ação de desenhar na infância como iniciação aos segredos do mundo

Autores

DOI:

https://doi.org/10.12957/childphilo.2020.48283

Palavras-chave:

Educação de crianças, imaginação poética, desenhar, experiência de linguagem, mundo.

Resumo

Para destacar a íntima relação entre imaginar, desenhar e produzir mundos este ensaio interroga o sentido educacional das crianças iniciarem-se na ação de desenhar diante da crescente tendência cultural de ser o corpo cada vez menos exigido a produzir sentidos. A ação encarnada de desenhar, como ação estésica de tocar e ser tocado pelo mundo ao transpor os limites visíveis e adentrar na intimidade da invisibilidade mundana, constitui experiência tão recorrente e banalizada no cotidiano escolar quanto existencialmente complexa pela sua potência poética de adentrar o invisível e inaugurar visões de mundos. A histórica desqualificação da imagem e da imaginação no pensamento ocidental, dada pela cisão entre subjetividade do corpo e objetividade do mundo, não permite ao pensamento educacional considerar o fenômeno da imaginação poética como experiência existencial de inserção linguageira no mundo a partir do gesto de desenhar. Gesto que encontra sua especificidade no instante realizador da mão que traça e inscreve linhas na superfície dos suportes como escritura infinitamente inventável. O gesto estésico de desenhar, temporalizado pelo ritmo do corpo na emergência da fabulação que acompanha a repetição das marcas, implica uma experiência poética de linguagem que envolve a fusão de dois sentidos: o do gesto na materialidade e o da marca nela configurada, cicatrizada na superfície do suporte pela ação do corpo que a realizou. A aproximação entre educação, artes e infância permite destacar as tensões filosóficas e pedagógicas que envolvem a questão da imaginação poética e lançar outro olhar à ação de desenhar no âmbito da educação das crianças. O que emerge, a partir da interlocução entre Gaston Bachelard, Maurice Merleau-Ponty e Jean-Luc Nancy, é a relevância da intenção educativa do cuidado com a função vital da linguagem como experiência estésica e poética que se constitui na processualidade do corpo fazer aparecer algo que produza e contenha presença, aquela que promove e amplia a densidade existencial do real.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

sandra regina simonis richter, Universidade de Santa Cruz do Sul

Doutora em Educação, professora do Departamento de Ciências, Humanidades e Educação; coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC; líder do grupo de pesquisa Estudos Poéticos: educação e linguagem CNPq/UNISC. 

márcia vilma murillo, Universidade de Santa Cruz do Sul

Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação UNISC; professora do Ensino Fundamental da Escola de Educação Básica Educar-se; membro do grupo Estudos Poéticos: educação e linguagem CNPq/UNISC.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Infância e história. Destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.

BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

BACHELARD, Gaston. Fragmentos de uma poética do fogo. Organização e notas Suzanne Bachelard. São Paulo: Brasiliense, 1990.

BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

BACHELARD, Gaston. Études. Présentation de G. Canguilhem. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 2002.

BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.

BAITELLO JUNIOR, Norval. A era da iconofagia: reflexões sobre a imagem, comunicação, mídia e cultura. São Paulo: Paulus, 2014.

CASTRO, Manoel Antonio de. O mito de Cura e o ser humano. Calíope 19, 2009, Rio de Janeiro, p. 37-59. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3735090> Acesso 2 de fevereiro de 2020.

DERDYK, Edith (org). Disegno. Desenho. Desígnio. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.

FLUSSER, Vilém. Ensaio sobre a fotografia - para uma filosofia da técnica. Lisboa: Relógio D’água, 1998.

FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008.

GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus, 2006.

GARCÉS, Marina. Un mundo común. Barcelona: Edicions Bellaterra, 2013.

HILLMAN, James. Cidade & alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.

