O desafio do manejo das dificuldades alimentares na infância: uma análise crítica do guia de orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria

Autores

DOI:

https://doi.org/10.12957/demetra.2022.69149

Palavras-chave:

Nutrição da criança. Guias alimentares. Transtornos de alimentação na infância.

Resumo

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou em abril de 2022 um guia de orientações para o manejo das dificuldades alimentares (DA) com a colaboração da DANONE Nutricia®. Este artigo analisa criticamente a publicação, explicitando suas fragilidades conceituais. Foram identificados: presença de conflito de interesses, imprecisões na definição e nas prevalências de DA, ausência de uma definição clara para alimentação adequada e saudável, abordagem nutriente-centrada e ausência de contextualização das DA com o panorama alimentar e nutricional das crianças brasileiras. A literatura na área de DA é escassa, com muitas publicações declarando conflito de interesses devido à prestação de serviços dos autores para a indústria de alimentos ou farmacêutica. Preferências alimentares são determinadas por uma complexa interação entre fatores intrínsecos e extrínsecos. Sendo assim, é de se esperar que uma publicação sobre alimentação na infância destaque a influência dos aspectos sociais, ambientais e do sistema alimentar vigente nos padrões alimentares da criança e da família. Apesar das evidências atualmente disponíveis, a publicação da SBP propõe enfoque nas consequências biológicas das DA, no manejo com objetivo restrito a garantir aporte energético/nutricional adequado, no monitoramento do crescimento / desenvolvimento da criança e na discussão de soluções para as DA que dependem de produtos alimentícios que podem ser classificados como ultraprocessados. Pode-se concluir que a falta de um referencial teórico robusto e livre de conflito de interesses sendo empregado como fio condutor na construção das recomendações propostas impede que um guia orientativo apoie a qualificação da atenção integral à saúde da criança.

Biografia do Autor

Lígia Cardoso dos Reis, Coordenadoria de Alimentação Escolar da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME/CODAE)

Doutora em Ciências pela FSP/USP. Nutricionista na Coordenadoria de Alimentação Escolar da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo(SME/CODAE).

Viviane Laudelino Vieira, Centro de Referência em Alimentação e Nutrição (CRNutri) do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza

Doutora em Nutrição em Saúde Pública pela FSP/USP. Nutricionista no Centro de Referência em Alimentação e Nutrição (CRNutri) do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza

Daniela Neri, Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP).

Pós-doutora em Epidemiologia Nutricional pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Nutricionista e Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS/USP), São Paulo/SP, Brasil.

Referências

- Brasil. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Guia de orientações - dificuldades alimentares. São Paulo: Departamento Científico de Nutrologia/SBP; 2022.

- Kerzner B, Milano K, MacLean WC, Berall G, Stuart S, Chatoor I. A practical approach to classifying and managing feeding difficulties. Pediatrics. 2015;135(2):344-53. DOI: 10.1542/peds.2014-1630

- Taylor CM, Wernimont SM, Northstone K, Emmett PM. Picky/ fussy eating in children: review of definitions, assessment, prevalence and dietary intakes. Appetite. 2015;95:349-59. DOI: 10.1016/j.appet.2015.07.026

- Emmett PM, Hays NP, Taylor CM. Antecedents of picky eating behaviour in young children. Appetite. 2018;130:163-73. DOI: 10.1016/j.appet.2018.07.032

- Taylor CM, Emmett PM. Picky eating in children: causes and consequences. Proc Nutr Soc. 2019;78(2):161-9. DOI: 10.1017/S0029665118002586

- Gomes FS. Conflitos de interesse em alimentação e nutrição. Cad Saúde Pública. 2015;31(10):2039-46. DOI: 10.1590/0102-311XPE011015

- Nestle M. Food company sponsorship of nutrition research and professional activities: a conflict of interest? Public Health Nutr. 2001;4(5):1015-22. DOI: 10.1079/phn2001253

- Brasil. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.

- Brasil. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.

- Blissett J, Fogel A. Intrinsic and extrinsic influences on children’s acceptance of new foods. Physiol Behav. 2013;121:89–95. DOI: 10.1016/j.physbeh.2013.02.013

- Gibson EL, Cooke L. Understanding food fussiness and its implications for food choice, health, weight and interventions in young children: the impact of Professor Jane Wardle. Curr Obes Rep. 2017;6(1):46-56. DOI: 10.1007/s13679-017-0248-9

- Lioret S, Betoko A, Forhan A, Charles MA, Heude B, Lauzon-Guillain B, et al. Dietary Patterns Track from Infancy to Preschool Age: Cross-Sectional and Longitudinal Perspectives. J Nutr. 2015;145(4):775-82. DOI: 10.3945/jn.114.201988

- Mennella JA. Ontogeny of taste preferences: basic biology and implications for health. Am J Clin Nutr. 2014;99(suppl):704S–11S. DOI: 10.3945/ajcn.113.067694

- Keren M. Eating and feeding disorders in the first five years of life: revising the DC:0–3R diagnostic classification of mental health and developmental disorders of infancy and early childhood and rationale for the New DC:0–5 proposed criteria. Infant Ment Health J. 2016;37(5):498-508. DOI: 10.1002/imhj.21588

- Silva MA, Milagres LC, Castro APP, Filgueiras MS, Rocha NP, Hermsdorff HHM, et al. O consumo de produtos ultraprocessados está associado ao melhor nível socioeconômico das famílias das crianças. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4053-60. DOI: 10.1590/1413-812320182411.25632017

- Brasil. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Alimentação Infantil I: Prevalência de indicadores de alimentação de crianças menores de 5 anos. Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI 2019). Rio de Janeiro: UFRJ; 2021.

– Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). [internet] Rio de Janeiro: IBGE. [cited 2022 jul 14]. Available from: https://bit.ly/3R7SDp0

- Monteiro CA, Moubarac J-C, Cannon G, Ng SW, Popkin B. Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system. Obes Rev. 2013;14(Suppl 2):21-8. DOI: 10.1111/obr.12107

- Brasil. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Alimentação na primeira infância: conhecimentos, atitudes e práticas de beneficiários do Programa Bolsa Família. Brasília: UNICEF; 2021.

- Wright CM, Parkinson KN, Shipton D, Drewett RF. How do toddler eating problems relate to their eating behavior, food preferences, and growth? Pediatrics. 2007;120(4):e1069-75. DOI: 10.1542/peds.2006-2961

- Brand-Miller J, Atkinson F, Rowan A. Effect of added carbohydrates on glycemic and insulin responses to children’s milk products. Nutrients. 2013;5(1):23-31.DOI: 10.3390/nu5010023

- Anjos LA, Vieira DAS, Siqueira BNF, Voci SM, Botelho AJ, Silva DG. Low adherence to traditional dietary pattern and food preferences of low-income preschool children with food neofobia. Public Health Nutr. 2021;24(10):2859-66. DOI: 10.1017/S1368980020003912

- Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança. Orientações para Implementação. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.

Publicado

2023-01-28

Como Citar

Reis, L. C. dos, Vieira, V. L., & Neri, D. (2023). O desafio do manejo das dificuldades alimentares na infância: uma análise crítica do guia de orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria. DEMETRA: Alimentação, Nutrição & Saúde, 17, e69149. https://doi.org/10.12957/demetra.2022.69149

Edição

Seção

Perspectivas