MAST, EDUCAÇÃO E PESQUISA

2024-05-02

Autoria: Josiane Kunzler e Douglas Falcão

Provocada e convidada pelo Ibram e pelo Icom a repensar a educação e imaginá-la de forma inovadora, a Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Coedu/Mast) se dedicará no mês de maio a duas diferentes ações. A primeira começa com esse texto de apresentação, numa parceria com a Revista Docência e Cibercultura. Trata-se de uma série de experiências e reflexões compartilhadas por profissionais da Coedu e de outros museus, que será publicada ao longo de todo o mês. A segunda é o evento “Mast, Educação e Pesquisa”, que será realizado no Mast entre os dias 14 e 17 de maio.

O Mast é uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Foi criado em 1985 e tem a missão de promover o acesso da sociedade ao conhecimento científico e tecnológico, por meio da pesquisa, preservação de acervos e divulgação da atividade científica brasileira. Para isso, atua nas áreas da História da Ciência e da Tecnologia, Documentação e Arquivo, Museologia e Educação em Ciências.

Nesse contexto, a Coedu é uma das quatro áreas finalísticas da instituição, o que representa uma convergência com o princípio III da PNEM, que trata da “garantia de que cada instituição possua setor de educação museal, composto por uma equipe qualificada e multidisciplinar, com a mesma equivalência apontada no organograma para os demais setores técnicos do museu, prevendo dotação orçamentária e participação nas esferas decisórias do museu”.

Essa característica, ainda tão sonhada pela quase totalidade dos museus brasileiros, proporcionou ao Mast trabalhar como numa espécie de laboratório de educação. Uma gama de ações foram e são realizadas de forma articulada com projetos de pesquisas em educação em ciências. Sintonizadas com temas, referenciais e metodologias contemporâneas, seus resultados e reflexões alimentam e fortalecem o campo da Educação Museal, que se consolidou como prático, científico e político nas últimas décadas.

O Parque da Ciência, que funcionou no Mast entre 1985 e 2005 e resultou em projeto que atualmente está na 3ª geração, é um exemplo de experimentação que o Mast pode se dedicar. O Brincando com a Ciência, criado em 1987, com o objetivo de criar aparatos interativos de baixo custo em diversas áreas do conhecimento, foi outra iniciativa que, após criada, permaneceu em avaliação e estudo e, até hoje, é replicada pelos educadores da Coedu. A exposição “As estações do ano: a Terra em Movimento”, espaço mais solicitado atualmente pelo público escolar, foi inaugurada em 1997, com base na avaliação da exposição "Ciclos Astronômicos e a Vida na Terra" que evidenciou dificuldades de compreensão de fenômenos fundamentais.

O Programa de Observação do Céu, mais antigo programa educacional do Mast, iniciado antes mesmo da criação do Museu, embora não esteja hoje atrelado à investigação, foi fundamental para a consolidação de pesquisa sobre o papel dos instrumentos científicos históricos na experiência dos visitantes. Por incluir a Luneta Equatorial 21, hoje centenária, entre os equipamentos utilizados para observação, junto a telescópios contemporâneos, o Mast inovava na popularização da ciência e fortalecia a percepção da importância da História da Ciência para a educação. Atualmente, há um projeto no âmbito do Programa de Capacitação Institucional (PCI-CNPq/MCTI/MAST) que busca o desenvolvimento de uma pedagogia museal dirigida a explorar acervos de instrumentos científicos em museus de ciência e tecnologia.

Ao longo de seus quase 40 anos, o Mast e seu público puderam acompanhar significativas transformações na concepção das atividades, ações e projetos, com destaque para a transição dos modelos de déficit de conhecimento dos anos 1980 para um modelo mais participativo nas práticas educativas a partir dos anos 2000. Um caso importante é o Papo de Educador, que no ano de 2020 substituiu o antigo Encontro de Assessoria ao Professor, visando justamente estabelecer uma instância de diálogo com os educadores interessados na visita escolar ao Mast, ao invés de se realizar uma ação em que somente os saberes dos representantes do museu eram considerados.

Hoje, nossos desafios estão em abrir mão da centralidade epistemológica nas relações com diversos públicos e em ceder espaço para o protagonismo, aprendendo a realizar ações que incluam todas as pessoas em seus estratos sociais e demográficos. É importante destacar que essa abordagem, enriquecida por elementos democráticos e por modelos de comunicação participativos, está associada ao empenho do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) no fortalecimento de uma política nacional de divulgação e popularização da ciência e tecnologia.

Uma iniciativa importante é o projeto “Astros, Luz e Sombras: a Maré em movimento”, delimitado por sua área territorial de atuação, a favela da Maré, e pelo referencial da ciência, arte e educação. Ele se insere num escopo de maior envergadura, o da popularização da Astronomia e Ciências Afins em periferias e favelas levado a cabo pelo Serviço de Programas Educacionais (Seped/Coedu/Mast). Nesse contexto é que se encontra o planetário do Mast, talvez o primeiro itinerante do Brasil, que desde 1992 busca descentralizar e interiorizar a popularização da ciência.

Ainda na seara de negociação do protagonismo na construção e no compartilhamento de narrativas, a Coedu tem atuado numa frente ainda pouco explorada, mas com grande potencial que é a Educação Museal Online. Ao propor ações educativas nas redes sociais digitais da Coedu (“MAST Educação”, no Instagram e no Facebook) e cursos de formação de educadores com esse arcabouço, são promovidas instâncias de diálogo em que a pessoa educadora se coloca como mediadora que fomenta um ambiente conversacional multirreferencial e multidirecional. A partir disso, as narrativas diversas compartilhadas e construídas coletivamente pelo público são importantes fontes de informações, no âmbito da pesquisa, para se conhecer e compreender como se dão as experiências formativas online dos públicos da Coedu, buscando novos desenhos didáticos que superem a visão de formação hegemônica que centrada na reprodução de conhecimentos teóricos oficialmente legitimados.

Essa premissa tem reflexos em pesquisas que, nos últimos anos, ganharam corpo e robustez na Coedu, na forma de projeto PCI. Um deles é o “Público infantil em museu de ciência” que entende ser necessário aprender com esse público, criando novas teorias e práticas de inclusão para a primeira infância. O “Meninas no Mast”, por sua vez, visa a inclusão de gênero nas STEAM por meio do fortalecimento da relação museu-escola e da iniciação científica por meio de clubes de ciência que ampliam a possibilidade de escolha das meninas e, ao mesmo tempo, criam espaços em que elas se tornam protagonistas, compartilhando dados com projetos de ciência cidadã internacionais, propondo e apresentando trabalhos em feiras de ciências e em eventos no Museu e fora dele. 

No mesmo sentido, o projeto “Nós no Mast” busca a reestruturação da relação do Mast com o público do território onde se insere, por meio de ações que favoreçam o sentimento de pertencimento. Isto é, de reconhecimento do Mast como mais um elemento da rede de instituições e espaços de representação dessa população geograficamente situada. 

Também podem ser citadas algumas atividades criadas recentemente e que ainda não estão sob um guarda-chuva investigativo, mas atreladas à atuação do SEPED que lida cotidianamente com a mediação de grupos diversos, incluindo aqueles historicamente excluídos, não só do Mast, mas da dinâmica social como um todo. Uma delas é a “Lugar de Erês é no museu: a importância da representatividade negra - da mitologia à ciência”, concebida com o objetivo de abordar elementos científicos e culturais na perspectiva antirracista, evidenciando o protagonismo de personalidades negras em diversos campos do conhecimento. Outra que merece destaque é a Libras no Espaço, uma ação voltada ao público surdo cuja estrutura, conteúdo e nome foram definidos a partir de consulta com a comunidade surda.

