Carta - De Estudantes de Pedagogia ao Grande Educador Paulo Freire

2022-09-26

Querido Paulo Freire, 

Hoje é o dia 19 de setembro de 2022, começamos a te escrever depois de termos a experiência de ti conhecer um pouco e falar contigo através de cartas. As leituras delas foram um sucesso então resolvemos uni-las em uma só, para te homenagear. Acredito que estás perguntando quem é que vos escreve. Bem, somos uma turma do terceiro semestre do curso de licenciatura em Pedagogia na Universidade Federal do Cariri - campus de uma pequena cidade no interior do Ceará, chamada de Brejo Santo. O nosso curso Paulo é novo, ainda irá completar dois anos, ele representa a luta, garra, determinação e amor pela educação de dezenas de profissionais e de alunos que lutam para trazer um novo esperançar para a Pedagogia,  diante do descaso que a educação sofre nos dias atuais no Brasil.

Paulo, neste momento irá ler várias vozes (com a escrita no singular, mas que representa a nossa tessitura) que se implicaram com a sua obra e escreveram suas descobertas: 

Fonte: Os autores

 

Escrevo  porque  apesar  do  meu  pouco  conhecimento a respeito de ti, Paulo, sei que a história já se encarregou de eternizar  seu  nome  na  educação,  sei  que  a  pedagogia  já  se  encarregou  de  pontuar  o  senhor  como  uma  marca  positiva  da  educação  brasileira [...]

Escrevo por que temos crianças que vão à escola com fome,  às vezes  com  tanta, que  mal  conseguem  se  concentrar  nas  aulas,  escrevo  por  que  muitos professores  trabalham dias, noites,  feriados e  finais de semana e,  ainda assim,  recebem  salários  relativamente  baixos,  escrevo  por  que  muitas  escolas  não  tem  o  básico para funcionarem.

Escrevo porque agora, a única certeza que tenho é que a minha mente e meu coração trabalham juntos para conversar contigo.

Escrevo para contar o que vem acontecendo, estamos passando por uma pandemia, onde mudou completamente nossas vidas e tivemos de  nos adaptar a novas realidades.Em decorrência da emergência do vírus Covid-19, entramos em estado de isolamento obrigatório e migramos para o ensino remoto emergencial. De início, havia esperança de que as aulas retornariam em 15 dias. Logo a alegria de 2 semanas de férias,  deu espaço para um misto de medo e ansiedade. Tivemos de nos reinventar e reaprender a aprender.

Dessa vez os meios digitais não foram suficientes para diminuir as barreiras geográficas que nos separavam - barreiras, agora, sociais. O sentimento de solidão era devastador, o silêncio ensurdecedor da sala virtual transmitia o medo da incerteza do amanhã,  daqueles que estavam do outro lado da tela. Manter o foco tornou-se uma missão diária, cujo maior obstáculo estava nos meios de comunicação que deveriam auxiliar o aprendizado. Manter a ansiedade sob controle já não parecia possível, as preocupações com o sucesso profissional  futuro se fundiam com a fragilidade da vida e soterraram a possibilidade de sonhar.

É, meu grande pedagogo, depois de dois anos presos em casa hoje podemos sair, mas com cautela porque o vírus que nos prendeu  ainda está ativo. Esses anos em confinamento com medo causou um grande impacto na aprendizagem de nossas crianças durante dois anos e meio estudando através das pequenas telas.

Acredito que o senhor se assustaria com o caos ao qual todos estamos vivendo no Brasil  contemporâneo, são tempos muitos difíceis onde enfrentamos desde 2018 uma grande  polarização política que refletiu no convívio social,  que foi propagado por um governo que  usava o nome de Deus para cometer terríveis atrocidades [...] Este governo, assim que seu mandato se iniciou, começou a fazer vários cortes em verbas  públicas; na saúde, na segurança e principalmente na educação. O sucateamento de nossa  educação propagou ainda mais as instâncias da cultura de massa, que hoje em dia podemos  observar muito bem no complexo de vira-lata ao qual muitos estão imersos. É triste ter que  escrever isso, mas infelizmente é a realidade do nosso país.Estava totalmente sem chão neste período, aliás muita gente se viu assim, foi um tempo extremamente difícil.

Paulo, nós na condição de educadores temos que ter esperança e juntos procurar novas maneiras de lidar com essa terrível situação. Mas, temos certeza de uma coisa, junto com seus ensinamentos nossa educação poderia ser uma das melhores. Creio que não será uma luta fácil, mas tenho certeza que vamos conseguir fazer a educação brasileira ser mais justa e igualitária para todos que as escolas visam sempre o aprendizado do aluno não só as suas notas até porque os alunos são muito mais que números e estatísticas[...]

Paulo, eu sei que vai ser um caminho árduo e difícil principalmente com esse governo negacionista que temos, mas não vou jamais deixar de acreditar nesse futuro e vou continuar lutando por ele. Afinal, não tem nada melhor do que ver a educação proporcionando o melhor para a sociedade. Por isso, precisamos denunciar e anunciar.

Contemporaneamente, o poder da educação é direcionado ao domínio e a sustentação das desigualdades sociais. Isso também é devido ao sucateamento da educação que vai desde o orçamento - constantes cortes, desvios e desvalorização - aos ataques à profissão docente. O professor é desvalorizado  socialmente e profissionalmente sendo submetido às jornadas de trabalho exaustivas sob condições precárias e a remuneração baixa. Tais fatores influenciam na sua saúde, comprometida pelos elevados níveis de cansaço e estresse. E, consequentemente, no seu desenvolvimento profissional, a desvalorização incita a desmotivação e o sentimento de frustração,  refletindo na precarização do exercício docente.

O que reflete na qualidade do ensino, já abalado pelo desmonte e marcado pela formação superficial. Os alunos, muitas vezes desamparados e sem sequer ter condições básicas de existência, estão inseridos em um contexto de formação agressiva e desgastante que os limita.

Lembro meu caro, de um episódio o qual presenciei durante meu ensino fundamental. Estava tendo uma aula de uma determinada disciplina e havia um aluno que desejava participar da aula e fazia comentários a fim de gerar um debate, até que o professor se estressou e usou sua posição de forma autoritária pedindo para que aluno parasse de perguntar. Isso me marcou bastante, mas naquele momento não tinha noção do ocorrido, não havia visto problema até entrar no curso de pedagogia. É o ensino bancário Paulo, analisando esse momento, observo várias falhas, mas não é condenando o professor(a), pois se ele(a) tivesse tido uma formação adequada, teria ocorrido aprendizado mútuo e rompido com o ensino de heranças conteudistas que priorizam o conteúdo fora de contexto e negligencia o desenvolvimento do aluno de forma crítica.

Paulo,  às vezes somos criticados por ter escolhido a profissão de educador (a), falam da existência de profissões melhores, " mais importantes " que pagam melhores salários, só que não consigo visualizar uma função tão nobre quanto ser professor. Fazer parte de um processo tão lindo que é a aprendizagem e a descoberta de um mundo. Todos nós sabemos que ser professor nos tempos atuais é ter que lutar muito em diversos parâmetros, seja para conseguir seus direitos como trabalhadores ou como mestres que querem o melhor para seus aprendizes, mas com as várias dificuldades que nosso século apresenta, ser professor também é crer na esperança de um futuro melhor, mesmo que isso soe como um mero conto de fadas.

Durante meu  trajeto enfrentei julgamentos dolorosos que me fizeram questionar o que estava fazendo. Os únicos incentivos que tive vieram dos meus irmãos, um deles é autista e tem 7 anos e sei que com essa formação posso ajudar não só a ele, mas também muitas outras crianças incríveis. A pedagogia me escolheu e me acolheu, transformou o meu mundo e me mostrou que eu consigo ajudar a transformar o mundo dos meus  alunos,  é isso que me inspira. Não escolhi Pedagogia, Paulo Freire. Escolho Pedagogia todos os dias. E hoje escolho Esperançar.

Ao escrever esta carta de esperança pensando junto com a educação de todos com o amanhã me recordo já de início na frase bíblica que diz:

“É na esperança que fomos salvos! (Rm 8,24). Pois, vivemos tempos conturbados que testam nossa esperança e fé. Ah, se todos pudessem pensar e aprender com o senhor. Tendo assim, uma esperança e futuro melhor que é o que todos precisamos. Dessa forma, a educação que leva à esperança não deixa se seduzir pelo modismo, nem pelo mercado. Afinal, é no diálogo que juntos acreditamos  na esperança de novas formas de fazer educação.

Paulo, o senhor foi e ainda é um exemplo de educador que inspira em todos os tempos, professores e alunos em formação docente. Fico pensando, hoje, em 2022, o vazio, a intransparência do imaginário de quem degrada teus pensamentos e o ofende…  um senhor, um Professor tão autêntico, tão harmonioso de gentileza, tão poeta, tão radiante de humanidade. Sei que já disse isso, mas como você faz falta mestre! 

Há  tantas tristezas que gostaria de dialogar contigo. Obrigada Paulo, por ter me ajudado a tirar a venda dos meus olhos e ter me puxado para a luz. Saiba que sou extremamente grata por ter conhecido você, pelo privilégio de visitá-lo em livros, você me deu a fé de acreditar em um mundo melhor,  em uma educação digna para todos, seus ensinos nos fazem firmes perante as injustiças, nos faz levantar e dizer: Liberdade!

E, desejo que possamos sempre ter essa pedagogia da curiosidade, da Autonomia, da Indignação,  da Tolerância, que mesmo nas dificuldades tenhamos a Pedagogia da Solidariedade, do Compromisso, por uma Pedagogia da Pergunta e que não nos falte a pedagogia dos Sonhos Possíveis.

Esse momento concluo como uma boa nordestina, compartilhando nossa arte  e nossos versos: 

 Por: Alana Oliveira

Por: Raiane Lacerda dos Santos

   

Gratidão, Paulo Freire,

 por mostrar que a educação

 é uma forma de expressão,

de luta e resistência.

Estudantes do 3. semestre

do Curso de Pedagogia

( UFCA/IFE): 

Alana Inácio

Ana Caroline

Ana Maria

Ávila Lacerda

Bruna Dias

Carla Michele

Cássia Fernanda

Felipe Fabricio

Ildefabio Rocha

Jessica Tamara

Juliana Sousa

Karla Cristhine

Maria Gessica

Kariny Tavares

Mônica Pereira

Nayara Joice

Paula Ingryd

Raiane Lacerda

 

P.S: Os estudantes de Pedagogia/IFE da Universidade Federal do Cariri - UFCA são agentes que aprendem com os novos meios digitais, no processo de construção de significados da Pedagogia Freireana. Compartilhamos uma atividade coletiva com extratos de depoimentos de sentidos semelhantes, transformado em discursos-sínteses nesta carta. Ela é fruto da disciplina: Pedagogia: História e Identidade Profissional, baseando-se na metodologia Discurso do Sujeito Coletivo.

E, convidamos @s leitores desta carta para continuar o debate, com as perguntas: O que você diria da situação política e educacional do país ? Como poderíamos mudar ? Como poderíamos mobilizar a curiosidade,  a esperança nos dias de hoje? Que recado deixaria aos educadores?

Assim, venha conhecer o dispositivo  IFECast: Minha Comunidade, deixe seu comentário, sua questão, suas ideias no link

Profa. Dra.Karine Pinheiro de Souza UFCA/IFE

Projeto de Cultura UFCA/IFE- Coordenação : Profa.Dra. Karine Pinheiro de Souza

Bolsistas - Donilton Inácio Silva/ Daniel Brandom/ Suyane Érika /Paula Ingryd

Contato: ifecast.ufca@gmail.com/

Nosso Canal 

Carta/ PodCast

 

Referências 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e outros escritos.São Paulo: Editora: UNESP, 2000.

FREIRE, Paulo. Política e Educação: ensaios / Paulo Freire. – 5. ed. - São Paulo, Cortez, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17ª ed. 2011

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 51ª Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 56ª ed., 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Org: Ana Maria Araújo Freire. 2ª Ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.

 

Como citar este artigo:

Estudantes do 3° semestre do Curso de Pedagogia (UFCA/IFE). Carta - De Estudantes de Pedagogia ao Grande Educador Paulo Freire. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, março de 2022, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Editores/as Seção Notícias:

Felipe CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Santos