“Flash Mobs”: ativismo juvenil no caso George Floyd #BlackLivesMatter

2020-06-11

Autoria: Rosemary dos Santos

Estamos vivenciando diversas experiências sociais, econômicas, ambientais e políticas que, por sua relevância, resolvemos apresentar, algumas ações capazes de nos ajudar a compreender de modo mais efetivo as complexidades com que a realidade nos desafia.

No dia 25 de maio de 2020, a jovem Darnella Frazier, de 17 anos, compartilhou via streaming da rede social Facebook o vídeo que fez do seu celular, registrando a morte de George Floyd, um homem negro morto brutalmente por Derek Chauvin, um policial branco de Minneapolis, Minnesota, Estados Unidos, que se ajoelhou sobre seu pescoço por pelo menos oito minutos, enquanto Floyd, deitado de bruços, dizia repetidamente: “I can’t breathe!” (“Não consigo respirar!”). O vídeo compartilhado pela jovem e por outras pessoas que testemunharam o fato foi amplamente divulgado nas redes sociais e compartilhado para o mundo inteiro. Ao viralizar, as imagens ganharam repercussão mundial e motivaram uma série de manifestações que seguem em curso nos Estados Unidos e em vários outros países do mundo até a escrita deste texto.

Nessa direção, procuro refletir sobre como essas manifestações que se tecem nos espaçostempos da cidade por meio do ativismo juvenil a partir do Flash Mob, movimento criado no início dos anos 2000 e que hoje conta com jovens adeptos no mundo inteiro, a despeito de uma pandemia mundial e do estado de isolamento social adotado em vários países. Os Flash Mobs são aglomerações de pessoas que se encontram em um local público para realizar determinada ação previamente combinada pelas redes sociais e que se dispersam tão rapidamente quanto se reúnem. 

Para começar a discussão, que aqui será delineada mesmo de modo superficial, gostaria de esclarecer alguns aspectos que considero fundamentais. Penso a noção de lugar de acordo com a proposta de Certeau (2009), ou seja, trata-se da ordem segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência, implicando uma configuração de posições entre corpos, sujeitos e objetos, implicados e implicantes. O espaço se realiza enquanto é vivenciado, ou seja, um determinado lugar só se torna espaço na medida em que seus praticantes exercem dinâmicas de movimentos e usos, e assim o potencializam e o atualizam. Quando ocupado, esse lugar é imediatamente atualizado e transformado, passando à condição de lugar praticado.

 Essa nova organização dos espaçostempos urbanos, estruturada pela emergência desses novos dispositivos móveis, caracteriza um ambiente híbrido constituído e interligado a partir de redes conectadas, transformando a paisagem comunicacional dos lugares. A cidade é o espaço físico das práticas sociais, e o ativismo juvenil a invenção dessas práticas. Ainda de acordo com Certeau (2009), o urbano é uma invenção e uma apropriação do cotidiano: “[…] o ato de caminhar está para o sistema urbano como a enunciação está apara a língua […] é um processo de apropriação do sistema topográfico pelo pedestre” (CERTEAU, 2009, p. 177).

Para o autor, a escolha do percurso, a seleção de caminhos, são construções próprias que criam sentidos quando se utiliza uma linguagem espacial. Assim, o deslocamento do caminhante ao escolher um determinado percurso constrói um desenho sobre os lugares da cidade, um sistema que traz a cidade para o presente, para o aqui e agora. Caminhando pela cidade, o praticante traz para o presente espaçostempos, criando um discurso “espacial” subjetivo. “Os jogos dos passos moldam espaços. Tecem os lugares.” (CERTEAU, 2009, p. 176).

Com o advento da cibercultura, esses espaçostempos começam a se configurar e reconfigurar, como estamos acompanhando nos Flash Mobs organizados em virtude da morte de George Floyd. Os jovens combinam suas ações pelas redes sociais, com seus dispositivos móveis, como podemos observar na figura a seguir:

Figura 1 – Jovens ajoelhados em memória de George Floyd

flash mob

Os manifestantes colocam um dos joelhos no chão, como uma forma de exigir justiça e o fim do racismo policial. O gesto faz referência às preces públicas em manifestações pacíficas lideradas por Martin Luther King durante a luta por direitos civis nos EUA nos anos 1960. Segundo Deleuze e Guattari (1992), um acontecimento qualquer não é, de modo algum, um estado de coisas. Contrariamente, não começa nem acaba, mas guarda o movimento infinito ao qual dá consistência. Esse ativismo juvenil, portanto, lida com aspectos recorrentes a quaisquer acontecimentos, embora os singularize no contexto contemporâneo das experiências urbanas que se atualizam nas redes sociais e vice-versa.

Mas o que se produz a partir desses acontecimentos que se formam, se desfazem, se atualizam em outros movimentos, refletindo a especificidade do espaço urbano contemporâneo, é importante para que possamos compreender que há uma nova forma de pensar e de se produzirem práticaspolíticaspráticas. Como sugere Castells (1999), outras lógicas consideram os processos comunicacionais como elementos transformadores das realidades locais. Há o Twitter, o Instagram, o WhatsApp, o YouTube, o Facebook, entre tantos outros dispositivos que trazem novos elementos para a produção de sentidos que desafiam a sociedade.