A inclusão da pessoa com deficiência, mais especificamente a pessoa surda, tem ganhado cada vez mais importância na Coedu. Das três vagas de estágio para atuar com a mediação dos programas educacionais regulares, desde 2022, duas são separadas para formandos em pedagogia bilíngue.  Para reforçar esse quadro, das 10 vagas de educadores contratados recentemente para o SEPED, duas também são para educadores bilíngues. Nossa experiência tem evidenciado que é crucial e urgente que os museus se abram para a formação de educadores museais bilíngues.

Tal contratação, que se deu no início de 2024, é a realização de um sonho da Coedu - e um sonho tão sonhado pelos museus brasileiros como um todo. Ela representa o reconhecimento da importância de uma equipe qualificada e dedicada prioritariamente aos programas regulares. Essa equipe é indispensável para a oferta de experiências cada vez mais significativas e transformadoras para os visitantes. Nesse sentido, a Coedu entende que um setor de educação museal deve estar sempre atento não só aos aspectos técnicos e teóricos, práticos e investigativos da dimensão educativa dos museus. É imperativo cuidar da esfera política, que determina nosso lugar não só nas instituições em que atuamos, mas nos campos da educação e dos museus como um todo.

Assim, essa série que apresentamos é um convite para repensarmos a educação, como propõem o Ibram e o Icom, mas sobretudo uma oportunidade de nos questionarmos sobre a relação entre museus, educação museal e pesquisa, identificando caminhos e descaminhos que precisamos trilhar. Desejamos boa leitura e bastante êxito nas ações que ocorrerão por todo o Brasil ao longo das próximas semanas. Vida longa à Educação Museal - prática, científica e política!

Sobre a Autoria:

0ZHLsch.jpeg Josiane Kunzler é bióloga, mestre em Geologia (linha de Paleontologia) pela UFRJ, com pesquisa no Museu Nacional/UFRJ, e doutora em Museologia e Patrimônio pela UNIRIO/MAST, com doutorado sanduíche no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa, e pesquisa sobre o patrimônio paleontológico em exposições museológicas. Atualmente é Coordenadora de Educação em Ciências, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), onde anteriormente foi pesquisadora colaboradora e PCI. Foi pesquisadora consultora da UNESCO para as novas exposições do Museu Nacional, por meio do Projeto Museu Nacional Vive. Integra o Grupo de Estudos em Museologia e Patrimônio (GEMP) da Fundação Araporã (Araraquara-SP), onde é consultora voluntária. Tem experiência e interesse em exposições museológicas, divulgação e popularização da ciência, patrimônio paleontológico e mudanças climáticas em museus de ciências. Foi bolsista de doutorado CAPES DS e doutorado sanduíche CAPES-PDSE e do Programa de Capacitação Instituição (PCI-CNPq/MAST).

UXGoajw.jpeg Douglas Falcão é graduado em Licenciatura em Física pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1987), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999) e doutorado em Educação pela University of Reading/UK (2006). É tecnologista sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCTIC desde 1988, onde ocupou o cargo de Coordenador de Educação em Ciências entre 2005 e 2013. Foi Diretor do Departamento de Popularização e Difusão de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (SECIS/MCTI) de 2013 a 2016. Atua em pós-graduações na área de popularização e divulgação de ciência. Tem experiência na área de Educação em Ciências, atuando principalmente nos seguintes temas: aprendizagem em museus de CT, inclusão social e CT e na produção e avaliação de recursos educacionais em museus de CT. Presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC) entre 2019 e 2023. 

Como citar este artigo: 

KUNZLER, Josiane; FALCÃO, Douglas. MAST, EDUCAÇÃO E PESQUISA. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2024, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

Editores/as Seção Notícias:

Frieda Maria Marti, Felipe CarvalhoEdméa SantosMarcos Vinícius Dias de Menezes e Mariano Pimentel