DEU MATCH: CIÊNCIA NA PODOSFERA

2020-10-06
Por Leonardo Fraga Cardoso Junior 
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes. Graduado em Jornalismo (Unit) e Pesquisador no Grupo de Pesquisa Educação, Tecnologia da Informação e Cibercultura (GETIC/UNIT/CNPq). Bolsista CAPES/PROSUP. E-mail: leonardofragajr@gmail.comPor Cristiane de Magalhães Porto
Doutora Multidisciplinar em Cultura e Sociedade – UFBA. Mestrado em Letras e Linguística – UFBA. Pesquisadora do Instituto de Tecnologia e Pesquisa – ITP. Bolsista em Produtividade em Pesquisa do CNPq. Faz parte do Comitê Assessor de Divulgação Científica do CNPq, onde assumiu em 2020-2021 a coordenação deste Comitê. Diretora Regional da ABEU Nordeste. Tem Pós-doutorado em Educação – UERJ. Professora do Curso de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes – Unit. Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Tecnologia da Informação e Cibercultura GETIC/UNIT/CNPq). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação, Redes Sociotécnicas e Culturas digitais (UFBA/CNPq). Tem se dedicado ao estudo de Educação na Cibercultura e de Divulgação de Ciências em seus mais diversos suportes. E-mail: crismporto@gmail.com

 

A ampliação do acesso às tecnologias digitais vem provocando uma revolução no modo de consumo midiático na sociedade atual. Nesse cenário, os meios de comunicação de massa cedem cada vez mais terreno para as mídias digitais, inseridas e adaptadas ao contexto da Cibercultura. Assim, várias alterações culturais e sociais são capitaneadas por elas, através de formatos capazes de engajar um número crescente de usuários ávidos por informação, entretenimento e educação.

A obra de Lemos (2010) possibilita a compreensão dos diferentes princípios da cibercultura que resultaram em uma nova configuração cultural nos processos de inteligência e aprendizagem colaborativas na rede. De acordo com o autor, a cibercultura consiste em três princípios, que ajudam a compreender essa lógica: liberação do polo de emissão da palavra, conexão em rede e reconfiguração sociocultural.

A liberação do polo de emissão está relacionada à autoria e à produção de conteúdo. A rede tira o monopólio de narrativa dos meios de comunicação de massa, possibilitando que cada um produza seu próprio conteúdo e se torne agente transmissor de informação. Para isso, basta estar conectado a um dispositivo mediado pela rede.

Uma das mudanças mais proeminentes no cenário de consumo midiático atual ocorreu a partir da transformação da lógica de consumo desses produtos e na busca por conteúdos altamente segmentados e sob demanda, como ocorre em plataformas de streaming com conteúdos audiovisuais. Nesse contexto, seguindo princípios e interesses pessoais e mercadológicos, são disponibilizadas diversas produções com o objetivo de contemplar a diversidade de consumidores que são usuários desses formatos, com um amplo leque de preferências.

A contemplação dos diferentes perfis de usuários aumenta o espectro de temáticas abordadas, de formatos e de linguagens audiovisuais nos variados dispositivos. Tudo isso com o objetivo de potencializar a transmissão e a recepção da mensagem para a sociedade e usuários da rede. Os conteúdos sob demanda são ofertados em diferentes plataformas, de modo que os seus usuários podem acessá-los a qualquer momento, onde quiserem, por meio do dispositivo que escolherem, seja celular, tablet, notebook ou desktop. Além disso, as plataformas oferecem a opção de “download”, permitindo o consumo mesmo sem conexão à internet, por meio do armazenamento do arquivo no dispositivo.

Esse é um dos aspectos que causam enorme impacto em produtos midiáticos na era da Cibercultura, bem como na forma como são disponibilizados e em como são absorvidos. Mais que meras "facilidades tecnológicas", o conteúdo sob demanda é, sobretudo, uma adaptação ao novo perfil de usuário cultivado pela cultura digital.  Dessa forma, o "espaço/tempo" do público é ressignificado, extinguindo a necessidade física e cronológica de ligar a TV ou rádio no horário em que o programa desejado é vinculado.

A diversidade de conteúdos ofertados, que vai desde temáticas relacionadas à cultura nerd, esporte, política, sociologia, humor, tecnologia, gastronomia etc, resulta no surgimento de um público demasiadamente segmentado em uma infinidade de áreas. Os produtores, por sua vez, também, tornam-se cada vez mais múltiplos, visto que há demanda para um universo de gêneros. Do cientista ao comediante, todos parecem ter um público ao seu dispor.

Seja pela lógica de consumo ou mercadológica, os milhões, às vezes até bilhões, de usuários dessas mídias demonstram a necessidade de um olhar atento para tendências avassaladoras no contexto da cultura digital. Uma das principais delas atualmente é liderada por uma mídia completamente digital que é responsável por uma nova revolução no mercado fonográfico: o podcast.

No trânsito, trabalho, durante a faxina de casa ou praticando atividade física, um novo parceiro tem acompanhado milhões de brasileiros. Catapultado pela recente explosão de popularidade no exterior, o podcast cresceu 34% apenas em 2018, de acordo com a International Federation of the Phonographic Industry (2019), e o formato está conquistando cada vez mais adeptos no Brasil.

"Este é o ano do podcast no Brasil" é uma das frases mais conhecidas entre os produtores de conteúdo dessa mídia digital. Ela é tão disseminada, que se transformou em uma espécie de "piada interna" entre os entusiastas do podcast, que a proferem a cada novo ano, desde 2015, entusiasmados com o crescente número de usuários. Seguindo o princípio de que todo clichê é clichê por algum motivo, uma análise mais profunda dos números ocultos na afirmação auxilia a traçar um panorama otimista em relação ao consumo da mídia no País, que atrai cada vez mais adeptos e chancela a frase.

O termo podcast está relacionado a conteúdos em áudio disponibilizados pela internet através do feed RSS – sistema que possibilita acompanhamento ou download dos programas automaticamente, de acordo com a disponibilização deles na plataforma. Uma das grandes características e benefícios do formato é a facilidade de acesso; podcasts estão disponíveis em sites, plataformas de streaming como Itunes e Spotify, e agregadores de podcasts como o Apple Podcasts e Google Podcasts, podendo ser ouvidos em computadores e dispositivos como smartphones ou reprodutores de música em formatos digitais.

A criação do podcast é atribuída ao ex-vj da MTV, Adam Curry, em 2004, quando, segundo Mack e Ratcliffe (2007), Adam elaborou uma maneira de utilizar o RSS para transferir um arquivo de áudio para o agregador iTunes, da Apple, utilizando um código desenvolvido por Kevin Marks. Segundo Assis (2010), a etimologia da palavra consiste da junção da abreviação da palavra “iPod”, dispositivo reprodutor de áudio lançado pela empresa estadunidense Apple, em 2001, com a palavra em inglês “broadcast”, que em tradução literal significa “transmissão”.

Isso se dá porque qualquer indivíduo com conexão à internet pode ouvir e produzir programas de áudio, bem como compartilhar instantaneamente com milhões de pessoas por meio do RSS, que significa, em tradução livre, “forma simplificada de apresentar conteúdo”. Tal possibilidade transforma a mídia em um poderoso suporte de distribuição de conteúdo em diferentes formatos, linguagens e dispositivos.

Uma pesquisa realizada pela CBN (2019), em parceria com o Ibope, revelou que quatro entre 10 internautas brasileiros já ouviram algum programa nesse formato, um número que representa cerca de 40 milhões de brasileiros. Destes, 21 milhões declaram ouvir programas de podcast com frequência. Além da quantidade de pessoas que consomem a mídia, o levantamento, igualmente, disponibilizou diversas informações sobre os diferentes perfis de consumidores, que indicam os seus respectivos interesses relacionados aos formatos, duração, frequência, o que importa, o que buscam, assuntos e, mais importante, temas. A pesquisa ainda apontou que "ciência" está entre os temas de maior interesse dos ouvintes e foi mencionado 52,3% dos entrevistados.

 

Figura 1 – Dados da pesquisa CBN/Ibope

 

 

 Fonte: Globo.com. Capturado em 16 de setembro de 2020.

 

Ao pensar na Divulgação Científica como uma reconfiguração de linguagem com o objetivo de ampliar o alcance das informações perante a sociedade. Isso, a partir de descobertas articuladas pelos pesquisadores, o podcast apresenta-se como mais um canal midiático digital com uma infinidade de possibilidades de formatos, públicos, e abordagens para a transmissão de dados que estavam restritos a um público especializado.

Os números e dados sobre interesse de ouvintes em relação à ciência não apenas demonstram como a temática desperta fascínio entre milhões de brasileiros, bem como as potencialidades dessa mídia, que devem ser exploradas para a divulgação dos trabalhos científicos a um público interessado e aberto por essas produções, inseridas em um contexto de reconfiguração de linguagem.

Enquanto mídia digital, os podcasts apresentam três grandes diferenciais em relação aos outros meios. O primeiro é a diversidade de formatos. A mídia possibilita diversas formas de produção de conteúdo fonográfico, ou até mesmo em vídeo, que podem ser articulados a partir de apresentação (solo ou coletiva), mesa redonda ou debate, entrevista, narrativa (não ficcional ou ficcional) e de diferentes perspectivas, informativa, educacional ou entretenimento. 

O segundo fator que diferencia o podcast é a relação do ouvinte com o aprendizado. A pesquisa da CBN (2019), também, revelou que as pessoas mais buscam ao ouvir um podcast é entretenimento e aprendizado, logo em seguida. Ou seja, distração das atividades do cotidiano e ao mesmo tempo ouvir algo que possa ensinar algo novo e diferente durante o deslocamento para o trabalho, enquanto lava a louça de pratos sujos ou pratica atividade física. Esse dado também auxilia no dimensionamento da importância e disposição dos ouvintes em relação ao aprendizado e conteúdos que possam agregar conhecimento.

Por último, o companheirismo promovido pelo podcast. O fato do ouvinte escolher o momento e o conteúdo que ele irá ouvir estabelece uma conexão de transmissão e recepção de mensagem muito íntima, assim como no rádio, mas potencializada pelo sob demanda. Dessa forma, o podcast estabelece uma relação de intimidade entre o ouvinte e o apresentador do programa. Isso se reflete nas interações e comunidades criadas pelos programas e que contam com o apoio, inclusive financeiro, de milhares de ouvintes e seguidores em diferentes redes sociais.

O retorno social não é apenas um dever da comunidade científica, que tem no Estado e impostos pagos pelos cidadãos uma das principais formas de financiamento dos seus projetos, mas, sobretudo, com a sociedade que pode ser impactada com as descobertas e novas informações obtidas pelos pesquisadores. Assim, um canal de comunicação aberto com milhões de usuários e possibilidades deve ser explorado para ampliar, também, o alcance e efetividade da Divulgação Científica. 

O podcast apresenta um ambiente fértil e efervescente para esse aproximação e construção coletiva de uma sociedade mais informada e engajada com as transformações capitaneadas pelo trabalho científico. Isso, de forma a combater o avanço das Fake News e da desinformação que comprometem e abalam a imagem da ciência e a sua articulação perante a opinião pública.

 

Referências

ABPOD. PodPesquisa 2019. Acesso em: 16 set. 2020.

INTERNATIONAL FEDERATION OF THE PHONOGRAPHIC INDUSTRY. Global Music Report 2019. Acesso em: 15 set. 2020.

LUIZ, Lucio; ASSIS, Pablo de. O podcast no Brasil e no mundo: um caminho para a distribuição de mídias digitais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 33., 2010, Caxias do Sul. Anais. São Paulo: Intercom, 2010.

GLOBOSAT. O Consumo de Podcasts. Acesso em: 15 set. 2020.

LEMOS, André; LEVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010.

MACK, S.; RATCLIFFE, M. Podcasting Bible. Indianapolis: Wiley, 2007.

 

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Como citar este artigo:

CARDOSO JUNIOR, Leonardo Fraga; PORTO, Cristiane de Magalhões. Deu macth: a ciência na podosfera. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, outubro de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA. 

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Oliveira dos Santos