Competências socioemocionais como dispositivo de neoliberalização da educação

Authors

DOI:

https://doi.org/10.12957/sustinere.2025.92908

Keywords:

Competências socioemocionais, Políticas educacionais, Neoliberalismo escolar, Subjetividade, Mercantilização da educação

Abstract

O artigo tem como objetivo analisar criticamente a ascensão das competências socioemocionais na educação brasileira, com ênfase em seus efeitos subjetivantes. Busca-se, ainda, mapear as forças em disputa neste processo, investigando o modo como a educação socioemocional opera. Fundamentado nos aportes de autores como Dardot e Laval (2016), Guattari e Deleuze (1972), e Freire (2005), o estudo adota como metodologia a análise documental e discursiva de programas, legislações e materiais didático-pedagógicos relacionados à formação socioemocional. Examina-se como o discurso da educação socioemocional, ao incorporar categorias como resiliência, empatia e autogestão emocional, se articula à racionalidade neoliberal e à lógica da responsabilização individual. O texto demonstra que tais competências são produzidas sob uma retórica humanista e emancipatória, mas operam, na prática, como instrumentos de regulação subjetiva e adaptação dos sujeitos à precarização do trabalho e à flexibilização das relações sociais. A análise evidencia a atuação de organismos multilaterais, fundações empresariais e parcerias público-privadas na formulação e disseminação desses programas, revelando um processo de mercantilização da educação e de codificação de “sentimentos e emoções” pela lógica do capital. Conclui-se pela urgência de uma abordagem pedagógica que compreenda a afetividade em sua dimensão política, coletiva e situada, a partir de uma perspectiva pedagógica comprometida com a transformação social, a justiça e a escuta das realidades concretas das comunidades escolares.

Author Biographies

Giuliana Volfzon Mordente, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FEBF/UERJ)

Professora Adjunta de Psicologia Educacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Faculdade de Educação. Foi professora Adjunta de Psicologia Educacional do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/ Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF). Doutora em Psicologia (PPGP/UFRJ). Mestre em Psicologia (PPGP/UFRJ). Especialista em Educação Transformadora (PPG- PUCRS), Psicóloga (UFRJ), Pedagoga (UNIBF). Bolsista Cnpq (mestrado e doutorado) e bolsista FAPERJ Nota 10 (doutorado). Foi professora substituta do Instituto de Psicologia da UFRJ (2020-2022). Docente por cinco anos no Ensino Fundamental II em uma instituição de ensino básico. Foi coordenadora de estágio e extensão em Psicologia Escolar e Educacional do Projeto COLA, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Coordenou 3 edições do curso de extensão Educação Democrática e Processos de Subjetivação da UFRJ, com mais de 200 participantes. Atuou como educadora de diversos projetos sociais e como coordenadora de cursos de formação de educadores comunitários. Tem experiência na área de Psicologia Social; subáreas de Psicologia Escolar e Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: educação democrática; neoliberalismo escolar; inclusão; direitos humanos, esquizoanálise; análise institucional, violências.

Francisco Teixeira Portugal, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), graduação em Engenharia Elétrica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1989), mestrado (1995) e doutorado (2002) em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro atuando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia e no Departamento de Psicologia Social. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: esquizoanálise, Análise Institucional, psicologia e educação, história da psicologia, história da psicologia no Brasil, psicologia social.

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Published

2025-09-16

How to Cite

Mordente, G. V., & Portugal, F. T. (2025). Competências socioemocionais como dispositivo de neoliberalização da educação. Revista Sustinere, 13, 67–88. https://doi.org/10.12957/sustinere.2025.92908