Durante todo o dia 2 de junho de 2020, terça-feira, foram criados posts nas redes sociais “às escuras” – sem foto, vídeo ou ilustração –, apenas ilustrados por um quadrado preto e acompanhados pela hashtag #BlackoutTuesday. A campanha se traduziu como um dia de silêncio em solidariedade aos protestos antirracistas, crítica à morte de George Floyd e, portanto, em apoio ao movimento Black Lives Matter, que surgiu a partir desse crime.

Figura 2 – Movimento no Instagram com a hashtag #BlackLivesMatter 

autora

A hashtag #BlackLivesMatter (Vidas Negras Importam) é a mais usada hoje, nos cartazes que os manifestantes carregam nas mãos, em suas camisetas e nas redes sociais. Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) é um movimento de repercussão internacional, com origem na comunidade afro-americana dos Estados Unidos. É uma campanha contra a violência direcionada às pessoas negras. O movimento regularmente organiza protestos em torno da morte de negros executada por policiais e de questões mais amplas de discriminação racial, brutalidade policial e a desigualdade racial no sistema de justiça criminal dos Estados Unidos.

Em resumo, parece-me inegável que os Flash Mobs comprovam que as novas mídias (tanto as mídias de massa como as redes sociais) colocaram em jogo alternativas fascinantes para uso dos lugares e produção do espaço. Em tempos de convergência midiática, computação pervasiva, inteligência coletiva e cultura participativa, eventos como o In Piazza per Floyd e tantos outros pelo mundo afora nos mostram como é constante a criação de espaços praticados.

Figura 3 – Flash Mob organizado na Itália

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É por esse viés que se pode compreender e analisar como o ativismo juvenil, na contemporaneidade, tem construído a esfera pública e interferido direta ou indiretamente na sua construção/constituição, numa invenção e reinvenção de sociedade. Desde o crescimento dos usos dos dispositivos móveis com conexão percebemos a profusão de manifestações, da diversificação das formas de atuação, da militância intensa por meio dos recursos digitais online. As manifestações são organizadas pelas redes sociais e depois ganham as ruas. De volta à frente dos computadores, os jovens arquitetam novos atos para fortalecer o movimento. Entre os organizadores, estão estudantes, profissionais liberais e grupos diversos (SANTOS, 2017).

Castells, em sua obra Redes de indignação e esperança (CASTELLS, 2013), traz uma questão bastante interessante: Seriam os movimentos sociais em rede um paradigma emergente? Para o autor, nos últimos anos esses movimentos são conectados em redes de múltiplas formas. Os usos dos telefones celulares são essenciais, mas a forma de se conectar em rede é multimodal: inclui redes sociais online e offline, pois, embora os movimentos sociais tenham em geral sua base no espaço urbano, mediante ocupações e manifestações de rua, sua existência contínua tem lugar no espaço livre da internet. Os movimentos são simultaneamente locais e globais, começam em contextos específicos, por motivos próprios, constituem suas próprias redes e constroem seu espaço público ao ocupar o espaço urbano e se conectar às redes da internet.

Pelo princípio de que juventude não é uma categoria social dada, mas uma construção social (PAIS, 1990), podemos dizer que, dessa forma, ela compreende em si mesma dilemas, problemas e questões. A respeito disso, um segundo ponto que acho importante destacar é o ativismo juvenil potencializado pelos Flash Mobs no caso George Floyd, como práticas de políticas antirracistas, ou seja, não há uma política separada da prática, há práticaspolíticaspráticas, o que significa que todas as ações desenvolvidas pelos jovens nas redes sociais e nas ruas são também fruto de decisões políticas e expressam valores e objetivos também políticos. Isso me parece importante como o que busco realizar ao apresentar os Flash Mobs como ações que desinvisiblizam os cotidianos, mostrando que o que parece posto é um processo de embates que se tece coletiva e cotidianamente em comunicação ubíqua (SANTAELLA, 2014).

Ao mapear essas experiências singulares nas ruas e nas redes sociais, como pesquisadora da educação e da cibercultura, penso na importância de realizarmos profundos debates sobre o que esses movimentos podem contribuir para a reflexão sobre os modos possíveis de vivermos no futuro uma educação solidária e democrática.

 

Leituras recomendadas

 CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Trad. Carlos Alberto Medeiros. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

PAIS, J. M. A construção sociológica da juventude: alguns contributos. Análise Social, Lisboa, Portugal, v. 25, n. 105-106, p. 139-165, 1990.

LEMOS, A. Cibercultura e mobilidade: a era da conexão. Razon y palabra, v. 41, 2004.

LEMOS, A; VALENTIM, J. Cibercultura e infraestrutura de redes sem fio no Brasil. Comunicação & Sociedade, v. 27, n. 45, p. 79-94, 2006.

SANTAELLA, L. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Pia Sociedade de São Paulo: Editora Paulus, 2014.

SANTOS, R. Formação de formadores e educação superior na cibercultura: itinerâncias de grupos de pesquisa no Facebook. 2015. 183 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

SANTOS, R. A formação do formador na cibercultura e suas as ambiências político-formativas. Interfaces Científicas-Educação, v. 6, n. 1, p. 35-46, 2017.

 

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SANTOS. Rosemary. “Flash Mobs”: ativismo juvenil no caso George Floyd #BlackLivesMatter. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, junho de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA. 

 

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe da Silva Ponte de CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Oliveira dos Santos