Descobertas Corporais: Educação e Pesquisa através de Jogos em Museu Universitário
Autoria: Charlline Vládia Silva de Melo; Gilberto Santos Cerqueira
O museus são espaços multifacetados que vão além de simples exposições culturais, tornando-se pontos de encontro entre conhecimento científico e a comunidade, desempenhando um papel vital na formação tanto social quanto científica. A definição contemporânea de museu, delineada pela Comissão Internacional de Museus (ICOM, 2022), destaca sua natureza perene, acessível, inclusiva, sem fins lucrativos e comprometida com a comunidade, esta definição enfatiza o compromisso ético e profissional dos museus como agentes de comunicação, promovendo experiências diversas que estimulam a educação, a reflexão e o compartilhamento de conhecimentos.
No contexto dos museus de ciências, é essencial ressaltar suas especificidades pedagógicas, que vão além da mera transmissão de conhecimento. Há um foco crucial na divulgação e comunicação de conceitos científicos, apoiados na prática da transposição didática e na necessidade de adaptar esses conhecimentos para fins educacionais. Isso envolve a inter-relação entre a exposição, os mediadores e os objetos como partes integrantes do diálogo entre eles, com essa abordagem, o processo de aprofundamento torna-se fundamental na prática da popularização do conhecimento socioeducativo, científico e socioemocional que a vivência nesses espaços pode favorecer.
Os museus universitários (MU), especialmente os de ciências, são ambientes que abrigam coleções e experiências fundamentadas na prática laboratorial e na preservação de materiais que dão vida aos ambientes acadêmicos. Muitas vezes, esses objetos são parte das coleções de pesquisadores, que os reúnem e preservam para serem utilizados em suas aulas teóricas e práticas. No entanto, devido à falta de recursos internos e equipe técnica, esses materiais enfrentam desafios como deterioração ao longo do tempo, falta de catalogação e cuidados de conservação.
A integração dos MU e seu papel na construção do conhecimento ainda é limitada diante das demandas institucionais, principalmente atendendo à comunidade acadêmica. No entanto, com a expansão da prática da extensão, há uma crescente necessidade de abrir esses espaços para a comunidade em geral, não apenas para o público universitário. Isso visa uma maior interação e engajamento com a comunidade, ultrapassando as fronteiras físicas da universidade.
No entanto, ao focalizar o ensino de Anatomia humana (AH), este ainda permanece predominantemente dentro dos limites dos ambientes universitários, direcionado a estudantes da área da saúde e campos relacionados. Contudo, com o objetivo de estabelecer uma conexão entre o museu, a universidade e as escolas, foi desenvolvida no Museu de Anatomia da Universidade Federal do Ceará (UFC), ligado à Faculdade de Medicina e sob a supervisão do Departamento de Morfologia (FAMED/UFC) uma exposição interdisciplinar para o ensino de ciências com públicos da educação básica e superior. Uma dessas atividades propostas na exposição foi criação da estação de jogos interdisciplinares, com o propósito de adotar uma abordagem metodológica ativa, divertida, lúdica e atrativa como parte integrante da pesquisa de doutoramento em 2023, com intuito de estimular interesse dos alunos e facilitar o aprendizado de conceitos complexos explorados na anatomia.
A pesquisa no Museu de Anatomia também destacou a escassez de estudos específicos sobre a integração desses museus com propostas pedagógicas inovadoras destaca a necessidade de mais pesquisas nessa área, ampliando o papel desses museus na educação e na divulgação científica (Melo et al., 2023). Imagine entrar em um museu de anatomia e não apenas observar modelos anatômicos estáticos, mas também interagir com eles de forma divertida e educativa. Essa foi a proposta da experiência "Anatomizando: uma viagem pelo corpo humano", uma abordagem inovadora que utilizou os jogos lúdicos para explorar o corpo humano de maneira envolvente, no museu de anatomia da UFC, fomentando união entre museu, educação e pesquisa na junção museu, universidade e escola de forma inclusiva e acessível.
Nesse contexto, a sala de ciências morfofuncionais do departamento de morfologia da FAMED/UFC foi transformada em cenário interativo, onde os visitantes poderão aprender sobre os sistemas do corpo enquanto se divertem. Na estação de jogos interdisciplinares (Figura 1), o público teve a oportunidade de experimentar jogos de tabuleiro, jogos de encaixe, quebra-cabeças, jogos de lógica, jogos 3D e outros recursos que exploram diversas partes do corpo humano e seus sistemas. Essa abordagem não apenas torna o aprendizado mais acessível e atrativo, mas também promove uma interação significativa entre os alunos, o conhecimento científico e a prática educacional no espaço museal.
Figura 1 – Estação de jogos interdisciplinares exposição “Anatomizando “Museu de Anatomia UFC
Fonte: autor(es) (2023)
Os museus universitários (MU), especialmente aqueles que abordam a AH, desempenham um papel fundamental como elo entre a ciência e a sociedade, rompendo com o isolamento acadêmico. Conforme destacado por Fonseca (2018), ao expor não apenas o conhecimento consolidado, mas também o processo de sua aquisição, e ao destacar a diversidade de perspectivas e as possíveis contradições de maneira colaborativa e interativa, esses museus se tornam agentes relevantes na formação da opinião pública sobre a ciência. Além disso, é essencial que esses espaços promovam a integração e o reconhecimento de diferentes perspectivas científicas, considerando suas implicações éticas e sociais, para fomentar o aceite e a valorização da diversidade de visões.
A comunicação nos MU passa por transformações consideráveis do sistema linguístico dos seus acervos e coleções, alinhando-se à ampliação e ao envolvimento do público. Isso tem conduzido essas instituições a uma nova modelagem que depende de esferas políticas que proporcionem estruturas aos sistemas que modelam as práticas do tripé ensino, pesquisa e extensão dentro dos espaços universitários que têm em sua prática a educação museal.
Cabe ressaltar que a missão e o compromisso social de um MU se distinguem das atividades acadêmicas convencionais das instituições universitárias de várias maneiras. A pesquisa desempenha um papel fundamental nas atividades centrais desses museus, fornecendo suporte para todas as funções desempenhadas por essas instituições. Para avançar na pesquisa, é crucial contar com recursos, que podem ser provenientes de fontes internas, mas, de maneira especial, de agências de financiamento. No contexto brasileiro, a pesquisa em MU está intrinsecamente ligada ao ensino em diferentes níveis, com ênfase na formação de recursos humanos, um elemento-chave na avaliação e na condução das atividades de pesquisa.
Não se limitando às ações propostas para manter suas atividades ativas e contínuas baseadas em propostas sólidas e direcionadas à salvaguarda, ensino, aprendizagem e memória, os MU estão buscando ferramentas que lhes permitam criar exposições e programas que transcendam fronteiras disciplinares, contribuindo para uma compreensão mais ampla e holística do conhecimento.
A abordagem lúdica do modelo aplicado no museu de anatomia da UFC não se limitou apenas aos jogos físicos, mas também explorou aplicativos interativos que permitem aos visitantes explorar o corpo humano em seus dispositivos móveis, com simulações realistas, acessíveis e inclusivas, além de informações detalhadas sobre órgãos e sistemas por meio de realidade aumentada. Além disso, o "Anatomizando" promoveu a inclusão e a diversidade ao apresentar modelos anatômicos que representam diferentes etnias e corpos, contribuindo para uma educação mais inclusiva e respeitosa da diversidade humana.
Com essa abordagem inovadora, o MU se torna um espaço dinâmico e estimulante, onde o conhecimento sobre o corpo humano é adquirido de forma prazerosa e memorável. Afinal, aprender sobre anatomia pode ser muito mais do que simplesmente decorar nomes e estruturas; pode ser uma experiência empolgante e transformadora.
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Sobre a autoria:
Charlline Vládia Silva de Melo é pós-doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (PPGE-UFC), Dra. em Ensino pela Rede Nordeste de Ensino (RENOEN-UFC), Bióloga e Pedagoga.
Gilberto Santos Cerqueira é professor Dr. do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (PPGE-UFC), professor Dr. do Departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FAMED-UFC).
Como citar este artigo:
MELO, Charlline Vládia Silva de Melo; CERQUEIRA, Gilberto Santos. Descobertas Corporais: Educação e Pesquisa através de Jogos em Museu Universitário. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.
Editores/as Seção Notícias:
Frieda Maria Marti, Felipe Carvalho, Edméa Santos, Marcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel