“Engrenagens da medicalização”: discussão da construção performativa contemporânea dos transtornos psiquiátricos a partir de um estudo de caso
DOI:
https://doi.org/10.12957/sustinere.2025.92909Palavras-chave:
Medicalização, Adolescentes, Escola, Performatividade, Atenção psicossocialResumo
O presente artigo investiga os efeitos da medicalização da vida a partir do estudo de caso de um adolescente com queixas escolares e que foi encaminhado posteriormente a um CAPS-IJ com suspeitas de TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). A metodologia utilizada foi uma análise de conteúdo compreensiva, baseada em Michelat (1982), a partir de documentos como prontuário, relatórios escolares e laudo neuropsicológico. O estudo mostra como os laudos diagnósticos e os discursos escolares constroem subjetividades ao classificarem comportamentos considerados “anormais”, promovendo diagnósticos duvidosos sustentados por instrumentos psicométricos frágeis e de uso inadequado, com o agravante do recurso ao setor privado por parte de famílias que se endividam para atender tais demandas. Diagnósticos como TEA e TDAH são construídos performativamente por diferentes atores, constituindo o que o denominamos de "engrenagens da medicalização" — uma rede cada vez mais ampla e que envolve escola, família, profissionais e o mercado da saúde. No presente caso, contudo, o CAPS-IJ apresentou uma postura crítica ao romper com esse ciclo, oferecendo um suporte baseado no reconhecimento das singularidades de Bruno e no cuidado com sua saúde mental, sem rotulá-lo com diagnósticos medicalizantes. O estudo conclui que é possível construir alternativas à lógica dominante da medicalização e reafirma a importância de práticas críticas e humanizadas no campo da saúde e da educação.
Referências
ALDA, J. A.; SERRANO-TRONCOSO, E. Attention-deficit hyperactivity disorder: agreement between clinical impression and the SNAP-IV screening tool. Actas Espanolas De Psiquiatria, [s. l.], v. 41, n. 2, p. 76–83, 2013.
ANTONELI, P. D. P.; GARCIA, M. R. V. Os “inconvenientes” na escola: medicalização de crianças e jovens e suas estratégias de resistência. Perspectiva, [s. l.], v. 36, n. 2, p. 664–686, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/2175-795X.2018v36n2p664. Acesso em: 4 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo para Diagnóstico Etiológico da Deficiência Intelectual. Brasília, 2020. Disponível em https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2020/20201203_relatorio_572_pcdt_deficiencia-intelectual_.pdf. Acesso em: 4 abr. 2025.
BRODERICK, A. A.; ROSCIGNO, R. Autism, Inc.: The Autism Industrial Complex. Journal of Disability Studies in Education, [s. l.], v. 2, n. 1, p. 77–101, 2021. Disponível em: https://brill.com/view/journals/jdse/2/1/article-p77_77.xml. Acesso em: 4 abr. 2025.
CALIMAN, L. V. A constituição sócio-médica do “fato TDAH”. Psicologia & Sociedade, [s. l.], v. 21, n. 1, p. 135–144, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822009000100016&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 4 abr. 2025.
CALLISTO, S. P.; ILLAMOLA, S. M.; BIRNBAUM, A. K.; BARKLEY, C. M.; BATHENA, S. P. R.; LEPPIK, I. E.; MARINO, S. E. Severity of topiramate-related working memory impairment is modulated by plasma concentration and working memory capacity. J Clin Pharmacol., v. 60, n. 9, p. 1166–1176, set. 2020.
CHLEBOWSKI, C.; GREEN, J. A.; BARTON, M. L.; FEIN, D. Using the childhood autism rating scale to diagnose autism spectrum disorders. J Autism Dev Disord, v. 40, n. 7, p. 787–799, jul. 2010.
CHRISTOFARI, A. C.; FREITAS, C. R. D.; BAPTISTA, C. R. Medicalização dos Modos de Ser e de Aprender. Educação & Realidade, [s. l.], v. 40, n. 4, p. 1079–1102, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-62362015000401079&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 4 abr. 2025.
FOULKES, L.; ANDREWS, J. L. Are mental health awareness efforts contributing to the rise in reported mental health problems? A call to test the prevalence inflation hypothesis. New Ideas in Psychology, [s. l.], v. 69, p. 101010, 2023. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0732118X2300003X. Acesso em: 4 abr. 2025.
GARCIA, M. R. V.; BORGES, L. N.; ANTONELI, P. P.. A medicalização na escola a partir da perspectiva de professores de educação infantil: um estudo na região de Sorocaba-SP. Revista ibero-americana de estudos em educação. Araraquara, v. 9, n. 3, p. 536-560, 2014. Disponível em: <https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/7356/5297>. Acesso em: 05 abr. 2025.
HALL, C. L.; GUO, B.; VALENTINE, A. Z.; GROOM, M. J.; DALEY, D.; SAYAL, K.; HOLLIS, C. The Validity of the SNAP-IV in Children Displaying ADHD Symptoms. Assessment, [s. l.], v. 27, n. 6, p. 1258–1271, 2020. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1073191119842255. Acesso em: 28 mar. 2025.
HAZIN, I.; FERNANDES, I.; GOMES, E.; GARCIA, D. Neuropsicologia no Brasil: passado, presente e futuro. Estud. pesqui. psicol. [s. l.], v..18, p.1137-1154, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812018000400007&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 4 abr. 2025.
ILLICH, I. A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
MICHELAT, G. Sobre a Utilização da Entrevista Não-Diretiva em Sociologia. In THIOLLENT M.J.M (org.). Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. 3. ed. São Paulo: Polis, 1982. P.191-211.
ORTEGA, F.; BARROS, D.; CALIMAN, L.; ITABORAHY, C.; JUNQUEIRA, L.; FERREIRA, C. P. A ritalina no Brasil: produções, discursos e práticas. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, [s. l.], v. 14, n. 34, p. 499–512, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832010000300003&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 4 abr. 2025.
PATTO, M. H. S. Para uma Crítica da Razão Psicométrica. Psicologia USP, [s. l.], v. 8, n. 1, p. 47–62, 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65641997000100004&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 9 abr. 2025.
PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. [S. l.]: Universidade de São Paulo.Instituto de Psicologia, 2022. Disponível em: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/932. Acesso em: 4 abr. 2025.
PELBART, P. P.. Viver não é sobreviver: para além da vida aprisionada. In: Conferência do 3º Seminário Internacional “A Educação Medicalizada: Reconhecer E Acolher As Diferenças”. São Paulo, 2013. Fala proferida na mesa de abertura. Youtube, [S.l], Canal Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, 21 mar. 2015. 1 arquivo .mp4. 56 min e 29 s.Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qaHSIm91OII>. Acesso em: 4 abr. 2025.
RICCI, T. E.; FERNANDES, A. D. S. A.; CESTARI, L. M. Q.; MARCOLINO, T. Q.; SOUZA, M. B. C. A. D. Terapeutas cansadas: da precariedade do trabalho à precariedade da assistência na indústria do autismo [S. l.: s. n.], 2023. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/6634/version/7021. Acesso em: 4 abr. 2025.
ROSE, N. S. Governando a alma: a formação do eu privado. In: SILVA, T. T. da (org.). Liberdades reguladas. Petrópolis: Vozes, 1998.
ROSE, N. S. Our psychiatric future: the politics of mental health. Cambridge, UK Medford, MA: Polity press, 2019.
ROSE, N. S. A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. [s.l.] Paulus Editora, 2022.
SCULL, A. Loucura na civilização: Uma história cultural da insanidade – da Bíblia a Freud, das casas de loucos à medicina moderna. Tradução: Humberto Amaral. São Paulo, SP: Sesc Sp, 2023.
VAUGHAN, C. A. Test Review: E. Schopler, M. E. Van Bourgondien, G. J. Wellman, & S. R. Love Childhood Autism Rating Scale (2nd ed.). Los Angeles, CA: Western Psychological Services, 2010. Journal of Psychoeducational Assessment, [s. l.], v. 29, n. 5, p. 489–493, 2011. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0734282911400873. Acesso em: 28 mar. 2025.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Revista Sustinere

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Os Direitos Autorais dos artigos publicados na Revista Sustinere pertencem ao(s) seu(s) respectivo(s) autor(es), com os direitos de primeira publicação cedidos à Revista SUSTINERE.
Os artigos publicados são de acesso público, de uso gratuito, com atribuição da autoria original obrigatória, de acordo com o modelo de licenciamento Creative Commons 4.0 adotado pela revista.

A Revista Sustinere está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.



