Para uma nova experiência humana: a Ubiquidade

2020-09-15
 

Por Karine Pinheiro 

PhD Ciências da Educação - Universidade do Minho (Portugal) / Postdoctoral Researcher Aveiro University.

Lattes / ORCID / Instagram


“Ma c’è senz’altro molto di più dentro Ubiqua. Vi invito a scoprirne il senso e, nel tracciare la rotta, vi auguro di perdervi oggi tra queste “stanze poetiche” e di ritrovarni, un domani, a rileggerle, sentendole parte del vostro tempo e della vostra vita, ovunque voi siate. Tutto sommato, questo libro è stato scritto anche per voi. (Masala, Luca – Ubiqua)” 

 

Convido a cada um de vocês a traçar o seu caminho ubíquo, inspirada na poesia do italiano Masala ( 2020)  que nos inquieta na busca do significado. Para compreender esse conceito em pleno século XXI,  em tempos de pandemia – a saída para romper o isolamento é a conectividade, que nos auxilia no estar junto. Por isso, nos atrevemos a dizer que  - ser ubíquo nesses tempos – está além da questão computacional, pervasiva e móvel,  não é pelo simples fato de estar no ciberespaço, ter uma comunicação massiva conectado pelo computador ou no smartphone a internet – que nos coloca neste cenários. A ubiquidade está no engajamento e na implicância, em que cada um de nós ao conectar-se, cria, co-cria, leva sua identidade envolvendo-se sentimentalmente, possibilitando, assim, o ocupar dois lugares ao mesmo tempo.

Para responder a este atrevimento, trago algumas referências do contexto científico, mas além dos autores que me fizeram pensar o conceito,  trago minha narrativa formativa, que me fez ubíqua.  Assim, convido cada um que está a ler  para que possas também traçar o seu caminho na ubiquidade.

Uma das autoras que me instigou a esse conceito científico, foi Lúcia Santaella, em sua obra 2013, apresenta conceito da comunicação ubíqua - nesta resenha  me instiguei a apresentar um pouco essa nova nomenclatura. O que é ? Como trazemos esse conceito para nossa contemporaneidade?

A criação de sistemas da informação e comunicação nos coloca, atualmente, no ciberespaço, em que as informações podem ser acessados em múltiplos espaços e tempos. Para a pesquisadora Santaella (2013) quando estamos em espaços de conexão contínua encontramos possibilidades ubíquas. A autora  esclarece que os aparelhos podem ser considerados ubíquos, quando podem ser usados em qualquer lugar e em qualquer tempo, pois derivam das condições técnicas pervasivas e móveis que delineia a ubiquidade “como habilidade de se comunicar em qualquer lugar com aparelhos computacionais espalhados pelo meio ambiente ( SANTAELLA, 2013, p. 139)[1]”.

É neste novo cenário sociotécnico transmutamos nossas relações: como vivemos, amamos, nos comunicamos e nos fazemos pertencer a vida digital, como nos alerta Matos e Junqueira (2017). Para os autores “A ubiquidade, ou ocupação de dois lugares ao mesmo tempo no espaço, torna-se possível no ciberespaço. A cibercultura gerada no ciberespaço cria e recria percepções, atitudes in fluindo, sobretudo, na própria consciência”. (Matos & Junqueira, 2017. p. 5) [2]

Fazer essa caracterização amplia nossa lente e aprendemos que canais de comunicação se multiplicam – para tornar possível  essa troca de ideias, textos, sons, imagens com uma infinidade de multireferencialidades, que há 30 anos eram impossíveis devido as distâncias e o tempo. Entretanto, com a rapidez da Web - WWW[3] essa interatividade pode ser aproximada por interfaces que aproximam os polos de emissão, que deixam de ser uno para ser múltiplo, por vários pontos dispersos, que possibilitam aos participantes comunicar-se ao mesmo tempo – em sincronia,  como exemplo: Zoom, Google Meet, Skype, mas que também se constituem na assíncrona em que a cultura da intervenção e participação não acontecem no mesmo momento.

Toda essa teorização reforçar nossa “existência é ubíqua”( Santaella, 2013)  que poderá ser evidenciada nos sentidos, nas narrações e experiências vividas para caracterizar o ser na contemporaneidade.

Caminhando e aprendendo na ubiquidade

O caminhar na educação de Edméa Santos e Leonardo Rangel [4] nos deixou implicada ao apresentar a ubiquidade estabelecida no “ato de caminhar por territórios físicos em conexão com o ciberespaço, produzindo, registrando e significando dados de pesquisa-formação na cibercultura.” Foi ao evidenciar os rastros de colegas pesquisadores, que me instiguei a multiplicar meus caminhos, para de alguma forma estabelecer conexões entre os que meus ancestrais e do que ainda está por vir,  como uma “brincolagem” entre o ser, o fazer,  o perder-se, o formar, o formar-se, transformando-me nesse contexto.

Para começar – a metáfora do caminhante ubíquo, que se aventura no ciberespaço, que carrega sua identidade - como quem leva sua jangada[5] e não permite massificar-se. Pois ao estar conectado levamos nossas marcas, histórias, sentimentos aquilo que nos faz gritar e mobilizar outros gritos, é isso que nos espalha na cibercultura.

Para exemplificar essa metáfora, vou utilizar uma vivência -  2018 -  ao fazer o de Caminho de Santiago de Compostela. Quando estava na estrada, a grande expectativa era chegar na cidade espanhola – percorrer cerca de 110km do caminho português- em 7 dias. Para após ter os carimbos preenchidos e a sensação de dever cumprido com o diploma na mão, percebi que estava enganada – o caminho não acabou. Ele continua(...) É assim, nossa trajetória como educador a cada formação desenvolvida seja inicial, lato senso, stricto senso... ficamos a espera do final com aquela mesma sensação - diploma na mão... E, percebemos,  com lucidez que o real caminho continua... Na realidade essa descoberta só veio bem depois (...) sem compromisso com datas, o certo é que se trata da mesma sensação de quando entrava no mestrado, ou no doutorado, ou em diversos cursos que já percorri.

Mas o importante dessa reflexão, é para que possam escrever junto comigo suas descobertas, pois durante todo o caminho, ao reler os diários, ver as imagens,  como  caminhantes é que nos refazemos e escolhemos novas rotas, e deixamos novos rastros.

Escrever aqui, tempos depois não é fácil, é um tanto místico e podemos voltar nele e relembrar as conversas, os encontros, os presentes que a vida nos deu – tantas pessoas fazem caminhos diários e não percebem o poder do encontro de um sorriso, de um gelo no pé, da dica técnica de observar as marcas utilizadas por outros. Foram muitos rastros que segui  e que deixo aqui.

Entretanto, é importante destacar que só foi possível caminhar porque estava sempre a seguir rastros, sejam presenciais ou virtuais, com dicas, mapas, referências, pegadas, links deixados pelo caminho. Isso tornou possível a superação da dor, do medo, da insegurança, da desconfiança.

No entanto, a cada passo ampliei as possibilidades didáticas-pedagógicas que não percebi nos tempos da licenciatura, um novo campo se abria com a Informática Educativa. Mas é importante relembrar  a experiência como multiplicadora do Programa Federal PROINFO no Ceará – seus ranços e avanços  no começo do milênio,  com o NTE – Núcleo de Tecnologia Educacional – Jaguaribe/CE, foram fundamentais para linkar duas áreas linguagens e as tecnologias.

Alguns contrapontos foram vividos, quando muitos desejavam aula de informática, técnica pela técnica, estávamos a discutir as abordagens didáticas- metodológicas, com o foco no desenvolvimento de projetos contextualizados e interdisciplinares, com o exemplo : Leitor cidadão do Mundo, eleição e cidadania – Ltnet Brasil, River Walk (2004)[6] em que os problemas locais invadiam o mundo virtual – falar da problemática de um Rio Jaguaribe,  de uma comunidade engajada que inspirava estudos fora do país - a denuncia e anúncio envolveu outras escolas do Ceará com a mesma problemática como Rio Cocó.

Além de projetos engajados, algumas crises foram vivenciadas, desde a precarização trabalho no setor privado - conflitos pessoais e profissionais marcaram outro ciclo – como peça no mercado. E, ao relatar essa arte do se refazer saio do setor privado, encontro-me no aprofundamento dos projetos, ampliando as práticas sociais com as TIC e o Coempreender ( estudos do Doutorado) – para mobilizar uma geração C5 com jovens do Ceará e de Portugal ( Souza, 2014)

 

Relatar estes passos do caminho pedagógico foi fundamental, para interpretar essas mudanças tecnológicas  - desde o disquete até a computação em nuvem. Em que o importante de todas as formações continuadas foi o buscar e somar experiências com educadores cearenses, um exemplo disso  foi o trabalho coletivo(Souza, et al, 2016). Os desafios eram sempre não falar das mudanças tecnológicas, sim dos educadores(as) e dos jovens com novas  metodologias possíveis, para uma Escola Espaço de Reflexão, como ilustramos na imagem 1, a seguir, quando no evento síncrono (2020) os educadores do passado e do presente puderam discutir sobre equidade, inclusão e empoderamento na educação pública.

Imagem 1  - Vozes que ecoaram nos percursos formativos

 

 

Fonte : Elaboração da autora ( Souza, 2020)

Todo esse movimento  estimulou a participar da comunidade de pesquisa Colearn ( Open University/UK) e nos levou a criticar conceitos, somar ideias, remixar matrizes ( Souza, Okada e Silva 2014) , sem esquecer os conceitos apresentados por  Silva ( 2008) sobre as ecologias comunicacionais, pois foi durante os debates assíncronos que evidenciamos a necessidade de ampliar a discussão “quem sabe, não consigamos juntos nos convencermos”, isso nos engajou para a necessidade de debates síncronos. E, fazer isso na época  com países diferentes era um desafio – devido as dificuldades de acesso( Brasil/ Londres/ Portugal).

Aqui, para melhor explanar esse movimento comunicacional que foi se construindo neste contexto educacional - recorro a outra metáfora - A Samaumeira - árvore centenária da Amazônia, que na tradição dos povos originários é a  responsável pela comunicação na floresta.  Atualmente,  devido ao desmatamento pode ser extinta,  e com ela a riqueza da comunicação daquela cultura.

Com isso, reconhecemos a comunicação como uma necessidade que está marcada em nossa construção social e cultural, que evidencia a forma como nos organizamos. Atualmente, nosso maior canal de comunicação é a internet. Por meio,  deste meio ampliamos possibilidades comunicativas. Ao trazer essa linha comparativa, enquanto a milenar Samaumeira é o canal dos povos originários, o ciberespaço com apenas 30 anos – revoluciona nosso estilo de vida, com outros hábitos, fluxos velozes de relacionamentos. Tudo isso exige de nós o mesmo cuidado da comunicação ancestral, para que em forma de eco possa ganhar distâncias e transmitir informação.

Imagem 2 - Árvore Samaumeira  ( Amazônia)

 

Fonte:  Elaboração própria – Durante - Viagem  Amazônia  

Imagem 3 – Imagens de Webconferências

Fonte:  Elaboração própria – Eventos Síncronos Zoom e Google Meet (Souza, 2020)

Essas duas imagens ( Imagem 1 e 2), nos auxilia a perceber a rapidez das mudanças nas formas de comunicação, enquanto os povos originários esperavam interpretar eco, atualmente temos uma multireferencialidade para propagar diversos sentidos , por meio de sons, imagens, vídeos, expressões corporais que  podem ser vistas, sentidas a quilômetros.

Nesta pandemia tivemos conectados no trabalho, nas formações, nas festas, como também nas despedidas, nas ritos de Páscoa, que por meio deste novo canal – possibilitou “o estar junto”  mesmo em tempos e espaços diferentes. Sessões com a utilização de interfaces tecnológicas síncronas se espalharam pelo mundo para conectar pessoas que tinham a vontade de estar juntas e não podiam devido ao momento pandêmico.

E, depois deste relato, podemos dizer que esses caminhos pedagógicos foram ubíquos?

Bem, nestes momentos de pandemia - COVID19,  com todo esse aparato  tecnológico, constatamos que  encontramos a ubiquidade quando nos sentimos pertencentes,  quando existe a interatividade, quando transcendemos o espaço e o tempo, com o desejo de estar lá (ECO transmitido da Samaumeira) interagindo nos múltiplos polos de comunicação. Por isso, podemos voltar aos territórios de comunicação interpessoal e dizer que não basta ter o canal tecnológico digital, é necessário uma lente ecológica L. Boff( 2014) ampliando nossas sociabilidades, o saber cuidar, o saber comunicar, buscando a essência do ser ubíquo num trabalho ético de se implicar em formar e se formar para aprender na/com a rede.

 

[1] SANTAELLA, Lucia, Comunicação Ubíqua - Repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Editora Paulus, 2013, 1ª. Edição

[2] Mattos e Junqueira (2017) Cibercultura: Aspectos teóricos e práticas. In : MARCAL, Edgar. et al. (Org.) Sistemas e Midias Digitais. Campinas, SP: Pontes Editores, 2017.

[3] Word Wide Web  ( Berners- Lee, 1989)

[4] Santos, Edmea e Rangel, Leonardo (2020) O caminhar na educação [e-book] : narrativas de aprendizagens, pesquisa e formação.  Ponta Grossa, PR: Atena, 2020. Acesso 13.09.2020.

[5] Souza (2020) Janguadas Ubíquas: do sertão ao mundo (org). Karine Pinheiro de Souza. –Fortaleza: INESP, 2020. (prelo) 

[6] JUNQUEIRA, Eduardo S. Tensões entre a modernização e a realidade heterogênea da educação: uma análise da implementação do PROINFO no contexto da escola pública.

 

 

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Como citar este artigo:

SOUZA, Karine Pinheiro de. Para uma nova experiência humana: a ubiquidade. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, setembro de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Oliveira dos Santos