Museus, Educação e Pesquisa: e o mercado de trabalho?

2024-05-23

Autoria: Karlla Kamylla Passos

Este texto tem o objetivo de refletir sobre o mercado de trabalho das educadoras museais à luz do tema da 22ª Semana Nacional de Museus ‘Museus, Educação e Pesquisa’. Para isso, vou analisar algumas vagas que saíram recentemente (entre fevereiro e abril) para atuação no campo. O tema de 2024 é de extrema importância para a área dos museus, de forma geral. E para desenvolvermos cada vez melhor a educação e pesquisa nesses espaços, é preciso termos profissionais com boa remuneração e condições de trabalho para práticas relevantes junto aos públicos. É uma área que luta por seu reconhecimento e apresenta uma diversidade de jornadas de trabalho, áreas de formação, salários e condições de trabalho muito diversas (Passos dos Santos, 2023; IBRAM, 2023).

Optei por não mencionar o nome das instituições museológicas1 que abriram as vagas para não expor e ter risco de retaliação direta. Cabe destacar que há alguns meses teve uma vaga para coordenação de educação em mais de um museu em cidades diferentes e isso gerou discussão no grupo da Rede de Educadores em Museus do Brasil (REM-BR). No entanto, o que pareceu para muitas pessoas uma responsabilidade grande e com a geografia sendo obstáculo, outras acharam tranquila a circulação entre uma cidade para outra em uma vaga que não tinha nem o salário divulgado, o que acontece com frequência. Para quem já atuou com educativo sabe as demandas altas que um cargo de coordenação envolve, sobretudo em cidades diferentes. Situação parecida acontece em alguns museus do Instituto Brasileiro de Museus, por exemplo nos três de Goiás que a educadora é a mesma, tendo que se multiplicar entre instituições de perfis, tipologias e cidades diferentes. 

A primeira vaga que vamos analisar é para Educador(a)2, pede graduação completa e experiência. Além disso, os diferenciais são outro idioma (contemplando Libras, mas nem sempre a prioridade); habilidades artísticas (teatro, dança, música, artes visuais entre outros); Conhecimento intermediário nas ferramentas Google App´s (Gmail, Drive, Agenda, Forms, Sheets, Docs) e pacote office; e ainda boa comunicação, proatividade e bom relacionamento interpessoal. Características importantes na relação com o público e com a equipe. O trabalho envolve os finais de semana e é 100% presencial, com contrato pessoa jurídica/MEI3. Com todas essas exigências o salário é R$ 2.500,00 valor que a pessoa tem que arcar com alimentação, saúde, transporte e outros que a vaga não cobre, por não ser CLT4

A outra vaga, para pessoa Educadore, as principais atividades são 15, dentre elas: cuidar para que os mecanismos do Museu, bem como as obras expostas sejam resguardadas não sendo danificadas; garantir a segurança do espaço e de todos os visitantes orientando sobre os dispositivos interativos e não interativos. Essas duas atribuições mostram que não há um entendimento sobre o papel de uma pessoa educadora, os museus ainda confundem com o papel de orientadora de público, guia e outras nomenclaturas. Tal reflexão já foi apontada em algumas pesquisas (Passos dos Santos, 2023). Essa vaga parece ser CLT, mas não tem essa informação de forma clara. Apenas que a vaga tem benefícios como: Vale-alimentação; Vale-transporte; Assistência médica que muitas vezes são apresentados pelas contratantes como benefícios bônus, mas que na verdade não passam do direito garantido as contratações CLT. Essa vaga não divulga o salário. 

Mais um exemplo é para Assistente do Educativo que é CLT com salário de R$ 2.917,04 em um perfil parecido com a primeira, que envolve trabalhar nos finais de semana e durante a semana até as 22 horas, em carga horária de 40 horas, geralmente a média (Passos dos Santos, 2023). Essa tem benefícios que saem um pouco daquele básico como: Day Off de Aniversário; Café da manhã e tarde (além do Vale Alimentação ou Refeição); Convênio com o Sesc. Essa vaga de assistente tem previstas 16 responsabilidades entre as principais, como: Auxiliar novos colegas da equipe e fazer a fruição da troca de saberes entre os estagiários. O que envolve atribuição para além de ser assistente, envolve gestão de equipe. E ainda: Zelar pelo patrimônio e acervo do Museu, que como já dissemos, não se trata da função da pessoa assistente de educativo. 

A quarta vaga para Educador é para trabalhar em um museu indígena, é a primeira vaga que tem Sistema de Pontuação Diferenciada para Pretos, Pardos e Indígenas (PPI)5. Entre os requisitos desejáveis tem Fluência em inglês E espanhol. Como dito anteriormente, Libras não está entre as prioridades. E cabe mencionar as dificuldades do ensino público brasileiro, especialmente no que diz respeito a acesso e aprendizado eficiente de uma segunda língua. A descrição das atividades é mais condizente com a função:

Realizar mediação dos conteúdos museológicos com o público em geral, através de ações internas, que permeiam todos os momentos de interação, desde o acolhimento, orientação expográfica, elaboração e desenvolvimento de projetos e oficinas, até ações externas com instituições afins, contribuindo assim para uma educação formal e não formal possibilitando inclusão social e interação com a comunidade. (Descrição das atividades do cargo).

A remuneração é de R$ 3.414,17 em uma vaga CLT, com os benefícios previstos para esse tipo de contratação. Essa vaga tem o detalhamento de como será o processo seletivo, incluindo critérios de desempate. Ainda tem anexo arquivo modelo para autodeclaração e pedido de reconsideração, além de indicarem o plano museológico da instituição como guia de estudo. Os salários não têm um parâmetro comum, uma vaga para Educador(a) em outro espaço, CLT, tem remuneração de R$ 2.680,00 com a mesma exigência de superior completo e com os benefícios básicos de CLT.

Uma vaga bem parecida, mas sem salário divulgado é para Educador(a) Júnior. A diferença é jornada apenas de segunda a sexta, com feriados e 2º e 4º sábados do mês. Pede habilidades em linguagens artísticas: visuais, música, teatro, dança; além de experiência com educação e/ou mediação em museus e exposições. Informam que esperam interesse no autodesenvolvimento e aprendizagem contínua, o que é fundamental, principalmente se o museu ofertar capacitações para uma melhor atuação do/a profissional, o que não acontece com frequência na área (Passos dos Santos, 2023).

A última vaga é para Educador Jr apresenta um ponto que tem relação direta com o tema da Semana de Museus desse ano, pois informam que buscam um profissional que atuará desenvolvendo e apoiando pesquisas para elaboração e aplicação de atividades educativas, exposições e ações de divulgação científica. No entanto, a rotina de trabalho que geralmente envolvem um grande volume de grupos agendados dificulta o tempo de qualidade para pesquisas que possivelmente poderiam melhorar a atuação do/a profissional. Essa vaga não informa se é CLT, mas o perfil indica que sim, é para atuação de segunda a sexta. 

Esse curto texto teve o objetivo de refletir sobre o mercado de trabalho das educadoras museais a luz do tema da 22ª Semana Nacional de Museus ‘Museus, Educação e Pesquisa’. Para isso, trouxe alguns anúncios de vagas para atuar como educador/a em instituições museológicas. Percebemos, no geral, uma ausência na preocupação com a acessibilidade, seja na busca por profissionais que saibam Libras, como por profissionais que apresentem experiencia com o tema. Todas essas vagas trazidas são para atuar em capitais do Sudeste em que o custo de vida é elevado, portanto o salário muitas vezes não corresponde ao que a pessoa precisa para gastos básicos. Sobretudo quando a vaga é MEI que a/o profissional tem que arcar com custos de alimentação, transporte e saúde a partir dessa remuneração. E nas vagas CLT os salários tendem a ser menores por ser uma forma de contratação que garante direitos básicos aos profissionais, muitas vezes chamados pelas empresas de benefícios. E isso gera descontos em seus salários, ganhando assim valores menores que os anunciados. 

Essa foi uma reflexão inicial e fundamental para esse campo que está lutando por uma consolidação e reconhecimento da atuação enquanto educadora. Espero que tenhamos mais discussões críticas em relação a essas vagas, suas exigências e remunerações. 

Notas:

1 - O detalhamento das vagas está em sites como: <https://clickmuseus.com.br/category/vagas/>. Acesso em 23 abr. 2024.

2 - Preservei os nomes das vagas como foram divulgadas, vão ver que muda nas próximas, mas tem salários e exigências de escolaridade parecidas. Não trouxe vagas que tem esse nome, mas são para quem está cursando a graduação, por exemplo.

3 - Microempreendedor individual. Essa forma de contratação não está de acordo com a legislação trabalhista, sendo que a pessoa será contratada com carga horária e dias de trabalho fixos, mas não será registrada como tal, mas sim como microempreendedora. As/os profissionais que são submetidos a esse regime podem entrar na justiça. Visto que MEI presta um serviço, não é contratado com direitos trabalhistas.

4 - Consolidação das Leis do Trabalho é uma lei do Brasil referente ao direito do trabalho e ao direito processual do trabalho.

5 - De acordo com a vaga: A veracidade da autodeclaração étnico-racial dos candidatos Pretos e Pardos será objeto de verificação por parte da Comissão de Heteroidentificação que realizará a aferição presencialmente no momento da contratação.

Referências:

IBRAM. Pesquisa nacional de práticas educativas dos museus brasileiros: um panorama a partir da política nacional de educação museal: relatório. Joinville, SC: Casa Aberta Editora e Livraria: Instituto Brasileiro de Museus, 2023.

PASSOS DOS SANTOS, Karlla Kamylla. Educação Museal e Feminismos no Brasil: Silenciamentos, Estranhamentos e Diálogos a Partir de um Olhar Interseccional e Decolonial. Tese. Universidade Lusófona. Lisboa, 2023.

Sobre a autoria:

6iMwfVs.jpeg Karlla Kamylla Passos é Doutora em Museologia pela Universidade Lusófona (ULusófona) com a tese ‘Educação Museal e Feminismos no Brasil: silenciamentos, estranhamentos e diálogos a partir de um olhar interseccional e decolonial', mestra em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde pela Fiocruz. Graduada em Museologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Museóloga 1252-I. Bolsista do CNPq no projeto 'Acessibilidade e Inclusão nos Museus do Instituto Butantan: tecnologia assistiva e formação de equipes'.

Como citar este artigo: 

PASSOS, Karla Kamylla. Museus, Educação e Pesquisa: e o mercado de trabalho?. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

Editores/as Seção Notícias:

Frieda Maria Marti, Felipe CarvalhoEdméa SantosMarcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel