#livesdemaio... Educações em tempos de pandemia

2020-06-02

Autoria: Edméa Santos

 

“Estou apostando sobre qual vai ser a palavra do ano-2020. Já foi selfie, já foi pós-verdade, agora vai ser LIVE. A palavra é ótima porque tem vários sentidos: o milagre de viver, sobreviver à revelia da pandemia, de um lado; de outro, o tsunami de vídeos no YT, no Insta, no Twitter, no Face. Ninguém pode se queixar de sentir tédio. São muitos passarinhos cantando em nossas telas”.
(Lúcia Santaella)

 

O milagre de viver e sobreviver à revelia da pandemia, realmente, nos motivou a fazer e a aproveitar as lives que emergiram durante a pandemia da covid-19. Estão sendo dias muitos difíceis, um dia de cada vez. Acompanhamos adoecimentos e mortes de amigos, amigos de amigos, estudantes e suas famílias, nossas famílias em sofrimentos físicos e psicológicos. Infindáveis conversas com nossos pares em nossas universidades. Debates e embates profundos. Mas nada de tédio, como afirma epígrafe acima, muito pelo contrário...

Andei “cantando em algumas telas”, a convite de amigos, parceiros intelectuais, comunidades científicas e gestores públicos interessados pela pesquisa e práticas educativas em educação online em tempos de pandemia. Claro que “cantar” aqui é só uma imagem de pensamento, uma metáfora. Não sou @teresacristinaoficial e nem minha amiga acadêmica @cristdavila, que também canta lindo.  Trabalho no campo da cibercultura e da educação há mais de 25 anos, mas “cantar” mesmo nem no banheiro. kkkk

O que são exatamente as livesLives são transmissões síncronas de conteúdo em forma vídeo online. Esses vídeos se materializam em diversas metodologias. Transmissões de conteúdos individuais e ou coletivos. Muitas vezes, com interação direta em diferentes plataformas e redes sociais ou em convergências com outras interfaces de textos, a exemplo dos chats (salas de bate-papo). No meio acadêmico, essas lives vêm levando e reconfigurando para o ciberespaço eventos científicos já praticados em nossas universidades: palestras, conferências, mesas, rodas de conversas, encontros de e entre grupos de pesquisa, aulas, entrevistas. A diferença agora é que estamos geograficamente dispersos e praticando outras formas de presencialidade em rede. Essas presencialidades são coletivas e atingem um grande público.

A comunicação síncrona (em tempo real) é a marca das lives. Entretanto, sua potência de comunicação também é assíncrona (acesso em diferentes tempos), uma vez que as lives podem ser gravadas e disponibilizadas no ciberespaço em diferentes plataformas. A gravação da live a transforma em um “artefato curricular” e ou cultural em potência, ou seja, podemos reutilizá-las em nossas aulas, atividades formativas ou para uso privado e autoestudo.

Nossa obra acadêmica se materializou e vem se materializando em publicações científicas, orientações de monografias, dissertações e teses, rastros de autorias pelo ciberespaço em narrativas imagéticas, sonoras, audiovisuais, textuais. Transmídias, multimídias e hipermídias circulando em rede no formato de vários dispositivos de pesquisa-formação na cibercultura (www.edmeasantos.pro.br ) . Não tem sido diferente durante a pandemia. Fizemos questão de forjar com amigos, parceiros intelectuais e ativistas ambiências formativas plurais e totalmente online. Essas ambiências se materializaram em algumas lives, que começaram em abril, mas se concentraram em maio de 2020. Tive a preocupação de não ser repetitiva e, por isso cuidei, na mediada do possível, do conteúdo e da forma das lives dialogando com meus interlocutores com diferentes metodologias.

Apesar de encontrar mensagens de praticantes culturais satisfeitos com as lives, com destaque aos processos individuais e coletivos de aprendizagens, também encontramos críticas e inquietação com este mais recente fenômeno da cibercultura. Essas críticas vêm se materializando em diferentes linguagens, entre elas os memesMemes são um híbrido de imagem com intervenções textuais de carácter quase sempre irônico com expressões ideológicas plurais. Destaco aqui um meme do professor e artista @menandrocastroramos, que, através do personagem Saci, ironiza o fenômeno das lives, relacionando-as com o currículo Lattes. Vejamos:

Em nossa prática de pesquisa na internet, as narrativas e rastros de autoria dos praticantes culturais são analisados (visando “compreender a compreensão” do praticante cultural) sempre pela potencialidade de argumentação e conversas que podem ser desdobradas e tensionadas, para que possamos pensar e tecer operações conceituais autênticas e inclusive gerar outras perguntas de pesquisa. A quantidade de ocorrências, de sentidos parecidos, nos ajuda a validá-los como dados importantes de análise, mas também nos interessa sobretudo a qualidade do debate que apenas um rastro de narrativa poderá gerar, mesmo que seja apenas a expressão de uma única narrativa no conjunto das conversações online.

meme acima foi capturado três dias após sua postagem em minha página numa rede social. Oitenta e nove pessoas o compartilharam, 39 deixaram comentários a respeito e 206 o curtiram. Os sentidos das conversas nos revelaram algumas noções:

  • Importância do reconhecimento das lives como efetivo trabalho acadêmico e, por esse motivo, a legitimidade do seu lançamento como atividade no Lattes;
  • Diversão e entretenimento, alguns colegas riram e brincaram com a situação;
  • O excesso de lives gera ansiedade, principalmente por não conseguirmos participar e aproveitar (de) todas as lives que nos interessam;
  • Live como comportamento “patológico” e fenômeno a ser superado ao longo da quarentena.

 Essa última noção foi disparada em apenas uma das 39 mensagens deixadas nos comentários. A mensagem em questão não chegou a receber curtidas e comentários, além do meu comentário, que foi curtido pelo emissor da mensagem, que não desdobrou a conversa. Por entendermos a potência da narrativa em questão para o debate, gostaríamos de dialogar com ela a seguir:

Dialogando com a narrativa acima, penso que devamos analisar fenômenos em complexidade. As potencialidades, limites e negatividade das lives só poderão ser analisados de forma interseccional e pelos diferentes estilos de aprendizagem e desejos dos diferentes praticantes culturais. Afirmar que o fenômeno revela “patologia” é simplificar demais o fenômeno, até porque sua origem é bastante recente. Sobre os diferentes tipos de comunicação das lives, síncronas e ou assíncronas, precisamos discutir também. Obviamente que o acesso assíncrono democratiza o conteúdo e valoriza o tempo individual e o estilo de aprendizagem de quem prefere estudar sozinho valorizando o autoestudo, caso a live não seja disparadora de atividades colaborativas.

Em contrapartida, lives são expressões de conteúdo e conversas online e não podem ser “reduzidas” a recursos didáticos meramente instrucionais. Minha experiência com as lives de maio revelou que a comunicação síncrona das lives promoveu a alegria dos encontros e sobretudo o prazer do aprender no “estar junto virtual”. As pessoas se alegram com o aprender em tempo real e se alegram bem mais com os encontros. Os chats das lives são verdadeiros encontros de amigos geograficamente dispersos. Além disso, sentimentos de pertença também são revelados quando as pessoas se identificam também pelos pertencimentos institucionais. Encontros de leitores com seus autores, professores com seus alunos, pares com seus pares.

Obviamente que “menos pode ser sempre mais”. Temos de cuidar dos excessos que sempre adormecem as pessoas. Lives e mais lives de trabalho podem adoecer e provocar climas organizacionais tensos. São muitos os assédios, inclusive. Em contrapartida, há também o incômodo de alguns com a autoria de outros... e esse também é um fenômeno a se observar. Além disso, a superexposição de alguns tem provocado também indignação de muitos. Muitos que sofrem com mortes, adoecimento e fome. Fome de vários tipos de “comida”. Como já cantou o grupo Titãs: “... a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte, para qualquer parte...”.

Afinal, a pandemia não é um período de “férias”. Apesar de muitos se sentirem em plenas férias. O fenômeno é complexo e jamais poderemos reduzi-lo a uma “história única”. Adorei conhecer diferentes pontos de vista sobre o fenômeno das lives. Diferentes narrativas provocam sempre bons debates. Vamos conversar sobre esse fenômeno? Com o objetivo de partilhar a nossa experiência com as #livesdemaio, a seguir partilhamos todas elas com você, leitor.

Nossas lives agora são “artefatos curriculares, dispositivos e disparadores” de ensino, pesquisa e formação. Desejo que possam inspirar mais conversas e práticas de educação online.

