A Acessibilidade como Elemento Estruturante na Gestão de Espaços Culturais: uma experiência do Museu da Vida Fiocruz

2024-05-03

Autoria: Alex dos Anjos Arruda Junior e Bianca Santos Silva Reis

Este relato apresenta uma experiência realizada a partir da implementação do Programa de Incentivo ao Desenvolvimento Institucional (PIDI) no Museu da Vida Fiocruz (MVF) a partir do ano de 2019. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em sua estrutura, dispõe de unidades técnico-científicas voltadas para o ensino, pesquisa e inovação no âmbito da saúde. Dentre essas unidades, a Casa de Oswaldo Cruz (COC), se dedica à preservação da memória da Fiocruz e às atividades de pesquisa, ensino, documentação e divulgação da história da saúde pública e das ciências do Brasil. O MVF é um dos departamentos da COC sendo responsável por dispor em sua estrutura, através de exposições, atividades educativas e formação de pessoas, temas como Divulgação Científica e Popularização da Ciência. Na busca por dialogar perante os diferentes objetivos sociais da Fiocruz, surge o PIDI que, segundo a Diretriz 11 da Portaria Interna nº 596/2018-PR, possui o objetivo de “aperfeiçoar o modelo e a gestão integrada e estratégica das ações de informação e comunicação em saúde, divulgação científica e popularização da ciência, além da comunicação institucional e interna”. 

Com início em 2019, o PIDI vinculado ao Museu da Vida possibilitou o exercício da acessibilidade em diferentes âmbitos, acompanhando ações já realizadas pelo Grupo de Trabalho de Acessibilidade do museu, criado em 2014 e do Comitê Fiocruz pela Inclusão das Pessoas com Deficiência, criado em 2017. Em sua estrutura, o programa é instituído para o cumprimento de metas institucionais da Casa de Oswaldo Cruz. Posteriormente, as metas se desdobram em produtos educativos desenvolvidos para diversos perfis do público visitante do museu, considerando também pessoas com deficiência. Dessa forma, os produtos desse programa buscam a manutenção de um espaço educativo-cultural acessível, inclusivo, público e gratuito para todas as pessoas.

No primeiro ciclo de atividades do PIDI no museu, houve questionamentos sobre suas futuras atividades. Seria apenas adaptar roteiros? Ou buscar desafios recheados com pitadas de medo e criatividade? Em relação a acessibilidade, a meta institucional do projeto consistiu na inserção de três atividades educativas acessíveis para público de pessoas surdas ou ensurdecidas e cegas e/ou com baixa visão no circuito de visitação do museu. Além disso, previu a escrita e execução de roteiros considerando audiodescrição, janela de Libras, narração e legenda em português em um vídeo institucional sobre o MVF. Neste período, as atividades tiveram a participação de duas profissionais surdas. Novidade que enriqueceu as relações interpessoais abrindo caminho para descobertas e vivências. A partir desse modelo de trabalho, os processos que vieram a seguir, tornaram as etapas de construção de conhecimento ainda mais intensas e significativas. 

O primeiro ciclo também marcou uma ação importante relacionada à arte e ciência já desenvolvidas no museu desde sua inauguração, auxiliando o processo de acessibilização de um esquete e uma peça teatral que ficaram em cartaz no ano de 2019. A partir da consultoria realizada por pessoas com deficiência e especialistas na área, sessões contendo Intérpretes de Libras e audiodescrição foram ofertadas ao público.

O segundo ciclo do programa foi iniciado no período de fevereiro de 2020. As metas foram pensadas para serem executadas em formato presencial. No entanto, a partir de março de 2020, a pandemia de Covid-19 fez com que houvesse reformulação dessas metas para que pudessem ser realizadas em ambiente remoto. As mídias sociais foram o veículo para aprofundar as questões de acessibilidade com foco na produção de vídeos em formato acessível e na realização de atividades virtuais. Quatro produtos foram realizados durante esse ciclo, fortalecendo de forma ainda mais significativa questões de acessibilidade comunicacional e a importância do uso de recursos de tecnologia assistiva na produção dos conteúdos de audiovisual, tais como: janela de Libras, narração, legenda em português e audiodescrição. O primeiro produto deste ciclo foi a produção de um vídeo sobre a Covid-19 em formato de contação de histórias para crianças. O resultado positivo visível no engajamento virtual fez com que conteúdos similares fossem produzidos, além de atividades ao vivo sobre temas como acessibilidade cultural, divulgação científica e saúde.

O compromisso do MVF com a acessibilidade cultural parte do princípio do que se encontra na diretriz III da Política Nacional e Educação Museal, onde comunica a importância de “[...]promover a acessibilidade plena ao museu, incentivando a formação inicial e continuada dos educadores museais para o desenvolvimento de programas, projetos e ações educativas acessíveis”. (IBRAM, 2018, p. 130). Com as ações educativas acessíveis realizadas através do PIDI, o MVF passou a ganhar protagonismo no campo da acessibilidade e cultura, com desdobramentos em produção de artigos, apresentação de trabalhos em encontros e troca de experiências com outras instituições que realizam trabalho semelhante. 

Em seu último ciclo, a meta do Programa foi pautada na acessibilização dos roteiros de visitação das exposições de longa duração do museu. Isto é, tornar acessível e mais inclusivo o acolhimento do público de pessoas com deficiência que chegam para visitação. Outra diferença consistiu no aumento considerável da equipe responsável pelo projeto neste ciclo, que foi composta por um educador sem deficiência, duas Intérpretes de Libras e um educador com deficiência. A representatividade e diversidade da equipe se mostrou importante por ter cumprido o objetivo da efetiva presença de pessoas com deficiência atuando em museus e espaços culturais. Os roteiros existentes de cada espaço de visitação do Museu da Vida Fiocruz foram adaptados contemplando a diversidade de públicos e suas demandas específicas. Com isso, tornou-se importante mudar o cenário anterior, possibilitando agora que pessoas com deficiência pudessem se sentir acolhidas e respeitadas desde sua chegada ao museu até o final do percurso. Através de testes dos roteiros feitos com a presença de educadores do museu, especialistas em acessibilidade cultural e tendo validação de visitantes com diferentes tipos de deficiência, o Programa teve seu ciclo encerrado com sucesso nesta etapa.

As atividades desenvolvidas durante todo o período do Programa são respostas concretas à Política da Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão de Pessoas com Deficiência e visam promover a acessibilidade física, de mobilidade e de comunicação, propiciando espaços, ambientes e equipamentos indispensáveis para que todos possam usufruir de espaços públicos de convivência, independentemente de sua condição. Além disso, a gestão e organização das atividades do PIDI no Museu da Vida buscou assegurar os direitos da a pessoa com deficiência no que diz respeito ao acesso à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI 13.146/2025).

A intervenção da acessibilidade cultural tem motivado instituições museais a se avaliarem, reestruturarem e repensarem sua metodologia e as ações que realizam com diversos perfis de público. O percurso trilhado pelo Museu da Vida Fiocruz apontou a disposição, empenho e compromisso dos profissionais envolvidos no Programa. Este fator tornou-se imprescindível durante a elaboração das estratégias utilizadas para o cumprimento das demandas que se apresentaram no âmbito da acessibilidade. Este acúmulo de repertório e conhecimento se constituiu em um verdadeiro portfólio de soluções para que novos caminhos sejam percorridos de forma refletida, sistemática e engajada. (REIS; GOMES, SOARES, 2021). Os resultados foram transformadores, construindo uma cultura mais acessível e inclusiva a todas as pessoas. Para isso, o lema “Nada sobre nós, sem nós”, adotado por ativistas e por pessoas com deficiência, se fortalece e potencializa espaços como os museus a também se consolidarem como agentes de transformação social a partir da integração de pessoas com deficiência na elaboração de seus processos educativo-culturais.

Referências 

Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 21 abr. 2024.

MUSEU DA VIDA. Educação museal e acessibilidade [recurso eletrônico] / Organizadores: Bianca Reis, Hilda Gomes e Ozias Soares. -- Rio de Janeiro: Fiocruz - COC, 2021. Disponível em: <https://www.museudavida.fiocruz.br/ebook/educacao-museal-e-acessibilidade.pdf>. Acesso em 20 abr. 2024

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, mar./abr. 2009, p. 10-16. Disponível em: < https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/211/o/SASSAKI_-_Acessibilidade.pdf?1473203319> . Acesso em 27 abr. 2024.

Sobre a Autoria:

Fvz8F0M.jpeg Alex dos Anjos Arruda Junior é Graduado em Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá, cursando Pós-Graduação em Acessibilidade e Tecnologias de Inclusão pelo Centro Universitário Internacional. Possui experiência na atuação como Pedagogo em espaços de educação formal e não formal, tais como na Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias e Museu da Vida Fiocruz (MVF). No MVF, atua em pesquisas sobre Acessibilidade Cultural e Educação Museal. À frente do Programa de Incentivo ao Desenvolvimento Institucional (PIDI) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pelo período de 2020 a 2023, esteve responsável pela implementação de atividades educativas acessíveis para público de pessoas com deficiência no Museu da Vida. Coordenou a Comissão de Acessibilidade do XVIII Congresso RedPOP de Divulgação Científica (2023) e da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (2023), ambos realizados pela Fiocruz.

5Ri7doN.jpeg Bianca Santos Silva Reis é Pedagoga, educadora do Serviço de Educação do Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz (MV/Fiocruz), especialista em Direitos Humanos, Acessibilidade e Inclusão pela Fundação Oswaldo Cruz (DIHS/ENSP/Fiocruz), Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Integra o GT de Acessibilidade MV e o Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência. Coordena as ações de acessibilidade no Museu da Vida 2023/2024.

Como citar este artigo: 

JUNIOR, Alex dos Anjos Arruda; REIS, Bianca Santos Silva. A Acessibilidade como Elemento Estruturante na Gestão de Espaços Culturais: uma experiência do Museu da Vida Fiocruz. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

Editores/as Seção Notícias:

Frieda Maria Marti, Felipe CarvalhoEdméa SantosMarcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel