulheres transexuais têm uma ligação mais biopatologizante, medicalizante, relacionado à doença e isso se deve ao fato de na década de cinquenta do século passado, o endocrinologista Harry Benjamin e o psiquiatra Robert Stoller terem criado a categoria “transexual” como uma condição médica, como uma doença e para separar as travestis das mulheres transexuais. (BENTO, 2008).

Ou seja, vistas como loucas, doentes mentais, transtornadas de gênero, disfóricas, perturbadas, possuidoras de doenças e transtornos mentais, desequilibradas, instáveis, elas causam dó, pena, desprezo por suas condições de doentes. (MONTEIRO, 2021). Importante salientarmos que em maio de 2019 o CID-11 (Código Internacional de Doenças) tirou a transexualidade do capítulo referente a transtornos mentais e a colocou como condição relacionada à saúde sexual, tendo entrado em vigor em neste mês de janeiro de 2022, passando a ser designada como Incongruência de Gênero. (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2018).

Assim foi durante décadas e ainda o senso comum mantém em si essas distinções entre umas e outras. E esse cis-tema é o responsável por uma rixa interna que muitas vezes há dentro do próprio movimento transgênero, travestis que são transfóbicas e mulheres transexuais que são travestifóbicas. A chave para solucionar essa problemática e identificarmos que esse senso comum apenas serve para perpetuar a travestifobia e a transfobia é vermos que ela é um fenômeno externo a nós, vindo da cisgeneridade e cisheteronormatividade.(JESUS, 2012; VERGUEIRO, 2015; YORK et all, 2020)

Segundo Jesus (2012, p. 15): “São conceituadas como cisgêneras as pessoas cuja identidade de gênero está de acordo com o que socialmente se estabeleceu como o padrão para o seu sexo biológico.” Neste sentido, outra referência é necessária se quisermos compreender identidades e sexualidades que não partem da premissa que define e mantém a cisgeneridade como norma.

Entendemos que dentro da comunidade travesti há as que se autoidentificam enquanto homens (cisgêneros) gays que se vestem (travestem) de mulher, há as que se julgam homem e mulher e as que se julgam nem uma coisa nem outra. Entretanto, é importante observar que isso ocorre muitas vezes com um recorte geracional. Prioritariamente, as travestis são mulheres independentemente de terem pênis ou não. Em outras palavras, não é a decisão de não fazer a cirurgia para as travestis e a decisão de fazer a cirurgia para as mulheres transexuais o que faz uma ou outra na prática.

A cirurgia realizada que comumente é chamada de “mudança de sexo”, termo equivocado e pejorativo que não condiz com a realidade, pois ninguém “muda” de sexo e sim adequa seu genital à sua condição psicossocial enquanto pessoa transgênero.

O termo mais difundido é cirurgia de redesignação sexual ou ainda cirurgia de readequação sexual, também podendo ser chamada de cirurgia de reafirmação do gênero. Para o movimento político-ativista transgênero, atualmente, o termo considerado mais adequado é o de cirurgia de readequação genital, o qual foi escolhido por mim enquanto autora deste artigo e mulher redesignada. (MONTEIRO, 2021).

Em agosto de 2020, eu concluí meu Mestrado em Educação Sexual com minha pesquisa: Vivências afetivo-sexuais de mulheres travestis e transexuais”. Em março de 2021, lancei o livro impresso de mesmo nome em que transformei minha pesquisa. (MONTEIRO, 2021). A escolha do título deu-se para reafirmar a identidade feminina e a mulheridade travesti, por isso, a colocação do termo mulheres antes de travestis.

Durante essa pesquisa, que durou cerca de três anos, eu apliquei um questionário de trinta e uma questões em um paradigma de entrevista semiestruturada e tive a colaboração de oito mulheres: quatro mulheres travestis e quatro mulheres transexuais. (MONTEIRO, 2021, p. 237-239).

Interessante observar que já nessa pequena amostra de meu corpus de pesquisa obtive dois resultados assaz importantes: 1. entre as quatro mulheres travestis entrevistadas, houve uma delas, Thayane, que desejava realizar a cirurgia de readequação genital e 2. entre as quatro mulheres transexuais entrevistadas, houve uma delas, Júlia, que não desejava realizar a cirurgia de readequação genital (CRG). Esses dois dados obtidos já fazem cair por terra a falácia de que querer realizar a CRG é o que faz uma mulher transexual uma verdadeira mulher transexual e o desejo de não querer fazer a cirurgia e manter o seu pênis é o que faz uma mulher travesti uma verdadeira mulher travesti.

Atualmente, nesse mundo globalizado e cheio de acesso a muitas informações que não possuíamos antigamente sem o advento da internet ou ciberespaço (SANTOS, FERNANDES e YORK, 2021) na palma das nossas mãos, em nossos celulares e tablets, ou ainda em nossos notebooks e desktops, muitas pessoas transgênero optam por não realizarem procedimentos estéticos, ou até mesmo químicos ou cirúrgicos em seus corpos, por termos uma noção maior dos efeitos colaterais que tudo isso ocasiona a longo prazo. Dessa maneira, temos mulheres travestis, mulheres transexuais, homens transexuais e transmasculinos que não desejam alterar seus corpos, seja por meio de intervenções estéticas ou mesmo hormônios ou cirurgias diversas. Essa decisão de não alterarem incisivamente seus organismos não faz nenhuma dessas pessoas transgênero menos mulheres travestis ou menos mulheres transexuais ou menos homens transexuais ou menos transmasculinos.

Todos esses corpos são possíveis das mais diversas maneiras, independentemente da decisão de fazerem cirurgias ou não, mais do que isso, corpos de mulheres travestis e transexuais são possíveis além e aquém da cirurgia de readequação genital.

Em suma, as redesignadas também podem ser as mulheres travestis e não apenas as mulheres transexuais, as travestilidades também comportam a cirurgia de readequação genital e, friso novamente, nada disso faz uma mulher travesti menos travesti: as travestilidades e mulheridades são múltiplas e plurais e se apresentam das formas mais distintas nesse prisma caleidoscópico que é o gênero.

 

REFERÊNCIAS

BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008, 223 p.

JESUS, Jaqueline Gomes de. Identidades de gênero e políticas de afirmação identitária. In: VI Congresso Internacional de Estudos sobre a Diversidade Sexual e de Gênero. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

MONTEIRO, Frida Pascio. Vivências afetivo-sexuais de mulheres travestis e transexuais. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021, 254 p.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. OMS divulga nova Classificação Internacional de Doenças (CID 11). 18 junho 2018. Acesso em: 29 jan. 2022.

SANTOS, Edmea; FERNANDES, Terezinha Fernandes; and YORK, Sara Wagner. "CIBERFEMINISMO EM TEMPOS DE PANDEMIA COVID-19: LIVES (TRANS) FEMINISTAS." ESCREVIVÊNCIAS CIBERFEMINISTAS: 77.

VERGUEIRO, Viviane; and GUZMÁN, Boris Ramírez. "Colonialidade e Cis-normatividade. Conversando com Viviane Vergueiro." Iberoamérica Social: Revista-red de estudios sociales III (2014): 15-21.

YORK, Sara Wagner/GONÇALVES JUNIOR, Sara Wagner Pimenta; OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes; BENEVIDES, Bruna. “Manifestações textuais (insubmissas) travesti”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3,e75614, 2020.

 

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Como citar este artigo:

 MONTEIRO, Frida Pascio. Corpos Possíveis: Cirurgia de Readequação GenitalNotícias, Revista Docência e Cibercultura, janeiro de 2022, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Editores/as Seção Notícias: Sara Wagner YorkFelipe CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Santos