 

1 - ANPEd na Quarentena: “Educação a Distância, universidade e pandemia” – data: 15/4/2020



“ANPEd na Quarentena”. Inaugurei o dispositivo formativo proposto pela ANPEd – Associação Nacional de Pesquisa em Educação. Representando o GT16 – Grupo de Trabalho Educação e Comunicação –, que ora coordeno em coautoria com a professora doutora Lucila Pesce (UNIFESP). Para essa live especificamente, nos posicionamos criticamente em relação à EAD que vem sendo incentivada pelo MEC, para a educação superior e para a educação básica. Tratamos da diferença teórico-metodológica das noções de EAD, educação online e ensino remoto. Discutimos as especificidades entre meios massivos e pós-massivos e como estes vêm estruturando as práticas educativas mediadas por tecnologias ao longo da história. Tratamos das características comunicacionais e pedagógicas do digital em rede. Conceituamos “cibercultura” e educação online como fenômenos da cultura de nossos dias. Fizemos uma análise de contexto diante do fenômeno da inclusão digital na sociedade de informação, apontando políticas públicas e a necessidade de militarmos cada vez mais por mais acesso ao digital e por políticas de formação de professores em tempos de quarentena. Essa live, como já citamos, inaugurou uma série de lives que aconteceram todas as quartas-feiras às 16 horas. Esses encontros foram transmitidos pelos canais da ANPEd do Facebook e no YouTube simultaneamente.

 

2 - Conversa com o professor Sérgio Santos, coordenador da área de matemática da Rede Municipal de Saquarema, Rio de Janeiro: “BNCC e as tecnologias digitais no currículo escolar” – data: 22/4/2020



Preocupado com a educação pública em seu município, o professor da educação básica Sérgio Santos solicitou a nossa opinião sobre o currículo praticado na pandemia, à luz da Base Nacional Comum Curricular, no item específico sobre tecnologias digitais. Fizemos questão de conceituar currículo como um artefato sócio-histórico e cultural situado em contexto. Valorizamos o tratamento do uso das tecnologias digitais na BNCC de forma crítica, chamando a atenção para a autoria dos praticantes, valorizando o protagonismo de docentes, discentes e gestores. Esta live pode ser acessada diretamente pelo canal do professor Sérgio no YouTube. O formato é de entrevista, concedida de forma síncrona apenas para o mediador, que fez edições do vídeo, tornando-o mais didático para reúso em diferentes contextos.

 

3 - Educação em roda de conversas: fazeres e reconfigurações no contexto atual: conversa com o professsor doutor Lincoln Tavares Silva, pró-reitor de Graduação da UERJ - data 6/5/2020

Discussão teórica e metodológica sobre metodologias ativas e a sala de aula invertida na educação online. Falamos da incompatibilidade teórico-metodológica das metodologias ativas com os fenômenos da cibercultura e da educação online como um fenômeno da cibercultura. A live com quase três horas incluiu conteúdo produzido a partir de questões trazidas por seus participantes. Foi um encontro denso e bastante formativo.

 

4 - Conversa com a professora mestra Sara York: “Cibercultura e Educação” – data: 8/5/2020


Sara York é uma parceira muito especial. Nós nos conhecemos em uma das minhas salas de aula online, ela como aluna e eu como professora na disciplina Informática na Educação, no curso de Pedagogia a Distância da UERJ. Hoje, Sara é docente online na mesma disciplina e minha parceira de trabalho. Essa nossa história é só um dos disparadores que nos conectam como educadoras públicas que somos. Aprendo muito com Sara e seu ativismo interdisciplinar e multirreferencial. Nossa primeira live abordou exatamente a democratização da EAD na educação superior. Infelizmente, a live não foi registrada, por conta de problemas técnicos. A conversa inicial nos rendeu boas ideias e o prazer do encontro quase que semanal. Debatemos temas variados e dilemas que nos acometiam ao longo das semanas de quarentena. Aqui temos o link de uma conversa que conseguimos registrar.

 

5 - Encontros formativos do grupo de pesquisa DIFEBA/UNEB. Mediação da professora doutora Ana Lúcia Gomes (UNEB) – data: 12/5/2020


Discussão teórica e metodológica sobre metodologias ativas e a sala de aula invertida na educação online. Falamos da incompatibilidade teórico-metodológica das metodologias ativas com os fenômenos da cibercultura e da educação online como um fenômeno da cibercultura. A live com quase três horas incluiu conteúdo produzido a partir de questões trazidas por seus participantes. Foi um encontro denso e bastante formativo.

 

6 - Abertura e primeira mesa do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação (ForGRAD) – Utilização de tecnologias digitais para a educação superior: os desafios da inclusão e das metodologias de aprendizagem. Mediação: Professor Wander Pereira (UnB) – data: 19/5/2020.


Mesa-redonda organizada pelo ForGRAD. Discutimos os desafios de educar na pandemia, partilhando experiências, dilemas e práticas pedagógicas para o ensino superior. Direitos humanos, diversidades, inclusão social, cultural digital, cibercultura, foram temas da live.

 

7 - Congresso virtual da UFBA 2020. Formação de professores, educação online e inclusão digital. Mesa com Roberto Sidney Macêdo e Nelson Pretto. Mediação: professora doutora Alessandra Assis – data: 21/5/2020


Mesa-redonda em que Roberto Sidney Macêdo apresentou a formação como um acontecimento experiencial, relacionando o processo com o contexto pandêmico que no Brasil ainda coincide com uma enorme tragédia política. Nelson Pretto colabora com debate, questionando a noção de “novo normal” e criticando as diferentes dimensões de processos excludentes antes e durante a pandemia. Defende o papel do professor como um ativista nas práticas e processos educacionais na cultura digital. Na sequência, relaciono as falas dos colegas com a educação online, criticando a subutilização das redes em práticas massivas de EAD. O debate online no congresso virtual da UFBA contou com diversos pares de dentro e fora do Brasil.

 

8 - Lives do Centro Acadêmico do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ sobre Educação a Distância e Pandemia. Mediação: Marcos Pinheiro – data: 22/5/2020


Parte 1: https://www.instagram.com/p/CAgdP-Bj_X0/
Parte 2: https://www.instagram.com/p/CAgjLOijpbz/

 

Preocupados com a cena contemporânea e seus processos de formação no curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFRRJ, estudantes da universidade me convidaram para dialogar sobre as especificidades dos currículos de formação na modalidade a distância. A conversa foi dinamizada a partir de preocupações diretas da comunidade discente.

 

9 - Curso de Formação para professores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Educação online: um caminho possível? Mediação: professora doutora Luciene Santos – data: 26/5/2020


A equipe da UAB da UFRRJ nos convidou para uma roda de conversa no contexto do curso de formação de professores em EAD. Tivemos a pergunta disparadora: Educação online: um caminho possível? Foram muitas as respostas e interlocuções. A comunidade cria atualmente a sua própria comunidade de prática para debater seus dilemas e juntos criarem propostas e práticas educativas para EAD e educação online em seus contextos. A dinâmica da conversa parte também dos dilemas dos docentes presentes.

 

10 - Educação em tempos de pandemia: diálogos e conexões. Debate ao vivo com a Rede Unida. Mediação: Professora doutora Paula Cerqueira – data: 27/5/2020


A Rede Unida reúne acadêmicos, professores, profissionais, movimentos sociais e usuários da saúde pública. A rede é uma efetiva interface entre saúde e educação. O debate tratou exatamente dos processos formativos e da potencialidade da aprendizagem em rede. Tratamos exatamente dos potenciais da educação online e das tecnologias e linguagens digitais.

  

11 - Lançamento do livro “O livro na cibercultura”, com palestra proferida pelo professor doutor Eugênio Trivinho (PUC-SP) sob o título “O livro e seus demônios: cultura digital, capitalismo cognitivo e neofascismo”. Mediação: Edméa Santos (UFRRJ) e Cristiane Porto (UNIT) – data: 28/5/2020


Palestra proferida pelo prefaciador, Eugênio Trivinho, e, na sequência, apresentação de capítulos por autores e coautores do livro. O objeto livro e seus conteúdos, suportes e formatos foram debatidos com uma pluralidade de expressões. Debatemos também os processos de leitura e escrita mediados pelo digital em rede, além de destacarmos fenômenos específicos da cibercultura.

 

12 - Lives aprendizagens. Conversa com os educadores Edméa Santos (UFRRJ) e Marco Silva (UERJ). Mediação: Professor doutor Antônio Carlos Xavier (UFPE) – data: 28/5/2020


Debatemos processos de aprendizagens mediados por tecnologias digitais em rede e como esses processos vêm desafiando e também inspirando professores em nosso tempo. Debatemos sobre esse conteúdo no contexto das escolas básicas e também no da educação superior.

 

Em todas as lives acima citadas, fizemos a opção de compartilhar nossas experiências no campo da cibercultura e da educação, com especial destaque para a educação online crítica e democrática. Acertamos muitas vezes, noutras nem tanto, mas não fugimos da luta. Em geral, os feedbacks foram muito bons e as ressonâncias muitas vezes se materializaram em mais convites para outras lives e ou produções didáticas e científicas. Mensagens de reconhecimento do nosso trabalho foram socializadas em nossas páginas nas redes sociais, o que muito nos honra e nos incentiva a continuar contribuindo com nosso conhecimento. A seguir vemos uma dessas manifestações e com ela concluímos este texto, agradecendo muitíssimo o reconhecimento de nossas ações.

                    

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Como citar este artigo:

Santos Edméa. #livesdemaio... Educações em tempos de pandemia. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, junho de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA. 

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe da Silva Ponte de Carvalho e Mariano Pimentel