Pesquisa e Educação no Museu: Iniciação Cientifica de Jovens do Ensino Médio no Museu da Maré

27-05-2024

Autoria: Adrielly Ribas

Partimos do pressuposto de que a Educação é um processo e deve ser entendida não como uma abstração universal ou estática, mas como uma prática social múltipla, situada historicamente em uma determinada realidade e local. Diante disso, é necessário reconhecer os diversos espaços sociais de produção de conhecimento e não somente a universidade, mas também a escola, a família, a comunidade, igrejas, movimentos sociais, e os Museus. (MORAIS, 2022) 

Esse texto é parte do resultado da minha pesquisa de doutorado em Educação, somado ao relato de trabalho que desenvolvi junto a equipe educativa do Museu da Maré, ao longo de mais de dez anos de atuação no espaço. Entre as muitas atividades desenvolvidas pela instituição, focarei na parceria do Museu da Maré com algumas Universidades públicas do estado e com o Fundo de Amparo a Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ), mais especificamente com o programa Jovens Talentos da Faperj, que consiste em um projeto de iniciação cientifica voltada para alunos do ensino médio, com matricula ativa e atende jovens de 15 até 18 anos, oferecendo bolsas de pesquisa no valor de trezentos reais mensais, durante dezoito meses. 

O museu da Maré 

O Museu da Maré, fundado em 2006, conta a história da ocupação local e a memória da vida cotidiana dos moradores, e encontra-se em um dos maiores conjuntos de favelas da zona norte do Rio de Janeiro, que está situada entre a Avenida Brasil e a Linha amarela, próxima ao campus universitário da UFRJ – Fundão, e se constitui num agrupamento de dezesseis favelas. A instituição faz parte da ONG Centro de Ações Solidárias da Maré (CEASM), que atua desde 1997 no território com diversos projetos de cultura, memória e educação.  

Seu acervo possui objetos doados por antigos moradores e outras réplicas adquiridas. A expografia é fundamentada no trabalho de pesquisa sobre história e memória da ocupação do território, e a idealização de curadoria foi desenvolvida coletivamente através de um fórum com moradores mais antigos e líderes comunitários. A exposição de longa duração, “Tempos da Maré”, possui doze “Tempos”, que são como temas atrelados ao cotidiano da vida na favela, como a Fé, Migração, Casa, Água e Medo. 

O incitamento à pesquisa e seu caráter formador

O perfil de bolsistas que integram o projeto Jovens Talentos no Museu da Maré, são de jovens da rede pública de ensino, de 15 até 17 anos, residentes da favela da Maré e arredores.  Durante o ano são atendidos dois grupos com aproximadamente 10 jovens, que permanecem 18 meses no espaço para formação e iniciação à pesquisa. Eles frequentam o espaço às terças e quintas no horário da tarde, porém quando há eventos e atividades de campo a frequência se dá em horários alternativos, com a devida autorização dos pais. A parceria entre o Museu da Maré com diversos professores das Universidades Públicas do Estado do Rio, junto ao programa Jovens Talentos, existe desde 2008. Entre os nomes de professores parceiros ao longo dos anos estão Silvia Regina Alves (UFRRJ), Mario Chagas (UNIRIO), Regina Abreu (UNIRIO), Carina Martins (UERJ) e outros professores igualmente importantes para a realização desse trabalho. 

O jovens participam de formações práticas e teóricas nos diversos espaços do Museu, como por exemplo, no arquivo Dona Orosina Vieira (ADOV), local que possui acervo de documentos e fotos sobre a história e memória da ocupação do Território da Maré;  na biblioteca infantojuvenil Elias José, que conta com acervo literário para emprestimo à comunidade; na exposição de longa duração Tempos da Maré, que recebe visitantes locais, nacionais e internacionais ; na galeria de exposições temporárias, que é um espaço voltado para eventos, cine debates , exposições de arte contemporânea entre outras ações. Além disso, eles também realizam atividades com o grupo de contadores “Maré de História”, do Museu da Maré, que fazem a contação dos “causos” contidos no livro Contos e Lendas da Maré. 

As atividades são voltadas aos temas que fundamentam as políticas pedagógicas e as ações desenvolvidas pelo Museu da Maré, atreladas a perceptiva da museologia social; como a história e memória da Maré, valorização da identidade local, temas socioambientais, antirracismo e formações voltadas para arte e cultura como: oficinas de dança, rodas de leitura, sarau e contações de história. Essas atividades formativas práticas e teóricas permitem que os jovens ampliem seu olhar sobre a realidade de maneira crítica e fomente a curiosidade para leitura e pesquisa sobre os temas relacionados à favela da Maré. Matheus Frazão, ex-bolsista da Faperj da Turma de 2012, cria da Maré, e atualmente educador e contador de história no Museu da Maré relata:

“O programa Jovens Talentos foi minha primeira relação com a iniciação científica, pude pela primeira vez ter uma dimensão da importância da pesquisa, ter uma perspectiva mais expandida, meu tema foi escolhido para além do interesse pela temática, mas, também foi elegido pelo afeto, eu escrevi sobre o Teatro do Oprimido, em especial, do grupo Maremoto, o coletivo na época acontecia no Museu da Maré, compreendi ao longo do processo que para um aprofundamento da pesquisa, seria importante a visita ao grupo, assim então fiz uma pesquisa de campo e consequentemente entrevistas com alunos do projeto. A pesquisa foi tão importante que me encaminhou para a escolha do meu curso na graduação, que inicialmente foi História da Arte na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) posteriormente, prestei concurso novamente para licenciatura em Artes Cênicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).”

É preciso levar em consideração que o aprendizado através da pesquisa se inicia por meio dos questionamentos, pois são das perguntas que nascem as pesquisas, não das respostas, assim é preciso estimular que o jovem desenvolva problemáticas a respeito do que se deseja conhecer (DEMO,2000). Mas para que perguntas surjam é preciso explorar, experimentar e ter repertórios que gerem dúvidas e ideias. 

O trabalho desenvolvido pela equipe educativa do Museu da Maré, por tanto, tem como perspectiva o fortalecimento do jovem a partir do conhecimento e de atividades que contribuam para melhorar sua autoestima, permitindo a eles que se colocarem como sujeitos ativos, diante dos próprios interesses, possibilidades e habilidades. O jovem morador da favela não precisa ser salvo, e sim ouvido, pois é necessário criar momentos que oportunizam aos iniciantes à pesquisa a buscar diferentes conhecimentos e aprendizagens. 

Além do incentivo a aprender e vivenciar experiências novas, é preciso reconhecer sua própria vivência como um saber, para lançar um olhar para o cotidiano com estranhamento científico. Assim, netos de pescadores compreendem a importância das comunidades ribeirinhas, da preservação das águas e da pesca não predatória como um saber fazer importante, bem como filhos e netos de migrantes de estados nordestinos reconhecem a relevância cultural e de resistência, dessa população, na construção do território da Maré. Como um dos educadores que também atende os bolsistas Faperj no Museu da Maré Matheus comenta:

“A premissa que temos é que os jovens façam suas pesquisas com temáticas que esteja interligada à Maré, ao longo dos anos, já tivemos temas que dissertaram sobre a criação do Centro de Estudos da Maré ( CEASM – 1997), sobre o Museu da Maré (2006), racismo religioso, torcidas organizadas, moda e estética da favela, fauna e flora dos mangues da Maré , entre outros, além dos jovens colaborarem para o acervo de produção científica da Maré, eles exercem um trabalho político de poderem falar e defender o lugar onde vivem. É importante os sujeitos que vivem a Maré, poderem falar sobre ela, com um olhar crítico e analítico que uma pesquisa requer, entretanto, podendo discorrer a partir de uma narrativa que é mais intima de quem vive e conhece o território, após a conclusão da pesquisa, os escritos ficam disponíveis no Acervo Dona Orosina Vieira (ADOV).”

Esse trabalho não é desenvolvido sem desafios, ele é atravessado pela falta de acesso a inúmeros dispositivos sociais, materiais, psicológicos que a desigualdade social abriga. A pandemia e o ensino remoto, a aprovação automática, e a reforma do ensino médio também impactam negativamente no desenvolvimento educacional do bolsista, o que implica em um esforço por parte da equipe para oferecer ferramentas que permitam que os Jovens ampliem seu desenvolvimento. Podemos exemplificar essa ação por meio de formações voltadas não somente para pesquisa, memória e história da Maré, mas, também, oficinas de produção textual e de pacote office nível básico. 

Considerações Finais 

Os museus como espaços de produção de conhecimento, por meio da pesquisa e educação, e alinhados à uma política dialógica e critica, além de cumprir sua função social, permite também ampliar o reconhecimento de saberes não hegemônicos. Assim o trabalho desenvolvido pelo educativo, junto aos parceiros, busca por meio do estímulo à pesquisa, de jovens moradores locais alinhar-se a própria natureza do Museu da Maré de se assumir como sujeito e não como objeto. 

Referências:

DEMO, Pedro. Educar pela Pesquisa. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

MORAIS, ADRIELLY RIBAS. Práticas, fundamentos e conceitos da educação museal: um estudo sobre as práticas educativas nos museus da República, da Maré e do Amanhã. Tese apresentada ao Curso de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ: UFF, 2022.

Sobre a autoria

N6KRHEj.jpeg Adrielly Ribas possui graduação em História Licenciatura pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2011), mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2016) e doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2022). Trabalhou como educadora - Museu da Maré, pesquisadora - Museu da Maré (2012-2024). Atualmente é professora da Prefeitura Municipal de Maricá e faz parte do grupo de pesquisa GPEM, sobre educação Museal.

Como citar este artigo: 

RIBAS, Adrielly. Pesquisa e Educação no Museu: Iniciação Cientifica de Jovens do Ensino Médio no Museu da Maré. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

Editores/as Seção Notícias:

Frieda Maria Marti, Felipe CarvalhoEdméa SantosMarcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel