“DO CÉU AO CÉSIO: DE ONDE VEM O HORÁRIO DE BRASÍLIA?”: Popularização da Ciência e Tecnologia a partir de Instrumentos Científicos

Autoria: Julliana Vilaça Fonseca; Mariana Ferreira Gomes; Cristiane de Oliveira Costa; Douglas Falcão Silva

O estabelecimento de conexões entre público e Instrumentos Científicos Históricos que compõem uma reserva técnica é uma tarefa complexa, devido aos aspectos históricos e socioculturais que moldam a sociedade. A criação de um ambiente capaz de promover diálogos sobre história, ciência e sociedade através destes artefatos, exige o desenvolvimento de metodologias e atividades que não só conectem o público aos objetos mas também auxiliem na reflexão sobre os novos significados gerados através da interação com os mesmos.

O projeto “Popularização da Ciência e Tecnologia a partir de Instrumentos Científicos de Valor Histórico do Acervo do MAST”, realizado na Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), tem como uma de suas ações o desenvolvimento, execução e avaliação da visita mediada temática “Do céu ao césio: de onde vem o Horário de Brasília?”, que aborda os instrumentos científicos históricos e contemporâneos que atuaram e atuam na geração do tempo oficial brasileiro. 

O Serviço da Hora, responsável pela geração e disseminação da Hora Legal Brasileira, foi um dos motivadores para a criação do Observatório Nacional (ON), em 1827, e ainda hoje é realizado pela instituição. Trata-se de um serviço essencial para a sociedade, tendo em vista sua importância para a realização de diversos serviços básicos, como transações bancárias, por exemplo. No campus MAST/ON, encontram-se diversos instrumentos utilizados nesse serviço que possibilitam uma variedade de maneiras de abordar o assunto.

A atividade foi elaborada de maneira a ser adaptada de acordo com o público e seus interesses e necessidades. Utiliza-se questões motivadoras que, buscando o engajamento do público, procuram estabelecer relações entre a ciência, o cotidiano, a história e a cultura, na qual o caminho da visita é guiado pelos diálogos estabelecidos com os visitantes (Requeijo et al., 2009).

A atividade tem início com uma conversa introdutória com o público, visando problematizar o que é o tempo, a fim de estimular questionamentos a respeito da necessidade de um país gerar e disseminar seu próprio tempo e da importância da Hora Legal na nossa sociedade e suas aplicações. Em seguida, a fim de contextualizar o local que será visitado, acontece uma conversa sobre o Serviço da Hora do ON e sua relevância no contexto de criação da instituição, o tombamento dos instrumentos que serão vistos e a criação do MAST visando preservar esse patrimônio.

Após esse momento, inicia-se o percurso pelos espaços do MAST onde se encontram os instrumentos científicos. No prédio sede, utiliza-se dois espaços: a exposição “Olhar o Céu, medir a Terra”, onde está a Luneta Meridiana de Dollond, e a reserva técnica visitável, onde estão as pêndulas e o relógio de quartzo. Na exposição em questão, utiliza-se também a sala “Um meridiano para todos” para abordar as questões políticas e econômicas relacionadas à Hora Legal e ressaltar a necessidade de sua padronização a nível mundial com a Conferência Internacional do Meridiano.

Na parte externa do campus MAST/ON, visita-se a Luneta Meridiana Zenital, a Luneta Meridiana Acotovelada Askania, a Luneta Meridiana Acotovelada Bamberg, o Círculo Meridiano de Gautier e a Torre da Hora, esse último utilizado para a disseminação da hora principalmente para o porto da cidade do Rio de Janeiro.

Os espaços destinados ao Serviço da Hora também são contemplados pela atividade, são eles: o Pavilhão Dr. Luis Cruls e o prédio Carlos Lacombe. O primeiro é o pavilhão construído no contexto da transferência da sede do ON para o Morro de São Januário para abrigar as pêndulas e o escritório destinado a esse serviço. Já o segundo, é o local onde o serviço é realizado atualmente. Quando a atividade é realizada em dias de semana, é possível visitar o prédio Carlos Lacombe e conhecer como a Hora Legal Brasileira é gerada e disseminada hoje por meio de equipamentos como os relógios atômicos e o sistema de hora falada digital.

Diante da dificuldade em realizar a popularização da ciência e tecnologia a partir de instrumentos científicos históricos musealizados, tendo em vista o caráter específico desses objetos e o fato de eles não terem sido produzidos com finalidade educativa, o projeto faz uso da perspectiva da interatividade e dos modelos e modelagens, que permite aproximar os visitantes desses objetos e facilitar a compreensão acerca dos conteúdos abordados (Falcão, 2007).

A interatividade tem o objetivo de possibilitar a criação de uma diferença entre antes e depois da atividade e procura provocar estímulos de forma a promover, entre outras coisas, o conhecimento científico e a valorização e preservação do patrimônio (Wagensberg, 2001). Além disso, permite a criação de um ambiente onde o público possa criar significados a respeito dos objetos e explorá-los de maneira eficaz, de forma a compreender melhor o que está sendo abordado (Falcão, 2007).

Na perspectiva dos modelos e modelagens, a aprendizagem é entendida como o processo pelo qual os modelos mentais de cada indivíduo passam por revisão (Falcão, 2007). Assim sendo, utiliza-se modelos didáticos como uma ponte entre o conhecimento científico teórico e a realidade, possibilitando a comparação entre a realidade e esse modelo (Gilbert, 2004).

Na atividade em questão, são utilizados alguns recursos com essa finalidade, tais como um pêndulo para demonstrar o funcionamento das pêndulas, um globo terrestre para abordar o que são as linhas meridianas, um modelo didático tátil representando passagem meridiana de estrelas para exemplificar o funcionamento dos instrumentos meridianos e fotografias dos espaços e instrumentos em seu contexto de utilização.

A atividade foi avaliada, visando aprimorá-la e verificar e registrar de que forma os visitantes apreenderam o assunto abordado. Para isso, fez-se uso de dois métodos para a coleta de dados: a observação direta dos participantes, que permite identificar e obter evidências acerca de elementos que orientam o comportamento das pessoas de maneira inconsciente (Marconi; Lakatos, 2003), e a Lembrança Estimulada, no qual os participantes são entrevistados e expostos a registros da atividade, a fim de estimular a verbalização a respeito de seus sentimentos, pensamentos, reflexões, etc., possibilitando obter dados sobre a aprendizagem (Falcão; Gilbert, 2005). Os dados coletados foram analisados utilizando a análise de conteúdo temática (Bardin, 2002). De forma a preservar a identidade dos entrevistados, utilizamos pseudônimos para se referir a eles.

A análise permitiu identificar que o público participou ativamente da atividade, contribuindo com perguntas e comentários. Tal participação se deu tanto voluntariamente quanto a partir dos estímulos da mediação através das questões motivadoras. Foi possível observar também a interação do público entre si e com os instrumentos e espaços do Museu.

A atividade proporcionou os três tipos de interatividade mencionados por Wagensberg (2001), são elas: manual (Hands on), quando o visitante participa ativamente da exposição utilizando suas mãos, provocando a natureza com questionamentos e, a partir da resposta que obtém, dando início a uma nova ação; mental (Minds on), quando acontece uma mudança entre o antes e o depois da visita, fazendo com que o visitante tenha novos questionamentos, resoluções, soluções para problemas, etc.; e emocional (Hearts on), quando se utiliza de aspectos estéticos, éticos, morais, históricos ou cotidianos para sensibilizar o visitante. 

Na figura 1 é possível observar a interatividade manual proporcionada pelo manuseio de um dos recursos didáticos utilizados. Além disso, observa-se a interação de uma participante com um instrumento, ao se aproximar dele para observar seus detalhes, e outro visitante em uma conversa com um dos mediadores.

Figura 1 – visitante manuseando recurso didático, visitante observando o instrumento mais de perto e visitante conversando com mediador na atividade do dia 28 de outubro de 2023.

                                                                                       

                                                                                        Fonte: Autoria própria, 2023.

Na fala dos entrevistados, foi possível identificar a interatividade mental. Assim, foi possível perceber que a atividade possibilitou a mudança de pensamento entre antes e depois da atividade. Um exemplo é a fala a seguir:

São assuntos que são tão comuns pra gente no dia a dia e que a gente não para pra refletir sobre aquilo né? Quando você começou com aquilo de “O que é o tempo?”...  [...] Todo mundo travou um pouquinho pra responder né? Porque é tão comum, é tão normal, faz tão parte da gente desde sempre que a gente não para pra refletir sobre aquilo né. E nem se questionar ‘como que era a hora? como que era feito?’, questões básicas pra gente (MIGUEL).

A interatividade emocional também foi identificada na fala dos entrevistados. Um exemplo evidencia tanto a interatividade mental quanto a emocional, caso onde os aspectos estéticos do instrumento causaram impacto e estimularam a reflexão a respeito dos instrumentos necessários para a geração e disseminação da Hora Legal Brasileira:

Ali naquele momento eu fiquei impressionada com o tamanho do instrumento. É impressionante, você olha e fica assim: “nossa, é uma ferramenta muito grande que precisava”. É impressionante (BEATRIZ).

Uma surpresa foi a presença de falas sobre a mediação nas atividades. Percebeu-se que, na opinião dos entrevistados, a mediação das atividades contribui para a compreensão do assunto abordado e motiva a retornar ao museu.

A gente entrou e assim, no início a gente foi lendo o que estava escrito lá [no site para o qual o QR Code nas etiquetas dos instrumentos expostos direciona], mas chega o momento que cansa. [...] Eu vi tanta coisa antiga que eu achei interessante, mas eu não sabia para que é que servia, sabe? Eu não sabia qual era a função. [...] Tá, estava escrito lá, mas de uma forma que eu não conseguia entender. [...] Então, quando tem a visita guiada, quando vocês [mediadores] falam “isso ficava lá no subsolo, isso fazia isso e aquilo outro”, uma nova janela se abre assim pro nosso entendimento, pro nosso conhecimento (ELISA).

Foi muito interessante, eu passaria novamente, passaria outro dia de novo, por ter tido essa visita guiada. Se fosse só por conta de olhar, ia dar uma olhadinha assim e talvez nem voltaria outro dia, nem pensaria em voltar (ARTUR).

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002. p. 213-222.

FALCÃO, Douglas. Instrumentos científicos em museus – em busca de uma pedagogia de exibição. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (org.). Museus de Ciência e Tecnologia: interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p.125-130.

GILBERT, John K. Models and modelling: routes to more authentic science education. International Journal of Science and Mathematics Education, n. 2, p. 115-130, 2004. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/225956969_Models_and_Modelling_Routes_to_More_Authentic_Science_Education. Acesso em: 23 set. 2022.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

REQUEIJO, Flávia; Nascimento, Cecília Maria Pinto do; COSTA, Andréa Fernandes; AMORIM, Amannda de Jesus Gomes; VASCONCELLOS, Maria das Mercês Navarro. Professores, visitas orientadas e museu de ciência: uma proposta de estudo da colaboração entre museu e escola. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 7., 2009, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis, 2009. Disponível em: http://www.fep.if.usp.br/~profis/arquivos/viienpec/VII%20ENPEC%20-%202009/www.foco.fae.ufmg.br/cd/pdfs/817.pdf. Acesso em: 31 jan. 2023.

WAGENSBERG, Jorge. A favor del conocimiento científico (los nuevos museos). Éndoxa: Séries Filosóficas, Madrid, n. 14, p. 341-356, 2001. Disponível em: http://e-spacio.uned.es/fez/eserv/bibliuned:Endoxa-2001560BF1E6-2DE5-0514-528C-43ACFB75776E/favor_conocimiento.pdf. Acesso em 21 set. 2022.

Sobre a Autoria:

Julliana Vilaça Fonseca é licenciada em História pela Universidade Estácio de Sá (2019) e mestre em  Preservação de Acervos de Ciência e Tecnologia pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins (2022). Atualmente é bolsista do Programa de Capacitação Institucional (PCI-CNPq) no Museu de Astronomia e Ciências Afins, atuando no projeto "Popularização da Ciência e Tecnologia a partir de Instrumentos Científicos de Valor Histórico do Acervo do MAST".

Mariana Ferreira Gomes é astrônoma, licencianda em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, bolsista de desenvolvimento tecnológico (DTI) na Coordenação de Educação do Museu de Astronomia e Ciências afins (COEDU/MAST), e pós-graduanda no programa de Divulgação e Popularização da Ciência pela Fundação Oswaldo Cruz (ESPDC/COC/Fiocruz). Atua em ações com educação museal online e instrumentos científicos históricos no MAST, é integrante dos projeto Universo Acessível (UFRJ) e Planetário Itinerante da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). Tem experiência e interesse nas áreas de acessibilidade, ensino e aprendizagem de Astronomia, museus de ciência, divulgação e popularização da ciência.

Cristiane de Oliveira Costa é Licenciada em Física, Mestre em Física e Matemática Aplicada e possui experiência em Educação Formal e não-Formal.

Douglas Falcão é licenciado em física e tem doutorado em Educação em Ciências na University of Reading/UK. Faz pesquisa e também atua em Divulgação e Popularização em Ciência no âmbito de Centros e Museus de Ciência. É Tecnologista Sênior do MAST/MCTI.

Como citar este artigo: 

FONSECA, Julliana Vilaça; GOMES, Mariana Ferreira; COSTA, Cristiane de Oliveira; SILVA, Douglas Falcão. “DO CÉU AO CÉSIO: DE ONDE VEM O HORÁRIO DE BRASÍLIA?”: Popularização da Ciência e da Tecnologia a partir de Instrumentos Científicos. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

Editores/as Seção Notícias:

Frieda Maria Marti, Felipe Carvalho, Edméa Santos, Marcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel