O QUE SIGNIFICA O GOOGLE FOR EDUCATION NA EDUCAÇÃO PÚBLICA?

2021-04-13

Por Alice Maria Figueira Reis da Costas
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEd) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro voluntária do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura – GpDoC/UFRRJ. Professora da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETECRJ).

 

Este texto emergiu de um sentimento de indignação produzido diante dos discursos de outros educadores que assim como eu enfrentam os desafios da educação, em especial da educação pública tanto na esfera municipal, quanto na esfera estadual do Rio de Janeiro. Discursos esses que defendem os sutis processos de privatização do ensino público em nível fundamental, médio e técnico. Mais especificamente quanto às posturas docentes que reverenciaram as soluções informáticas de iniciativa privada como a adoção da proposta Google For Education no âmbito das escolas públicas na cidade do Rio de Janeiro. Por que há objeções de parte da comunidade escolar quanto à adoção por parte do governo do Google For Education para escolas públicas no estado do Rio de Janeiro?

Não se trata de tecnofobia, nem aversão às soluções Google que utilizo desde o seu surgimento no ano de 1996 no cenário da Universidade de Stanford produto de um projeto de pesquisa de Larry Page e Sergey Brin e popularização com o lançamento do motor de busca mais relevante para os internautas antigos e novos até hoje. Nem preciso dizer da importância de seus algoritmos e plataformas no desenvolvimento das sociedades no Brasil e no mundo.

A questão que peço licença para parafrasear é “o que mais acontece quando os algoritmos passam a definir boa parte das ações (educativas) de interesse público?” (SILVEIRA, 2019).

Discursos políticos e pedagógicos empolados de ações de graças quanto à adoção do Google For Education por governos não são incomuns nos cotidianos escolares, principalmente neste contexto de pandemia do coronavírus. Será que meus pares ignoram a máxima “caiu na rede é peixe!”!? E que a participação aparentemente espontânea dos praticantes culturais na ágora da Internet significou uma série de inovações da e nas linguagens com elevados padrões algorítmicos a serviço das intencionalidades humanas tanto para o bem, quanto para o mal. Informações, ideias, personas, acontecimentos e fatos, assim como toda espécie de dados pertencentes à história da humanidade quando traduzidos em códigos binários resultaram e podem resultar em associações inéditas e inúmeras com potência incomensurável para os cotidianos das cidades-ciberespaços.

É inegável que os rumos sociotécnicos subverteram as maneiras de saberfazer, as formas e a velocidade dos acontecimentos e fatos da vida. A linguagem hipermidiática aproximou mundos e favoreceu a participação e o engajamento de diferentes grupos sociais de forma irredutível e inarredável em várias causas socioculturais, políticas e de qualquer outra natureza.

A cibernética transformou também a relação com o nosso corpo, seja em extensão ou em novos e diversificados estímulos audiovisuais, neurais, modelagens de comportamentos, inclusive performáticos em circulação nas cidades-ciberespaços. Nesse veio, não nos furtamos às bricolagens entre a ficção, a realidade e o virtual.

Os discursos entusiasmados das personas da escola revelaram a sutileza com que os interesses políticos hegemônicos e glocais agem e garantem a retroalimentação de algoritmos de alto risco para a democracia, pois eles não medem esforços ao agir com artimanhas legalistas do poder mimeticamente construído tão somente para a manutenção do capitalismo, colonialismo e patriarcado dentrofora das instituições organizadas.

O esforço desta reflexão fortalece o trabalho tecnopolítico que busca compreender e “analisar a dimensão e a mediação das tecnologias cibernéticas na organização das sociedades” (SILVEIRA, 2019, p. 15).

A discussão acerca da adoção do Google For Education e de outras soluções de capital privado com a promessa de maior agilidade, facilidade e inovações técnicas de várias áreas por instituições de ensino público se faz necessária. Primeiro porque a sociedade brasileira e, em especial, nós professores de escola pública não podemos e não deveríamos assistir o desmonte da educação pública, laica e de direito para todos.

Essa projeção de uma educação para todos implica em outras questões que certamente ampliariam esta reflexão, mas respeitando o limite deste formato de notícia, nos limitaremos a essa ação de governo em meio aos contextos sociais abalados não só pelas já conhecidas desigualdades socioeconômicas somadas às desigualdades raciais, étnico-culturais, epistêmicas e sexuais presentes também nos cotidianos da comunidade escolar, mas pela dura realidade da pandemia do COVID-19.

Neste exercício de descolonização do pensamento, (SANTOS, 2019, p. 378) ressalta que “só é possível “desnaturalizar” o presente e assegurar a inconformidade e a indignação relativamente às questões atuais se se entender o passado como resultado de processos de luta e de contingências históricas”. Observamos que se trata de ignorar, negligenciar, desperdiçar e desqualificar o potencial tecnológico e as experiências docentes existentes e à disposição das e nas redes de ensino público. 

Ou não sabiam que no cenário do estado do Rio de Janeiro temos uma experiência ímpar com as práticas educativas em nível universitário através da Fundação CECIERJ há pelo menos duas décadas, além da potência da própria plataforma Moodle que está em permanente atualização e melhorias pelos próprios usuários que colaboraram com a sua criação e colaboram com o aperfeiçoamento do software livre, de código aberto e origem nacional.

Há ainda adoções “só para inglês vê” de plataformas como a Moodle entre outras iniciativas públicas numa prática perversa de subutilização, abandono, falta de capacitação profissional o suficiente para promoção de melhorias do bem público.

Além disso, a construção de recursos educacionais abertos (REA) já acontece de longa data também em âmbito nacional. Não podemos conceber práticas capitalistas que se forjaram e forjam com o apoio de verba pública para ser comercializado sem considerar uma devolutiva justa para a sociedade.

O fato é que não precisamos do Google For Education para mobilizar competências da docência online nas escolas públicas municipais, estaduais e/ou federais.

Afinal, qual é o real motivo de subutilizar a plataforma Moodle, por exemplo. Quais são os interesses em disputas? Somos professores, profissionais concursados por editais públicos e muitas vezes formados por instituições públicas. Não podemos endossar um discurso capitalista que insiste em desqualificar a história e o direito das instituições públicas e de seu funcionalismo público que têm sim profissionais de excelência e comprometidos com a educação popular. Infelizmente, não podemos negar a existência daqueles que tendem a desqualificar o próprio “prato” em que se sustentam.

Como aceitar tal adoção impositiva na educação pública, sem a necessária discussão popular para a tomada de decisão!?

Argumentamos ainda que a construção de uma “verdade” está diretamente ligada à discussão das ideias e da temática com o coletivo pensante. Sem o debate aberto não há legitimação daquilo que alguns desejam tomar como “verdade” (HABERMAS, ? apud MACEDO, 2020, p. 34, 86) ao tentar silenciar as diferenças que nos constituem como servidores públicos e sociedade com fortes e consistentes divergências de opiniões. Assim, o agenciamento da educação pública para atender os interesses individuais ou da iniciativa privada com o uso equivocado do capital público é inconcebível. Isso sem dizer do cenário de cortes de verbas públicas tanto na educação como em outros pilares da democracia brasileira.

O mindset governamental hegemônico que defende a privatização paulatina das instituições públicas se ocupa em tecer proposições sem consistência, de modo fragmentado e sem o compromisso com a manutenção do patrimônio público conquistado e sustentado pelo trabalho da população brasileira.

E por fim, não se trata de aversão ou qualquer ideia similar em relação às soluções Google. Pelo contrário. No âmbito de minha itinerância formacional como professora-pesquisadora sempre utilizei e incentivo os usos de muitas soluções Google tanto nos limites “gratuitos” como em algumas versões pagas. Desse modo, colaboramos com o crescimento e o aperfeiçoamento do algoritmo, sem a necessidade de endossar uma perspectiva capitalista, colonial, exploratória e patriarcal que insiste em desgovernar não só a educação pública no Brasil, mas também a saúde, a cultura, a economia, a democracia e tudo aquilo que historicamente construímos, enquanto nação brasileira.

O nosso desafio está em investir na educação online e, ao mesmo tempo, na formação de professores a fim de construir proposições de desenho didático online que atendam ao currículo da educação básica, em especial o ensino fundamental.

Retornando a questão de (SILVEIRA, 2019), o autor nos auxilia a refletir que a definição de boa parte das ações de interesse público por algoritmos não acontece de forma transparente porque em nome de um sigilo de dados dos usuários, não temos acesso aos dados que nós mesmos produzimos diariamente. Por outro lado, que tipo de governo é esse que atende os interesses de empresas privadas ao permitirem e legitimarem total acesso e domínio aos dados produzidos por instituições públicas. De fato, ações governamentais como essas não têm interesse em apresentar possibilidades de modernização, incentivar e garantir a deliberação e a participação política e social.

 

Referências

MACEDO, R. S. A pesquisa como heurística, ato de currículo e formação universitária - Experiências transigulares com o método em Ciências da Educação. 1. ed. Campinas, SP: [s.n.].

SANTOS, B. DE S. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. 1. ed. Belo Horizonte: [s.n.].

SILVEIRA, S. A. DA. Democracia e os códigos invisíveis: como os algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas. São Paulo: [s.n.].

 

____________________________________

Como citar este artigo:

COSTA, Alice Maria Figueira Reis da. O QUE SIGNIFICA O GOOGLE FOR EDUCATION NA EDUCAÇÃO PÚBLICA? Revista Docência e Cibercultura, seção Notícias, abril de 2021, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: <>. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe CarvalhoEdméa Oliveira dos Santos e Mariano Pimentel