Educadores/as do Museu Nacional em resgate: sobre a coleção didático-científica da seção de assistência ao ensino

2021-04-09
Aline Miranda e SouzaPor:
Aline Miranda e Souza
Educadora Museal na Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional (SAE/MN). Graduada em Ciências Sociais (UFRJ) e em História (UFF).Andréa CostaAndréa Costa
Educadora Museal na Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional (MN/UFRJ) e Professora do Departamento de Estudos e Processos Museológicos e da Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É licenciada em História, Mestre e Doutora em Educação (PPGEdu/UNIRIO).Frieda MartiFrieda Marti
Doutoranda da Faculdade de Educação (PROPED/UERJ); Profa Colaboradora da Seção de Assistência ao Ensino (SAE)/Museu Nacional.Patrícia DesterroPatrícia Desterro
Pedagoga, Educadora Museal da Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional / UFRJ, Mestre em Educação pelo Proped UERJ.Sheila BoasSheila Boas
Técnica em Assuntos Educacionais lotada na Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional. É pedagoga com especialização em Acessibilidade Cultural.

 

O Museu Nacional (MN) conta com coleções científicas, didáticas e expositivas, que cumprem funções específicas, igualmente importantes, e voltadas a públicos diversos. Uma das coleções do MN é a Coleção Didático-Científica da Seção de Assistência ao Ensino (SAE), o primeiro setor educativo de um museu brasileiro. Neste texto abordaremos essa Coleção singular, seus usos e seu potencial para a Educação, assim como os impactos do incêndio, ocorrido em 2 de setembro de 2018, sobre a mesma e o trabalho da equipe do setor educativo em seu resgate.

A Coleção Didático-Científica da SAE tem encantado gerações ao longo de sua história, sendo um importante recurso pedagógico utilizado em feiras de ciências, aulas em laboratórios e eventos de popularização do conhecimento científico realizados em diferentes espaços e com diversos públicos. Seu caráter didático-científico lhe garante uma importante singularidade, na medida em que articula o compromisso com os parâmetros científicos ― nas ações de coleta, registro, curadoria, prezando pela informação associada aos itens ― e a finalidade didática, visando o seu uso em diferentes contextos educacionais, em especial escolas e no próprio Museu, por meio de ações de Educação Museal e Popularização da Ciência. Ela é composta por um variado acervo, composto por mais de 2800 itens (MUSEU NACIONAL, 2020), que abrangem áreas de conhecimento como Zoologia, Geologia, Paleontologia, Etnologia Indígena e Antropologia. Tais itens podiam, até o início da pandemia, ser emprestados para estudantes e profissionais de Educação.

Em decorrência do incêndio, uma parte do acervo da Coleção, que era guardada no Palácio, precisou ser resgatada com a participação de profissionais ligados à SAE. Felizmente, a maior parte da coleção não foi atingida pelo incêndio, pois estava acondicionada em uma sala externa, anexa ao Palácio. Diante de tantas e importantes perdas em toda a instituição, a Coleção da SAE ganhou ainda mais relevância para os educadores museais e para o público. Deste modo, reintegrar à mesma o maior número possível de itens atingidos pelo fogo foi a missão assumida pela Seção.
No dia 4 de setembro de 2018, o material que se encontrava na sala anexa ao Museu (Figura 1) foi levado pelos servidores da SAE, Andréa Costa e Igor Rodrigues, pelas suas colaboradoras Frieda Marti e Renata Gomes (Instituto Mar Adentro), pelo servidor do Núcleo de Atendimento ao Público, Fabiano Castro e por motoristas e discentes do Museu Nacional para o prédio do Departamentos de Vertebrados, situado no Horto Botânico do Museu, na Quinta da Boa Vista. Os servidores deste Departamento acolheram nossa coleção, abrindo espaço entre as prateleiras que guardam seu acervo, o que permitiu a manutenção dos empréstimos agendados ainda no mês de setembro daquele ano. Em 2019, foram atendidas 75 solicitações, totalizando 1.216 itens emprestados. O serviço foi mantido regularmente até a implementação das medidas de distanciamento social em março de 2020 em função da pandemia de COVID-19.

Figura 1 - Parte do material resgatado da sala anexa ao Palácio em 04 de setembro de 2018.

Fonte: SAE/MN (2018)

Já os itens que permaneceram no Palácio, precisaram aguardar um pouco mais para serem recuperados. Em 17 de novembro de 2018, os servidores da SAE Aline Miranda, Igor Rodrigues, Sheila Boas, Andréa Costa e Jorge Rodrigues, bem como sua colaboradora Frieda Marti, estiveram junto à equipe de Resgate em busca de itens da Coleção Didático-Científica. Vale destacar que Sheila Boas e Igor Rodrigues também participaram, em outros momentos, do resgate das demais coleções da instituição (Figura 2).

Figura 2 - Servidores da SAE resgatam itens atingidos pelo incêndio. Acima, à esquerda, Igor Rodrigues com meteoritos resgatados e à direita, Sheila Boas usando equipamento de proteção individual próprio para a tarefa. Abaixo, à esquerda, Aline Miranda retira itens da coleção da SAE de armário de metal e, à direita, junto a Andrea Costa, que registra as informações sobre o acervo encontrado.

Fonte: SAE/MN (2018)

O impacto doloroso de revisitar, após a tragédia, o local onde ficava armazenado parte do nosso acervo, logo deu lugar à emoção de encontrar diversos itens, alguns surpreendentemente ainda intactos. Dentre os escombros na sala onde havia a exposição acessível “O mar brasileiro na ponta dos dedos” produzida pelo setor educativo, nascia um pequeno trevo de esperança. Dos itens que se encontravam no interior do prédio e que compunham a coleção, resgatamos de dentro de armários de metal: quatro itens de etnologia indígena que sofreram danos, mas não se incendiaram; mais de 40 amostras de conchas diversas; amostras de rochas, minerais, fósseis e cerâmicas. Há peças que ainda carregam as marcas do fogo. Embora leves em algumas delas, outras foram totalmente modificadas pelas chamas, passando a ter uma nova significação como testemunhos da resiliência da SAE (Figura 4).

Figura 3 - À esquerda, um pequeno trevo brota na sala da exposição “O Mar brasileiro na ponta dos dedos” e à direita, Sheila Boas resgata caixa de madeira intacta, contendo amostras da Coleção da SAE.

Fonte: SAE/MN (2018)

Figura 4 - Imagens do acervo da Coleção da SAE resgatado no interior de armários de metal localizados no Palácio. Destacam-se rochas, fósseis, animais taxidermizados, caixas entomológicas e outras com conchas.

Fonte: SAE/MN (2018)

A Coleção da SAE é dinâmica e continua crescendo. Uma doação de grande valor histórico foi feita ainda no final de 2018 pela família do Prof. Victor Stawiarski, que chefiou a SAE entre os anos de 1940 e 1970.

Figura 5 - À esquerda, o Prof. Victor Stawiarski acompanhado de estudantes em uma das salas da Seção de Assistência ao Ensino. Ao fundo podemos ver itens da Coleção.

Fonte: Arquivo Fotográfico do Museu Nacional (sem data)

Nessa oportunidade, a Coleção foi acrescida de caixas de insetos coletados pelo próprio Stawiarski e por fetos humanos utilizados ao longo de décadas em suas precursoras aulas de Educação Sexual. (COSTA; GOUVÊA, 2020; COSTA; GOUVÊA, 2021; COSTA et al., 2020)

Figura 6 - À esquerda, Luiz Claudio e Luiza Stawiarski, filho e nora do Prof. Victor Stawiarski. Ao lado, de cima para baixo, equipe da SAE recebendo a doação feita pela família Stawiarski, seguida de uma imagem de destaque para uma caixa entomológica e outra para os fetos.

Fonte: SAE/MN (2018-2019)

Os itens desta coleção são usados em diferentes ações educativas, mantendo contato com os públicos do Museu Nacional por meio dos Projetos de Educação Museal desenvolvidos pela SAE. Além de empréstimos, realizamos ações educativas e mostras de itens da Coleção, nas quais, por meio da mediação humana, são abordados diferentes temas. Na Quinta da Boa Vista, foram realizados 39 encontros com a comunidade com média 1000 pessoas por encontro. Os itens da Coleção Didática também estiveram presentes em ações educativas e exposições realizadas por instituições parceiras do Museu Nacional, como Museu de Arte do Rio (MAR), Museu do Meio Ambiente (Jardim Botânico do Rio de Janeiro) e Museu Histórico Nacional.

Figura 7 - À esquerda, estudante interage com item da Coleção da SAE no âmbito do Projeto “Museu Nacional Vive nas Escolas” e à direita, crianças entram em contato com o acervo por meio de ações do Projeto “O Museu Na Quinta: encontros com a comunidade”

Fonte: SAE/MN (2018)

Por meio da Coleção Didático-Científica da SAE, o Museu Nacional vem se mantendo vivo e presente para milhares de pessoas. Trabalhos científicos e acadêmicos no campo da Educação Museal apontam para a sua relevância, devido ao seu potencial de contribuir para a formação humana e cidadã. Conforme verificou Souza (2020, p.8) em sua pesquisa junto a professores que usam a Coleção, foi “possível observar o uso dos exemplares zoológicos da SAE permeado por sentidos de prática, sentidos de novidade que assumem no universo escolar, valorização da História Natural e do Museu Nacional como lugar da ciência”.

Educação pública de qualidade, produção de conhecimentos e itens de elevado valor histórico e científico se encontram na Coleção da SAE, peça-chave na atuação dos educadores museais e na manutenção de vínculos do Museu Nacional com a população.

Para saber mais sobre a Coleção e o Empréstimo (interrompido temporariamente devido à pandemia) - https://sae.museunacional.ufrj.br/material-de-emprestimo/

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Referências

COSTA, Andréa; GOUVÊA, Guaracira. Educação museal no Brasil pré-Seminário de 1958: a atuação precursora do Museu Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, n. 52, p. 28-48, ago, 2020.

COSTA, A. F.; NORBERTO ROCHA, J.; MASSARANI, L.; MASSARANI, D. Victor Staviarski: sexo e evolução na educação museal. Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), 5 ago. 2020. 1 vídeo (6min24s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NRLSDQMp0Zc. Acesso em 8 abr. 2021.

MUSEU NACIONAL. Relatório Anual do Museu Nacional. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://xn--publicaes-w3a8m.museunacional.ufrj.br/wp-content/arquivos/Rel_por_2019.pdf. Acesso em 08 abr 2021.

SOUZA, Fernanda de Lima. Os objetos da coleção didática do Museu Nacional e os currículos escolares de Ciências e Biologia. Rio de Janeiro, 2020. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

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Como citar este artigo:

SOUZA, Aline M.; COSTA, Andréa; MARTI, Frieda; DESTERRO, Patrícia; BOAS, Sheila. Educadores/as do Museu Nacional em resgate: sobre a coleção didático-científica da seção de assistência ao ensino. Revista Docência e Cibercultura, seção Notícias, abril de 2021, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/re-doc/announcement/view/1267>. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Editores/as Seção Notícias: Mariano PimentelFelipe Carvalho e Edméa Oliveira dos Santos