Formação de monitores: Jovens Talentos no Museu da República
Autoria: Ana Paula Zaquieu; Letícia Melo Bomfim
O projeto apresentado foi desenvolvido pelo Setor Educativo do Museu da República entre agosto de 2022 e janeiro de 2024. A sua realização contou com apoio da Faperj, através do Edital Jovens Talentos. Após processo seletivo realizado pelo setor, foram contemplados cinco jovens estudantes do primeiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, localizado no entorno do museu. Nosso objetivo era, além de formar mediadores para atuarem junto ao público espontâneo que visita o Palácio do Catete, aproximar jovens estudantes da educação básica das discussões chave dos campos da Memória e Museus no país. A partir do conceito de mediação em museus, optamos por uma metodologia de trabalho que articulasse reflexões teóricas, provocadas a partir de diferentes recursos, e atividades de campo.
A presença de alunos de escolas públicas no museu vai ao encontro do compromisso da instituição com os direitos de cidadania. Assim, vemos nesta proposta de formação uma oportunidade de avançarmos na substituição da ideia de museus como templos, voltados para um passado distante e desconectado do presente, pela concepção de museus como espaço de investigação, interpretação, construção de conhecimentos plurais, comprometidos com o pensamento crítico1.
O processo de formação teve um caráter integral. Consideramos estratégico o desenvolvimento prévio de um conjunto de competências necessárias para o desenvolvimento do pensamento crítico e de habilidades sociais e emocionais importantes para uma melhor comunicação com o público. Nossas metas eram, num primeiro momento, estimular nos bolsistas uma melhor organização e expressão de ideias, domínio da escrita e condições de construir conhecimentos de forma autônoma. Ao mesmo tempo, as atividades propostas visavam também a construção de uma percepção mais ampliada do trabalho desenvolvido no Setor Educativo de uma instituição de memória, bem como uma maior apropriação de conceitos chaves, como: Cultura, Patrimônio Cultural, Museus, Memória, Identidade, Narrativas, Acervo Museológico e Mediação.
Cabe ressaltar que o projeto é o segundo momento de um conjunto de ações iniciadas em 2016, em torno do que viria a ser o Programa “A República que o Palácio Não Mostra”, interrompido com a Pandemia, no início de 2020. Essas ações fizeram parte de um esforço em tentar dar conta de dois desafios colocados para o setor educativo: a abertura do museu uma noite por mês para receber turmas do EJA (Educação de Jovens e Adultos) e a formação de alunos do terceiro ano do Ensino Médio Colégio Pedro II como mediadores2.
Nossa intenção era pensar estratégias que resultam em outras interlocuções com a Educação Básica. Com a opção por roteiros temáticos, pretendíamos romper com a ideia de guiamento e de objetos museológicos como relíquias, cujo valor estaria em si mesmo3. A problematização do circuito de longa duração do Palácio do Catete, a partir da decoração dos seus salões, ajudaria a romper com a concepção de memória/história sem conflitos ou contradições sociais4. As trocas estabelecidas entre os alunos durante a mediação das visitas orientaram todo o processo de construção dos primeiros roteiros. Naquele momento, tínhamos a expectativa de que a nova abordagem permitiria a construção de narrativas mais próximas da realidade cotidiana dos alunos trabalhadores. Esse processo resultou em encontros mensais que ajudaram a estabelecer entre alunos da EJA e do CPII relações de troca, onde suas diferentes experiências e saberes puderam ser reconhecidas e respeitadas. Aos poucos, as visitas, mesmo que breves, transformaram-se em momentos de construção compartilhada de conhecimento5.
Apesar do caráter de continuidade, o projeto iniciado em 2022 seguiu um planejamento diferente. Estávamos lidando com alunos do primeiro ano do Ensino Médio, ainda pouco familiarizados com conteúdos relacionados ao Segundo Império e o Brasil República e sem nenhuma familiaridade com o universo dos museus. Além disso, a pesquisa de acervo estava finalizada, os roteiros temáticos estruturados e, naquele momento, o atendimento seria voltado exclusivamente para o público espontâneo.
O processo de desenvolvimento de competências atravessou todo o período de vigência da bolsa. Com uma carga horária de 8 horas semanais, distribuídas em duas tardes, os bolsistas foram se familiarizando com o campo dos museus e do patrimônio cultural, através de visitas a espaços de memória localizados na cidade; participação em eventos culturais; leituras e fichamentos de textos de referência, acesso a filmes de ficção e documentários com temáticas relacionadas, sempre finalizados com discussões em grupo e/ou produções textuais. O contato com as salas do palácio foi sendo introduzido aos poucos. Essa primeira etapa, que chamaremos de formação inicial, durou aproximadamente seis meses e foi cumprida da seguinte forma:
- Leitura e apresentação de textos, seguida de debate: além de pequenas crônicas de Machado de Assis e de Lima Barreto, foram feitas leituras sistematizadas de dois livros paradidáticos6. As leituras ajudaram a contextualizar o impacto da Proclamação da República e da Abolição sob o processo de construção das memórias oficiais sobre o Estado brasileiro.
- Visitas Técnicas: o objetivo era colocar os bolsistas em contato com diferentes experiências de mediação. Para isso, foram visitadas instituições de memória com perfis bem diferentes entre si, mas que se destacavam no campo da educação museal na cidade do Rio de Janeiro
- Cine-debate: os encontros consistiam na exibição de filmes de ficção e documentários que abordavam, através das noções de memória, cultura, pertencimento e patrimônio, questões ligadas ao projeto republicano brasileiro e suas consequências para a conformação sociocultural do país.
- O início da mediação seguiu as seguintes etapas:
4.1: Escolha das salas: após diversos contatos com o circuito expositivo, os bolsistas selecionaram o salão onde fariam a mediação. Em seguida, foram disponibilizadas as informações gerais sobre a temática da sala, junto com a descrição das peças em exposição.
4.2: Apropriação dos roteiros e construção de novas narrativas: iniciada no segundo semestre do estágio e, em princípio, sob a nossa supervisão direta, as mediações no Palácio ocorreram durante duas tardes semanais. O objetivo era estimular a comunicação com o público espontâneo, o domínio das informações sobre o acervo e a criação de novas narrativas, a partir da interação com os visitantes. Todos os dias de mediação eram finalizados com uma reunião de avaliação de aproximadamente 30 minutos.
4.3: Resultados, segundo avaliação dos bolsistas: o último mês do projeto foi dedicado a um profundo processo de avaliação coletiva do processo como um todo, que serviu de base para a escrita individual do relatório final exigido pelo Edital da Faperj. As trocas foram muito ricas e resultaram em relatórios densos, que demonstraram o comprometimento de todos com o trabalho. Como espaço é curto, deixaremos aqui alguns fragmentos extraídos dos seus relatos:
“Aprimorei minhas habilidades de comunicação com o público, aspectos que pretendo levar para toda a vida. (...) Atualmente, valorizo mais as expressões culturais brasileiras, desde músicas e filmes até obras de arte. Essa jornada também me proporcionou uma compreensão mais profunda do conceito de cultura (...) Aprendi sobre patrimônio, território, bens culturais (...) Essa experiência ampliou minha visão e enriqueceu meu entendimento sobre o rico mosaico cultural brasileiro”. (Rafaely)
“Museu é um lugar que não guarda só objetos antigos como eu pensava antes, mas sim muitas histórias e significados (...) Aprendi a organizar minhas ideias (...) Tive um melhor desenvolvimento na escrita e interpretação de textos(...) Entendi melhor o que é e como funciona um museu e os bastidores por trás de cada peça, como pesquisas para saber de quê época e a quem pertencia a obra.(...) Entendi a importância da memória em nosso cotidiano, tanto no dia a dia simples como em grandes eventos históricos”. (Lara)
“A mediação no palácio me ajudou muito nas dificuldades de comunicação com as pessoas, pois eu não conseguia me expressar em público (...) Aprendi a importância da memória no nosso dia a dia e que muitas vezes não percebemos. Também aprendi sobre identidade e pertencimento, que são cruciais para sabermos quem somos e o nosso lugar no mundo. Desenvolvi a capacidade de trabalhar em equipe, melhorar meu foco.” (Wendrell)
“Com a mediação no Palácio, perdi um pouco da timidez e, hoje em dia, me comunico melhor com pessoas desconhecidas (...) Melhorei a fala em momentos importantes, sem falar gírias, gaguejar ou rir. (Paulo)
Notas/Referências:
1 - MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Do teatro da memória ao laboratório da História: a exposição museológica e o conhecimento histórico. Anais do Museu Paulista. São Paulo, N. Ser. v. 2, 1994 p. 9-42 jan./dez.
2 - ZAQUIEU, Ana Paula. Iniciação Científica Jr no Museu da República: compartilhando experiências. 3º Seminário Nacional - Patrimônio, Resistência e Direitos. Fortaleza, Anpuh, 2021.
3 - RAMOS, Francisco Régis. A danação do objeto: o museu no ensino de História. Chapecó: Argos, 2004.
4 - NORA, Pierre. Entre a memória e a história: a problemática dos lugares. São Paulo: Projeto História/PUC, dez, 1993. Acesso eletrônico em 18/09/2016.
5 - Sobre a metodologia adotada, que incluiu pesquisa de acervo, leitura e fichamento de textos e de documentos de referência, visitas mediadas e construção dos roteiros, ler: Zaquieu, Ana Paula A República que o Palácio não mostra: Considerações sobre mediação de visitas num museu de história. 31º Simpósio Nacional de História. Rio de Janeiro, Anpuh, 2021.
6 -MONTENEGRO, Antônio Torres. Reinventando A Liberdade - A Abolição Escravatura No Brasil. 10. ed. São Paulo: Atual Editora, 1990;
6 - NEVES, Margarida de Souza; HEIZER, Alda. A Ordem e o Progresso: o Brasil de 1870 a 1910. São Paulo: Atual Editora, 1991.
Sobre a autoria:
Ana Paula Vianna Zaquieu é graduada e mestre em História pela UFF. Atua no Setor Educativo do Museu da República desde 2013. Coordenou o projeto “Iniciação Científica Jr. no Museu”, resultado da parceria Museu da República/ Colégio Pedro II; idealizou o Programa Educativo “A República que o Palácio Não Mostra”, voltado para alunos da EJA e para a formação de monitores. Atualmente integra a equipe multidisciplinar do projeto Nosso Sagrado, sendo responsável pela curadoria pedagógica; e a coordenação da Comissão Nacional de Revisão da PNEM (CNR/IBRAM).
Letícia dos Santos Melo Bomfim é graduanda em Licenciatura em História pela UFRJ, ex-estagiária do Setor Educativo do Museu da República nos anos de 2022 a 2024. Atuou como bolsista no Programa Educativo “A República que o Palácio Não Mostra”, entre 2018 e 2019.
Como citar este artigo:
ZAQUIEU, Ana Paula; BOMFIM, Letícia Melo. Formação de monitores: Jovens Talentos no Museu da República. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, junho de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.
Editores/as Seção Notícias:
Frieda Maria Marti, Felipe Carvalho, Edméa Santos, Marcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel