Meritocracia e medicalização nos projetos de vida de estudantes do último ano do ensino fundamental: a busca por uma “vida normal”

Autores

DOI:

https://doi.org/10.12957/sustinere.2025.92930

Palavras-chave:

Projeto de Vida, Meritocracia, Medicalização, Ensino Fundamental, Pesquisa Qualitativa

Resumo

O presente artigo apresenta o recorte de uma pesquisa qualitativa que buscou compreender como os discursos meritocráticos impactam na projeção de futuro de adolescentes e jovens do 9º ano de uma escola pública da cidade do Salvador-BA. A meritocracia surge com o advento do capitalismo, representando a promessa de superar a sociedade de castas a partir da justa distribuição desigual das riquezas, com base nas supostas diferenças individuais. Contribui, assim, para a crença de que “vence na vida” quem se esforçar suficientemente e explorar suas próprias capacidades e habilidades. À luz desse cenário, foi realizada uma pesquisa de campo, envolvendo a aplicação de questionário fechado, encontros grupais e entrevistas individuais com um grupo de estudantes em vias de conclusão do ensino fundamental. A análise do material construído na pesquisa aponta a presença marcante da ideologia do esforço pessoal para obter sucesso na vida; além disso, ressalta a ideia de busca por uma “vida normal”, sendo o padrão de normalidade atravessado pelo pertencimento de classe e raça. Os ideais meritocráticos contradizem suas próprias vivências em uma sociedade desigual, trazendo descrença num possível futuro promissor. Com isso, os sonhos são “diminuídos” para caber no que, de fato, será possível. Esta forma de projetar o futuro é própria da lógica meritocrática, com contornos medicalizantes. A possibilidade de tensionar tais ditames mostra-se profícua, pois ao mesmo tempo, estudantes tem ciência da desigualdade e das injustiças a que estão submetidos. 

Biografia do Autor

Ariane Rocha Felicio de Oliveira, Universidade Nove de Julho (UNINOVE)

Doutora e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduada em Psicologia pela Faculdade Social da Bahia (2012). Membro do grupo de pesquisa "Educação, Política e Sociedade: leituras a partir da pedagogia, da psicologia e da filosofia" (EPIS). Membro do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Escolar e Educacional. Desenvolve pesquisa na interface entre as áreas da Psicologia e da Educação, sobretudo a partir dos estudos sobre a Medicalização da Educação e a Meritocracia. Professora do Ensino Superior no curso de Psicologia da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: felicioariane@gmail.com

Lygia de Sousa Viégas, Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Possui Graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1999), Mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2002) e Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2007). Foi bolsista de pesquisa FAPESP de Iniciação Científica, bem como de Mestrado e Doutorado. É Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced - UFBA), em regime de dedicação exclusiva, onde é professora de graduação e pós-graduação. Orientadora de Mestrado e Doutorado, tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Escolar e Educacional e Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: psicologia escolar e educacional em uma perspectiva crítica, escola pública, políticas sociais e medicalização da vida escolar. Email para contato: lyosviegas@gmail.com

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Publicado

16-09-2025

Como Citar

Oliveira, A. R. F. de, & Viégas, L. de S. (2025). Meritocracia e medicalização nos projetos de vida de estudantes do último ano do ensino fundamental: a busca por uma “vida normal”. Revista Sustinere, 13, 111–131. https://doi.org/10.12957/sustinere.2025.92930