Comitê de Apoio à Diversidade do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ: A luta por um ambiente acadêmico mais plural

2022-01-24
Por Fernando Luz de Castro
Bacharel em Ciências Biológicas pela PUCRS, Doutor em Genética pela UFRJ e atualmente pós-doc do Instituto D'or de Pesquisa e Ensino. Pesquisa acerca da ação de psicodélicos sobre elementos transponíveis do genoma e sua influência com neuroplasticidade. Membro fundador do DIVERSIDADE.Por Dio Alexandrino
É não-binário, Biólogo e professor de ciências, além de ser Especialista em Neurociências e Mestre em Biofísica. Atualmente faz doutorado em Ciências pelo Instituto de Biofísica da UFRJ (IBCCF), onde investiga a Neuroquímica por trás do impacto do Sistema Endocanabinoide na gênese, desenvolvimento e morte do Sistema Nervoso Central. Ingressou como membro do Comitê de Apoio à Diversidade do IBCCF (DIVERSIDADE) logo após seu surgimento e, desde então, participa ativamente da organização/promoção dos eventos promovidos pelo DIVERSIDADE.Por Rodrigo Soares Fortunato
Possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004), mestrado em Ciências Biológicas (Fisiologia) (2005) e doutorado em Ciências (2008) pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutorado no Institut de Cancerológie Gustave Roussy (Paris), onde estudou o sistema gerador de peróxido de hidrogênio na tireóide. Atualmente é professor Associado I do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho - UFRJ, atuando em estudos relacionados à disfunções endocrino-metabólicas, homeostase redox e instabilidade genômica . É membro permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Fisiologia) (CAPES 7) e do Programa de Pós-graduação em Medicina (Endocrinologia) (CAPES 5), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é coordenador adjunto do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Fisiologia), Jovem Cientista do Nosso Estado da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPQ - Nível 2Por Yare Mëllo
É pessoa trans não-binarie, não-branque com diversidade funcional, graduande em Ciências Biológicas e alune de Iniciação Tecnológica no LBL - Laboratório de Biologia de Linfócitos - IBCCF - UFRJ. Além disso, também é ume des idealizadores do Comitê de Apoio à Diversidade (DIVERSIDADE), colaborando na rede de acolhimento em apoio a Saúde Mental pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho - IBCCF da UFRJ.

 

“Conheça todas as teorias o melhor que você puder, mas ponha-as de lado quando você tocar o milagre da alma vivente” —  Carl Gustav Jung 

No dia 29 de janeiro de 2022, completa-se um ano que a semente da diversidade, plantada no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), começou a germinar. O primeiro evento que o atual Comitê de Apoio à Diversidade (DIVERSIDADE; imagem 1) foi mencionado se tratou de um encontro virtual promovido pelas coordenadoras do Pós Graduação em Ciências Biológicas (Biofísica), as professoras Dr. Susana Frases Cajal e Dr. Christianne Bandeira de Melo. A ideia desse encontro surgiu durante uma conversa descontraída ao telefone com um dos membros fundadores e idealizador, Fernando Luz de Castro, egresso do IBCCF e atualmente membro honorário do DIVERSIDADE. Uma vez que a coordenação do Instituto já contava com a bem alicerçada iniciativa denominada Comissão de Apoio à Saúde Mental, por que não aproveitar a comemoração do Dia Nacional da Visibilidade Trans no dia 29 de janeiro e realizar uma ação afirmativa? 

 

Figura 1. Logotipo do Comitê de Apoio à Diversidade do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fernando formou-se doutor em Genética pela UFRJ no ano de 2019, e a iniciativa de um evento voltado para o Dia da Visibilidade Trans não veio de uma motivação superficial. Ele foi o primeiro professor assumido publicamente como homem trans do Departamento de Microbiologia Paulo de Góes (UFRJ; trajetória contada com mais detalhes aqui. É importante ressaltar que  Fernando foi destacado no primeiro trecho da matéria devido à sua representatividade no meio científico. Da mesma forma, traz-se também a figura de Yare Mëllo, pessoa trans não-binare com diversidade funcional, graduande em Ciências Biológicas e alune de iniciação tecnológica, na época co-orientade pelo Dr. Fernando no Laboratório de Biologia de Linfócitos (IBCCF/UFRJ), que também viria a compor o DIVERSIDADE. Atualmente, o Brasil é destacado como o país que mais mata pessoas trans no mundo (MENDES, W. G. e SILVA, C. M. F. P. D., 2020; WANZINACK, C., SIGNORELLI, M. C. e REIS, C. 2018). Tais dados são fortemente marcados, entre diversos fatores, por uma ampla marginalização. Os poucos pesquisadores transexuais que conseguiram ocupar seus espaços na academia também tiveram uma transição tardia no meio profissional. Contudo, a verdade é que a existência de ambientes ainda não prontos para a inserção, não só desta, mas de todas as camadas da diversidade humana faz com que populações tão vulnerabilizadas socialmente vivam paralisadas pelo medo, ou mesmo sejam expostas à violência em primeira instância, seja ela consciente ou não. Neste contexto, há uma grande dificuldade em empoderar-se para pleitear novas possibilidades e caminhos.

Seguindo os acontecimentos cronologicamente, a primeira live aconteceu no Dia Nacional da Visibilidade Trans do exercício anterior (29/01/21), tendo como pauta três diferentes vivências trans. Tiveram a palavra o próprio Dr. Fernando, assim como Yare, membre associade e voluntárie da Associação Brasileira de Intersexo (ABRAI) que - ao lado de Indianarae Siqueira e Tom Grito - teve importante participação junto a Defensoria e ao Ministério Público no mutirão de retificação de documentos de pessoas não-binárias no Estado do Rio de Janeiro (Novembro/2021), e a Dra. Paula Terra Bandeira, atualmente pós-doutoranda do IBCCF, mulher cis e mãe de um menino trans de nove anos chamado Miguel. Houve uma emocionante troca entre os presentes. As três vivências diferentes em termos de conteúdo e caminhada, porém com dores muito parecidas derivadas da nossa existência imersa em contexto social ainda altamente transfóbico, conectaram-se de modo a tocar os corações de todos os participantes. O evento contou inclusive com a direção do próprio IBCCF, sendo a mola propulsora então para a fundação do DIVERSIDADE.

Foi em fevereiro de 2021 que os membros fundadores solicitaram ao Conselho Deliberativo do IBCCF a oficialização do Comitê de Apoio à Diversidade do IBCCF como braço de atuação da Comissão de Atenção à Saúde Mental do mesmo Instituto. O DIVERSIDADE foi fundado devido à necessidade de explorar melhor a dificuldade percebida entre o respeito às convicções pessoais e o papel educador público para promover a formação integral de um sujeito que seja capaz de romper com os ciclos de desigualdade. Faz-se importante, neste contexto, enfatizar a missão da universidade pública como espaço livre dos dogmatismos de diversos tipos, garantindo de fato e de direito sua capacidade de acolher e respeitar as diferenças. Na época da solicitação, o DIVERSIDADE contava com a participação dos já mencionados Dr. Fernando, Dra. Paula e Graduande Yare, além da representação docente do IBCCF, a Profa. Dra. Fátima Erthal.

Como metas do DIVERSIDADE, muito embora as iniciativas em prol da população transexual continuem firmes, estão a expansão do acolhimento para demandas relacionadas à pauta da diversidade em qualquer camada dentro do Instituto, assim como a implementação de ações afirmativas e rodas de discussão quinzenais a respeito de temas relevantes à promoção da pluralidade. Propôs-se também que o DIVERSIDADE fosse dinâmico, uma vez que acolheria cada camada da diversidade assim como cada demanda proveniente destas de acordo com o surgimento. Após a aprovação e nascimento oficial do DIVERSIDADE, logo viu-se a necessidade de sua expansão a fim de cumprir seu propósito. Após uma chamada prospectiva dentro do IBCCF, uniram-se definitivamente à caminhada es doutorandes MSc Dio Alexandrino e MSc Dayene de Assis Fernandes Caldeira e a mestranda Aline Rodrigues Cardoso. A coordenação do DIVERSIDADE também mudou de mãos, agora sendo regida pelo Prof. Dr. Rodrigo Fortunato.

Mas afinal, o que encontra-se além de tantas palavras bonitas dentre os objetivos do nosso querido DIVERSIDADE? Por que é tão importante falar sobre a pauta dentro do ambiente acadêmico? Mais do que nunca, o mundo encontra-se imerso numa lógica de vida acelerada e produtivista que reduz as humanidades a simples forças de trabalho. Cortamos os seres humanos no meio, desconsiderando suas subjetividades, os tratando como máquinas, dilacerando as relações interpessoais e os conduzindo ao esgotamento psicológico. Num mundo onde somos válidos apenas por nossa produção, ao ver o meio profissional através das lentes de camadas oprimidas (as quais infelizmente já são socialmente desvalorizadas) o quadro fica ainda mais difícil e os ambientes ainda mais hostis. Afinal, que tipo de ciência esperamos obter se apenas uma pequena parcela da população se vê representada? Parece simples a iniciativa de reuniões quinzenais acerca das diversas demandas que cada camada da diversidade alberga, porém só quem participou dos encontros consegue ter uma dimensão de seu efeito sobre cada um dos presentes. Os agrupamentos tornaram-se espaços de compartilhamento de emoções, onde fez-se possível a queda de muros, exposição das vulnerabilidades e transformação das dores em poesia.

Acompanhamos as trajetórias de alunes, professores e profissionais da ciência em âmbito público e privado. Começamos nossa caminhada com a  roda de conversa interativa protagonizada pelo Prof. Dr. José Pompeu nomeada como “A Biofísica das Emoções: A Trajetória de um Professor Autista”. Esse encontro suscitou um misto de emoções, em que nos maravilhamos com sua pesquisa e nos chocamos com o imenso despreparo social enraizado no capacitismo. Vimos profissionais renomados pertencentes à comunidade LGBTQIAP+ batalhando em sala de aula por visibilidade, mas expondo seus medos ao andar de mãos dadas com seus afetos. Choramos juntos ao ouvir relatos de mulheres, mães e cientistas, que foram induzidas a escolher entre estes dois papéis para sobrevivência dentro do meio acadêmico. Tivemos o prazer de presenciar a luta de figuras imponentes, como a da Profa. Dra. Bárbara Carine, que, na sua roda de conversa intitulada “Ciência: coisa de preto”, nos trouxe sua belíssima pesquisa e iniciativa da incorporação de importantes personagens pretas e negras (e suas invenções) fundamentais para a construção e manutenção do mundo como conhecemos - que foram apagadas da história devido ao racismo - em uma escola de educação afrocentrada fundada pela mesma. Entramos ainda em terrenos mais intensos de discussão ao receber a presidenta da Associação Brasileira Intersexo, Thaís Emilia de Campos dos Santos, a qual juntamente com o Prof. Dr. Wellington Clarindo fizeram uma discussão a fim de desmistificar o preconceito velado por trás do uso da genética para reafirmar gênero e sexualidade binários. Nossas rodas de conversa sempre tem a participação de estudioses e ativistas das causas temáticas das rodas de conversa. Além destas, muitas outras falas encontraram lugar nas nossas reuniões, as quais encontram-se na Tabela 1.

Foi desta maneira que fez-se o primeiro ano do DIVERSIDADE, o qual, inicialmente, tem seu espaço exclusivo para discentes e pós-docs do IBCCF, mas temos grande necessidade de expansão. Temos muita gratidão a todo o corpo do Instituto, uma vez que tal caminhada sem essas colaborações não seria possível! Desde o final do ano passado, iniciativas de crescimento começaram a ser pensadas com muito carinho, sempre com o intuito de promover a libertação das prisões mentais e a consolidação de um ambiente de trabalho mais aberto, acolhedor e saudável a todes! Sob convite das Profas Dras. Susana Frases e Christianne Bandeira de Melo, o DIVERSIDADE foi representado no Evento “I Encontro: O seu PPG Biofísica de Janelas Abertas para você” numa entrevista com o Dr. Fernando, o qual contou um pouco das vitórias e adversidades da iniciativa, a qual encontra-se registrada no canal de youtube do IBCCF UFRJ. No final de 2021, o DIVERSIDADE foi procurado pela coordenação do Mestrado Profissional em Pesquisa Biomédica do IBCCF, vinculado à figura da Profa. Dra. Flávia Fonseca Bloise, a fim de discutir a respeito da inserção de populações vulneráveis (inicialmente focado em pessoas trans) no programa de pós-graduação. Ademais, parcerias importantes do grupo como, por exemplo, com o grupo de trabalho de Parentalidade de Gênero e Equidade de Gênero também prometem movimentos de expansão dentro da UFRJ e, quem sabe (incluindo, por exemplo, a presente iniciativa em forma de texto), fora dela!

 

Tabela 1. Data, nome des convidades e título das rodas de conversas referentes a atuação do DIVERSIDADE no ano de 2021.  

  

 

  

AGRADECIMENTOS

Agradecemos imensamente aos integrantes do DIVERSIDADE Yare Mëllo, Paula Bandeira, Dayene Caldeira, Aline Cardoso por todas as ideias e discussões e aos querides Susana Cajal e Christianne de Melo e Bruno Diaz por todo apoio e espaço.

 

REFERÊNCIAS

MENDES, W. G. e SILVA, C. M. F. P. D. Homicide of Lesbians, Gays, Bisexuals, Travestis, Transexuals, and Transgender people (LGBT) in Brazil: a Spatial Analysis. Cien Saude Colet. 2020 May;25(5):1709-1722. doi: 10.1590/1413-81232020255.33672019. Epub 2020 May 8. PMID: 32402041.

WANZINACK, C., SIGNORELLI, M. C. e REIS, C. Homicides and socio-environmental determinants of health in Brazil: a systematic literature review. Cad Saude Publica. 2018 Nov 29;34(12):e00012818. doi: 10.1590/0102-311X00012818. PMID: 30517311.

 

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Como citar este artigo:

CASTRO, Fernando Luz de; ALEXANDRINO, Dio; FORTUNATO, Rodrigo Soares; e MËLLO, Yare. Comitê de Apoio à Diversidade do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ: A luta por um ambiente acadêmico mais pluralNotícias, Revista Docência e Cibercultura, janeiro de 2022, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Editores/as Seção Notícias: Sara Wagner YorkFelipe CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Santos