LARROSA, Jorge Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

LATOUR, B. Como falar do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre a ciência. In: NUNES, J. A.; ROQUE, R. (Org.). Objetos impuros: experiências em estudos sociais da ciência. Porto: Afrontamento, 2007. p. 40-61. [Disponível em: <http://www.bruno-latour.fr/sites/default/files/downloads/77-BODY-NORMATIVE-POR.pdf > Acesso em 25 de janeiro de 2020.

MAILLARD, Chantal. La razón estética. Barcelona: Galaxia Gutenberg: Edición en formato digital: septiembre 2017. Disponível em: <https://www.academia.edu/39316975/La_raz%C3%B3n_est%C3%A9tica_-_Chantal_Maillard> Acesso em 30 de janeiro de 2020.

MATISSE, Henri. Escritos e conversas sobre arte. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (Org.). A pintura – Vol. 6: A figura humana. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 117-126.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999a.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. Prefácio e posfácio de Claude Lefort. São Paulo: Perspectiva, 1999b.

MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. Edição e prefácio de Claude Lefort. São Paulo: Cosac&Naify, 2002.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito: seguido de A linguagem e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne. Prefácio Claude Lefort; posfácio Alberto Tassinari. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

NANCY, Jean-Luc. El olvido de la filosofía. Madrid: Arena Libros, 2003.

NANCY, Jean-Luc. Ser singular plural. Madrid: Arena Libros, 2006.

NANCY, Jean-Luc. Las Musas. Buenos Aires: Amorrortu, 2008.

NANCY, Jean-Luc. El arte hoy. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Prometeo Libros, 2014.

NANCY, Jean-Luc. Demanda. Literatura e filosofia. Florianópolis: Ed. UFSC; Chapecó: Argos, 2016.

NANCY, Jean-Luc. Arquivida. Do senciente e do sentido. São Paulo: Iluminuras, 2017.

NANCY, Jean-Luc. La posibilidad de un mundo. Diálogo con Pierre-Philippe Jandin. Traducción de Isidro Herrera. Madrid: Arena Libros, 2019.

PALLASMAA, Juhani. Los ojos de la piel. Barcelona: Gustavo Gili, 2006.

PAZ, Octávio. O arco e a lira. Tradução Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

RICHTER, Sandra R. S. A dimensão ficcional da arte na educação da infância. Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. Tese de Doutoramento.

RICHTER, Sandra R. S.; KOPP, Felipe A. Imaginação em Sartre e Bachelard. Kínesis, Vol. XI, n° 30, dezembro 2019, p.38-61.

RICOUER, Paul. Du texte à l’action: essais d’herméneutique II. Paris: Éditions du Seuil, 1986.

SENNETT, Richard. Artesanía, tecnología y nuevas formas de trabalho. Seguido de “Hemos perdido el arte de hacer ciudades” (entrevista de Magda Anglès). Buenos Aires: Katz Editores; Barcelona: Centro de Cultura Contemporánea de Barcelona, 2013.

SERRES, Michel. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

SERRES, Michel. Filosofia mestiça. (Le Tiers-Instruit). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

TIBURI, Marcia; CHUÍ, Fernando. Diálogo/Desenho. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010.

VALÉRY, Paul. Primeira aula do curso de poética. In: Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1999, p. 179-192.

WARBURG, Aby. Histórias de fantasma para gente grande. Escritos, esboços e conferências. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

WUNENBURGER, J. J. Philosophie des images. 2. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 2001.

Downloads

Publicado

2020-07-15

Como Citar

RICHTER, Sandra regina simonis; MURILLO, Márcia vilma. ação de desenhar na infância como iniciação aos segredos do mundo. childhood & philosophy, Rio de Janeiro, v. 16, n. 36, p. 01–27, 2020. DOI: 10.12957/childphilo.2020.48283. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/childhood/article/view/48283. Acesso em: 1 maio. 2025.

Edição

Seção

dossier: estudos da infância: politizações e estesias

Artigos mais lidos pelo mesmo(s) autor(es)