Formação em Educação Museal: a experiência de adolescentes na Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional
Autoria: Andréa Costa
Introdução
Desde 1999, estudantes de Ensino Médio (EM) do Colégio Pedro II (CPII) realizam pesquisas e implementam projetos de Educação Museal na Seção de Assistência ao Ensino (SAE), setor educativo do Museu Nacional (UFRJ). Essa presença se torna possível por meio do Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC Jr), convênio entre as citadas instituições e que promove a inserção dos estudantes em diferentes setores e departamentos do Museu. Fora do país ocorrem programas que promovem a atuação de adolescentes, enquanto mediadores em museus, como o Explainers (KLAGES, LIBRERO, BELL, 1995), do Exploratorium, museu situado em São Francisco, na Califórnia, Estados Unidos, e o CosmoExplainers (SMANDIA, 2020), no CosmoCaixa, museu de Barcelona, Espanha.
A Educação Museal é um campo teórico-político-prático que se constitui enquanto “uma peça no complexo funcionamento da educação geral dos indivíduos na sociedade”. Suas ações “fundamentalmente baseadas no diálogo”, buscam contribuir “para que os sujeitos, em relação, produzam novos conhecimentos e práticas mediatizados pelos objetos, saberes e fazeres”, com vistas à promoção de “uma formação crítica e integral dos indivíduos, sua emancipação e atuação consciente na sociedade com o fim de transformá-la” (COSTA et al., 2018, p.73-74).
Consolidar práticas estruturadas de formação em Educação Museal é, para o campo, um de seus maiores desafios e é elemento chave de seu fortalecimento teórico e profissional. Estudos que abordam a formação de educadores museais usualmente tem como foco graduandos de diferentes cursos ou graduados.
A pesquisa PEM Brasil (2023) registrou, no Brasil, a atuação de educadores museais a partir dos 17 anos. O mesmo estudo revelou que 1% das pessoas educadoras museais no país possuem até o Ensino Médio (EM). Existe pouca informação acerca de experiências brasileiras que envolvem a inserção de estudantes de EM nesse campo profissional. O presente texto visa a contribuir para o debate acerca da formação em Educação Museal, refletindo sobre os limites e potencialidades de uma experiência com jovens escolares.
O que dizem os egressos do PIC-JR/SAE?
No ano de 2018, um questionário online desenvolvido pelo aplicativo Google Forms foi enviado aos egressos do PIC Jr que desenvolveram suas atividades na SAE no período de 2011 a 2016. Em 2020, o mesmo instrumento foi enviado para os que ingressaram no Programa entre 2017 e 2019. O instrumento de pesquisa, pautado em abordagem qualiquantitativa, visou caracterizar a amostra e identificar o alcance dos objetivos do Programa, suas possíveis contribuições para a formação dos participantes e lembranças da experiência dos respondentes.
Participaram 64 respondentes, ingressantes em todos os anos de 2011 a 2019. A identificação era opcional, mas 60 escolheram registrar seus nomes. Os participantes são em sua maioria mulheres (43 em 60), o que está em consonância com o perfil dos profissionais da Educação Museal brasileira, que é majoritariamente realizada por mulheres cisgênero (64,9%) (PEM BRASIL, 2023). Dos 64 participantes do presente estudo, 40 foram Bolsistas Jovens Talentos da FAPERJ e, os demais, voluntários. Do total, 46 estavam na graduação e sete já haviam concluído o Ensino Superior (ES), enquanto seis concluíram o EM e não ingressaram no ES e outros cinco ainda cursavam o EM. Entre aqueles com inserção no ES, os cursos mais citados foram Direito (n=8 em 53), História e Letras (n=5 em 53 cada um), tendo sido citadas 14 graduações diferentes (História da Arte, Engenharias, Letras, Pedagogia, Ciências Sociais, Comunicação Social, Medicina, Ciências Econômicas, Meteorologia, Design de Interiores, Música, Serviço Social, Defesa e Gestão Estratégica Internacional e Relações Internacionais).
Com vistas a verificar em que medida, no entendimento dos egressos, os objetivos do PIC Jr foram alcançados, transformamos os mesmos em afirmativas com as quais os respondentes podiam, em uma escala de um a cinco, discordar ou concordar totalmente. Oportunizar novas experiências no processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para a formação acadêmica foi o objetivo do Programa que obteve o maior índice de concordância total com o seu alcance (n=58 em 64). Essa ideia está presente no relato a seguir:
A SAE contribuiu demais para a minha formação acadêmica e cidadã. Abriu meu olhar para dentro e fora do espaço museal. Abriu meus ouvidos para as pessoas, ao que elas têm pra contar, e ao que eu tenho para aprender com elas (Homem, ingressante em 2013, estudante de História da Arte).
Na sequência, com a total concordância de 54 dos 64 respondentes, está o despertar do interesse pelo desenvolvimento de atividades educativas e culturais (n=54 em 64). Expressão dessa ideia está presente no relato a seguir:
O meu estágio na SAE foi primordial para que eu descobrisse alguns talentos e desenvolvesse um grande interesse em práticas educacionais (Mulher, ingressante em 2015, estudante de Letras).
O terceiro objetivo mais bem avaliado foi permitir a vivência teórico-prática com a vida profissional, tendo a total concordância de 53 dos 64 respondentes. A experiência com o mundo do trabalho se verifica por meio do seguinte relato:
(...) foi fundamental para que eu criasse habilidades de diálogo com o público, trabalho em equipe, elaboração de eventos. Além de disponibilizar leituras e vivências muito importantes para o desenvolvimento do meu pensamento crítico em relação à Ciência, à Cultura e à própria instituição museu de ciência! (Mulher, ingressante em 2016, estudante de Jornalismo).
Verificamos que 41 dos 64 respondentes consideraram que o objetivo possibilitar a vivência de práticas de pesquisa científica no campo da educação museal foi totalmente alcançado. O contato com a prática científica em Educação Museal aparece no relato a seguir:
A SAE me ensinou a ser uma pesquisadora, a analisar dados, organizá-los e apresentar em congressos (Mulher, ingressante em 2012, estudante de Direito).
Já o objetivo de colaborar para uma escolha mais consciente da carreira foi aquele que obteve menor índice de concordância, ainda que mais da metade dos respondentes tenha entendido que ele foi completamente alcançado (n=40 em 64). A influência sobre a escolha profissional está presente no seguinte relato:
A experiência na SAE solidificou a minha escolha por trabalhar na área da educação. Acredito que esse estágio me direcionou para ser uma profissional que se propõe a construir ambientes em que seja possível trocar saberes, como fazia nas mediações. Entendo, também, que o período na SAE me trouxe não apenas segurança para falar em público mas também sensibilidade e atenção para perceber como está sendo essa experiência para os participantes. Isso forjou em mim uma característica que hoje penso ser fundamental para o meu trabalho como educadora; a dedicação e atenção para tornar os ambientes de aprendizagem dos quais eu faço parte mais acolhedores, horizontais e interessantes - como a SAE sempre buscou fazer em todos os projetos, eventos e mediações em que tive a felicidade de participar (Mulher, ingressante em 2011, estudante de Letras).
Entre os respondentes verificou-se que seis (6 em 64) estavam atuando ou haviam atuado no campo da Educação Museal. Em 2023 localizamos egressos do PIC JR/SAE atuando como: Gerente de Educação e Participação no Museu de Arte Moderna do Rio (MAM Rio), Educadora Museal no Museu do Amanhã, Educadora Museal na SAE, Educador e curador da exposição no Museu Light da Energia, Assistente de Produção no Departamento de Difusão Cultural da Superintendência de Museus da Secretaria de Cultura do Estado do Rio, estagiária da Coordenação de Educação do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e bolsistas de extensão na SAE. O interesse pela atuação profissional no campo da Educação Museal está expresso no relato a seguir:
Meu estágio na SAE foi excelente para minha formação acadêmica e currículo, me propiciando um estágio logo no primeiro período da graduação. Foi minha primeira experiência profissional e foi incrível. Na SAE, aprendi a me comunicar melhor, por conta da realização das visitas e entendi que uma relação horizontal com o público é muito mais benéfica para os dois lados. O projeto de pesquisa e a parte teórica me revelaram novas perspectivas sobre educação e transformaram minha visão em relação a conceitos enraizados como verticalidade e autoridade, substituindo-os na prática pela troca, diálogo e diversão. A SAE contribuiu também para minhas escolhas de carreira profissional. Ali descobri que gostaria de trabalhar com educação e, se possível, educação museal. Mas diria que a maior contribuição na minha formação foi no que diz respeito a valores, missão e ética profissional, pois pude ver o quanto é fundamental que o trabalho na educação seja voltado para a construção de espaços mais inclusivos, acessíveis, democráticos e populares (Mulher, ingressante em 2014, estudante de História).
Em relação às principais contribuições do PIC Jr para a sua formação, as palavras mais citadas nas respostas foram educação (15), público (11) e pesquisa (10). Já em relação às lembranças, mediação/mediações e museu (7 cada uma); amigos e crianças (5 cada uma) foram as mais citadas. A seguir um relato produzido como resposta à questão "Quais são as principais lembranças que você tem do período de estágio na SAE?":
Quando lembro da SAE, é com enorme alegria! Haja lembranças haha As alegrias das descobertas dos espaços do MN, suas histórias curiosas, os estudos feitos, das participações em eventos com a sempre elaboração de divertidas e novas atividades educativas, dos aprendizados com seus funcionários, colegas, públicos, aprendi e ri com todos. São tantas as saudades que sinto de experiências tão incríveis e importantes, que contribuíram certamente na construção de ser indivíduo que sou, e pensante acerca das possibilidades e estratégias para o aprimoramento e cumprimento eficaz do papel dos Museus, bem como os outros equipamentos culturais, para em benefício da sociedade. Hoje pensando a Educação na sua relação Museu - Escola, Museu- Indivíduo, Museu - Sociedade. Acho que um dos momentos que me gera a mais boa lembrança é a de estar esperando os portões do MN abrirem para receber uma nova escola, uma nova turma, com crianças tão entusiasmadas em embarcarem numa grande viagem. (Homem, ingressante em 2013, estudante de História da Arte).
Figura 1: À esquerda, estagiária do PIC Jr em visita educativa com grupo escolar no Museu Nacional, 2018 (Crédito: Museu do Amanhã). À direita, a educadora Andréa Costa (sentada) com estagiários e estagiárias do PIC Jr, em 2012.
Fonte: Acervo pessoal da autora
A formação promovida pelo Programa, orientada por servidoras da SAE que são profissionais do campo da Educação Museal, vem se revelando melhor sucedida na diversificação de experiências de ensino-aprendizagem, no fortalecimento da formação acadêmica e no contato com o mundo do trabalho, do que na vivência da prática científica em Educação Museal e no despertar de vocações para o campo. Acreditamos que o resultado relativo à vivência da prática científica pode ser influenciado pela vinculação ou não do egresso ao Programa Jovens Talentos (FAPERJ), pois aqueles que são bolsistas do mesmo acabam tendo uma carga horária maior voltada à pesquisa, além da obrigatoriedade de produção de relatório e participação na Jornada Jovens Talentos. Já em relação à escolha da carreira, pensamos que o resultado obtido pode ser reflexo tanto da ausência de uma formação específica em nível de graduação ou pós-graduação no campo, como também da inexistência de uma ocupação ou profissão formalmente registradas em Educação Museal.
Considerações Finais
Durante muito tempo, o sucesso da experiência da SAE com o PIC JR foi aferido por meio da longevidade da iniciativa, número elevado de alunos que ano após ano continuam optando por se inserirem no setor educativo do Museu Nacional e pelo atendimento das expectativas das coordenadoras.
Nosso estudo hoje nos permite afirmar o sucesso da iniciativa pela perspectiva dos egressos. Os dados produzidos apontam que os objetivos delineados vêm sendo alcançados de maneira consistente e os relatos dos respondentes atestam os benefícios da iniciativa aqui analisada enquanto prática educativa no campo da Educação Museal, dada a sua capacidade de promover uma formação crítica junto aos estudantes que dela participam e de os engajar em uma atuação social voltada à transformação da realidade.
Pesquisa internacional revelou que públicos de todas as idades se interessam e percebem que aprendem mais quando interagem com os educadores de 14 a 18 anos (MULVEY et al., 2020). Assim, existe literatura que indica benefícios decorrentes da atuação de jovens educadores para os públicos, o que aponta mais uma frente de pesquisa que merece ser aberta a partir da prática aqui analisada.
Agradecimentos
A todos estagiários e todas estagiárias da Seção de Assistência ao Ensino que participaram dessa pesquisa e a todas aquelas pessoas ligadas ao PIC Jr na SAE, que deram e ainda hoje dão sua valiosa contribuição ao trabalho realizado. Ao Colégio Pedro II e ao seu professor Paulo Rogério Silly, por ter sido um dos idealizadores e certamente o maior entusiasta do Programa, e à Guilhermina Guabiraba, ex-chefe da SAE, pelos muitos anos de Coordenação do Programa no Museu Nacional.
Referências:
COSTA, A. F.; CASTRO, F.; SOARES, O.; CHIOVATTO, M. Educação museal. In: Instituto Brasileiro de Museus. Caderno da Política Nacional de Educação Museal. Brasília, DF: IBRAM, 2018.
KLAGES, E. LIBRERO, D. BELL, J. When the right answer is a question. Students as explainers at the Exploratorium. São Francisco, CA: The Exploratorium, 1995.
MULVEY, KL, et al. Interest and learning in informal science learning sites: Differences in experiences with different types of educators. PLoS ONE , v. 15, n. 7, p. 1-15, 2020.
PEM BRASIL. Pesquisa nacional de práticas educativas dos museus brasileiros: um panorama a partir da política nacional de educação museal: relatório final. Joinville, SC : Casa Aberta Editora e Livraria : Instituto Brasileiro de Museus, 2023.
SMANDIA, C. ‘CosmoExplainers. Explicando la ciencia en CosmoCaixa, el Museo de la Ciencia de la Fundación “la Caixa”, Barcelona (España)’. JCOM – América Latina, v. 3, n. 02, p. 1-14, 2020.
Sobre a autoria:
Andréa Costa é Graduada em História (UERJ-FFP), Mestra e Doutora em Educação (PPGEdu-UNIRIO). Atua como educadora museal na Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional - UFRJ e é docente dos Cursos de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. É co-gestora do Comitê de Educação e Ação Cultural do Brasil - CECA BR/ICOM e Presidenta da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências - ABCMC.
Como citar este artigo:
COSTA, Andréa. Formação em Educação Museal: a experiência de adolescentes na Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.
Editores/as Seção Notícias:
Frieda Maria Marti, Felipe Carvalho, Edméa Santos, Marcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel