Meritocracia e medicalização nos projetos de vida de estudantes do último ano do ensino fundamental: a busca por uma “vida normal”
DOI:
https://doi.org/10.12957/sustinere.2025.92930Palavras-chave:
Projeto de Vida, Meritocracia, Medicalização, Ensino Fundamental, Pesquisa QualitativaResumo
O presente artigo apresenta o recorte de uma pesquisa qualitativa que buscou compreender como os discursos meritocráticos impactam na projeção de futuro de adolescentes e jovens do 9º ano de uma escola pública da cidade do Salvador-BA. A meritocracia surge com o advento do capitalismo, representando a promessa de superar a sociedade de castas a partir da justa distribuição desigual das riquezas, com base nas supostas diferenças individuais. Contribui, assim, para a crença de que “vence na vida” quem se esforçar suficientemente e explorar suas próprias capacidades e habilidades. À luz desse cenário, foi realizada uma pesquisa de campo, envolvendo a aplicação de questionário fechado, encontros grupais e entrevistas individuais com um grupo de estudantes em vias de conclusão do ensino fundamental. A análise do material construído na pesquisa aponta a presença marcante da ideologia do esforço pessoal para obter sucesso na vida; além disso, ressalta a ideia de busca por uma “vida normal”, sendo o padrão de normalidade atravessado pelo pertencimento de classe e raça. Os ideais meritocráticos contradizem suas próprias vivências em uma sociedade desigual, trazendo descrença num possível futuro promissor. Com isso, os sonhos são “diminuídos” para caber no que, de fato, será possível. Esta forma de projetar o futuro é própria da lógica meritocrática, com contornos medicalizantes. A possibilidade de tensionar tais ditames mostra-se profícua, pois ao mesmo tempo, estudantes tem ciência da desigualdade e das injustiças a que estão submetidos.
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