Formação de professores na perspectiva étnico-racial no Edmodo

2020-08-12

Autoria: Nathalia de Souza Silva, Sabrina Pacheco de Lima e Marcos Vinícius Lopes Menezes Pinheiro

Diante da emergência dos atuais fenômenos da cibercultura, da visibilidade das desigualdades raciais e dos casos de violência enfrentados pela população negra, em tempos de pandemia do novo coronavírus, torna-se  cada vez mais urgente o debate sobre as relações étnico-raciais.  Analisando o cenário que nos apresenta e refletindo sobre a nossa formação e atuação docente e sobre os sujeitos que queremos formar, percebemos a necessidade da formação de professores para as questões raciais. A formação docente em nosso país carece de um currículo cada vez mais voltado às temáticas sociais e ao enfrentamento das estruturas que atuam de forma histórica a inibir ou silenciar o debate sobre questões tão importantes quanto a educação antirracista. Portanto, consideramos importante contribuirmos para a construção de uma educação antirracista compartilhando a nossa experiência de criação de um desenho didático com uma perspectiva decolonial e antirracista na interface do aplicativo Edmodo.

O desenho didático é a arquitetura de conteúdos e situações de aprendizagem para estruturar uma sala de aula online, contemplando as interfaces de conteúdo e de comunicação(SANTOS; SILVA, 2009, p. 276).

Partindo do ponto em que estamos imersos na cibercultura e cada vez mais as tecnologias digitais em rede nos possibilitam uma maior interatividade, conexão e acesso às mais diversas culturas, pensamos na utilização desses dispositivos para a construção de um potente artefato curricular para discussão das relações étnico-raciais na formação dos nossos pares. A produção de artefatos curriculares que oportunizam o debate deste assunto na educação online (SANTOS, 2019) torna-se imprescindível diante do cenário triste e atual que permeia a nossa realidade como sociedade estruturada pelo racismo.

Na atual fase da cibercultura, vivenciamos a mobilidade e a ubiquidade com nossos dispositivos móveis (notebooks, smartphones, tablets) conectados à internet (SANTOS, 2019). Uma infinidade de aplicativos surgem para nos ajudar e facilitar o nosso dia-a-dia e muitos deles podem ser utilizados para potencializar o ensinoaprendizagem na sala de aula presencial e online, proporcionando experiências formativas que estimulem a criatividade e a autoria de professores e alunos na produção do conhecimento. Temos a disposição diferentes aplicativos que podem ser utilizados como ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), nos possibilitando arquitetar desenhos didáticos hipertextuais e interativos (SANTOS; SILVA, 2009).

No primeiro semestre de 2019, como projeto final da disciplina optativa “Tópicos Especiais em Educação à Distância”, ministrada pela professora Edméa Santos na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), desenvolvemos um desenho didático para um curso online utilizando a interface do aplicativo Edmodo. “Direitos Humanos: Relações Étnico-Raciais e Mídias Sociais” é o título do curso e o tema escolhido surgiu a partir da nossa implicação com a invisibilidade de autores negros na formação de professores, principalmente nos cursos de graduação.

Antes de iniciarmos a apresentação do desenho didático é importante destacarmos que a construção e autoria do curso é coletiva. Além da nossa parceria em trio como autores deste projeto, contamos com a colaboração do GPDOC - Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura. Ter a participação dos integrantes do grupo de pesquisa, a professora Edméa Santos, a mestranda Fernanda Monzato e os doutorandos  Sandro Ribeiro e Wallace Almeida em nossa disciplina (alunos do PPGEDUC/UFRRJ e professores das redes municipais e estadual do Rio de Janeiro), que nos auxiliaram na elaboração deste projeto final foi uma experiência valiosa de compartilhamento de saberes que enriqueceram a nossa formação docente e estabeleceram os nossos vínculos de amizade.

Neste sentido, precisamos nos recordar do dia em que o professor doutorando Sandro Ribeiro deu uma aula sobre como utilizar o aplicativo Edmodo, conhecido como “Facebook da Educação”, nos ensinando sobre as suas funcionalidades, ajudando-nos com todas as nossas dúvidas e inquietações. Aquela ambiência formativa em que estávamos todos imersos nos atingiu de uma forma muito potente. O diálogo com a professora e seus mestrandos e doutorandos marcaram a nossa trajetória na disciplina, bem como a nossa prática pedagógica enquanto docentes em formação. Ao mesmo momento em que buscamos formar os outros, nós nos formamos com eles, em diálogo constante e cocriação de artefatos educacionais (SANTOS, 2019).

Com a proposição da atividade final a ser realizada com o tema dos direitos humanos para a criação de um curso, inspirado nos princípios da educação online, nos recordamos da disciplina obrigatória de “Educação e Relações Étnico-raciais” e vimos a oportunidade de abordar uma temática que apesar de antiga, continua atual: o racismo. Textos, anotações, áudios, lembranças e memórias compunham o nosso primeiro momento de criação, de pensarmos possibilidades e potências para o nosso desenho didático que se projetava desde aquele primeiro momento como interativo e denso.

Para arquitetura do nosso desenho didático utilizamos o aplicativo Edmodo, uma interface digital que pode ser usada por professores e alunos como AVA e que  possui versão em aplicativo podendo ser instalado gratuitamente em dispositivos móveis ou ser acessado através de seu site na web. Nessa interface, é possível criar turmas que podem ser acessadas somente por alunos convidados, também é possível anexar arquivos, criar bibliotecas, anunciar tarefas, separar a turma em grupos de trabalho, entre outras funcionalidades que podem ser utilizadas para potencializar o ensinoaprendizagem. Por ser uma Interface bastante similar a rede social Facebook em seu design, a sua utilização por nós foi bastante intuitiva.

Sob a perspectiva da educação online como fenômeno da cibercultura, nosso desenho didático criado como um AVA (SANTOS, 2019), possibilita aos participantes aprender e produzir conhecimento, apresentando o conteúdo de forma simples, objetiva e hipertextual, propondo atividades e avaliações da aprendizagem com uma comunicação interativa.

 

 

Fonte: Arquivo pessoal de Nathalia Silva

 

A disciplina “Direitos Humanos: Relações Étnico-Raciais e Mídias Sociais” apresenta um desenho didático arquitetado com postagens em que os participantes podem comentar, opinar e interagir. Deste modo, o desenho tem as seguintes postagens: Apresentação do curso, Estrutura do módulo, Objetivos, Ementa, Conteúdos, Roteiro de atividades, Fóruns de discussão, Atividade de Produção de Vídeos, Avaliação e Referências.  Iremos agora apresentar de forma breve cada momento do nosso desenho didático.

A apresentação do curso é um momento importante para iniciar uma convivência formativa, por isso, optamos por convidar nossos cursistas a todo momento para uma prática reflexiva. Na apresentação do nosso curso, nós buscamos inserir elementos centrais, em nossa perspectiva, para ampliar o olhar dos profissionais da educação para a questão racial e o uso político das mídias sociais, fazendo uma reflexão sobre a nossa sociedade historicamente marcada pelo racismo e por opressões para com a população afro-brasileira. Trazemos em nosso texto, questionamentos e inquietações com a intenção de provocar os alunos cursistas acerca do tema. Conforme apresentamos anteriormente, estamos imersos na Cibercultura, e por consequência, estamos em ambientes tomados pela audiovisualidade, pela hipertextualidade que promove conexões entre textos, imagens, áudios e vídeos. Neste sentido, apresentamos imagens de pessoas negras em um protesto. Simbolicamente esta é uma das facetas de nosso curso, ser um ato de construção de novas realidades.

Informar a estrutura do módulo (curso), traçar os objetivos do curso, a ementa e apresentá-los no desenho didático é fundamental para que os alunos compreendam o funcionamento, cronograma, proposição e finalidade do curso. Não prevemos um curso de longa duração, mas que alcançasse os objetivos e oferecesse uma aprendizagem significativa. Dentre os objetivos delineados para o nosso desenho didático está a busca pela compreensão das causas da invisibilidade de autores e autoras negros afro-brasileiros, bem como compreender as práticas e atos de racismo e suas implicações com os processos de colonização praticados na sociedade brasileira, analisar como as mídias sociais discutem as relações étnico-raciais na educação e produzir artefatos tecnológicos (SANTOS, 2019) que discutam o tema.

A nossa ementa do curso apresenta de forma sucinta e explícita o direcionamento que buscamos dar ao curso, isto é, compreender qual é o processo histórico que gera a invisibilidade das pessoas negras na sociedade brasileira, ressaltando esse processo no ambiente acadêmico. Para isso, propomos uma experiência que trouxesse para os nossos pares a compreensão de como o racismo é estruturado em nossa sociedade. No entanto, para chegar a este entendimento, tivemos a intenção de trazer à reflexão a necessidade de cada um de nós, como indivíduos, de descolonizarmos nossas mentes e corações, nos conscientizarmos da nossa história e raízes como nação colonizada.

Os conteúdos do curso estão divididos em duas unidades didáticas: a primeira unidade, aborda o Racismo e a Descolonização. Indicamos a leitura de um capítulo do livro “Paulo Freire e Amílcar Cabral - A descolonização das mentes”  (ROMÃO; GADOTTI, 2012) para auxiliar a nossa discussão sobre a descolonização das mentes, e também são apresentados dois vídeos com a participação de Maria Sylvia e Helena Teodoro; Djamila Ribeiro, Taís Araújo; Preta-Rara e Nilma Lino Gomes que discutem como o racismo se estruturou na sociedade brasileira, durante e após a escravidão.

A segunda unidade, aborda o negro na mídia e as narrativas audiovisuais nas mídias sociais. Como leitura, recomendamos a leitura do artigo “O Negro e a Mídia: novas possibilidades de referências identificatórias nas redes sociais” (BARRETO, CECCARELLI, LOBO, 2017) para discutirmos o negro na mídia, e apresentamos o vídeo com a Conceição Evaristo, escritora negra, que representa a força da Literatura afro-brasileira, bem como a sua narrativa nos possibilita ter um melhor entendimento acerca das questões raciais precursoras às nossas inquietações.

O Roteiro de atividades foi pensado para que o curso se desenvolva de forma a favorecer a liberdade no tempo e na forma como cada cursista experiencia este momento de formação. Entretanto apontamos que “Entendemos que cada um tem seu tempo e nós respeitamos o tempo de cada cursista. Mas, recomendamos que as atividades não sejam acumuladas”. Significa, portanto, que o Roteiro tem o objetivo de ajudar o cursista na organização dos estudos.

Os Fóruns de Discussão é um espaço de construção do conhecimento, aprendizagem e formação que pensamos e criamos dentro do desenho didático do curso. É neste espaço de interatividade e compartilhamento de ideias, saberes e experiências que a construção formativa acontece. Nossa disciplina aborda questões étnico-raciais, de racismo estrutural e o papel das mídias dentro deste contexto. Então, trabalhamos nos fóruns indagações, perguntas que levam a reflexão e a busca de conhecimento para tais respostas. Propomos neste espaço vídeos e leituras que auxiliam na construção de ideias e propiciam conhecimentos à respeito dos temas abordados.  Neste espaço de formação os alunos podem discutir sobre os textos, falar sobre suas dúvidas, dialogar, realizar debates teóricos e produzir.

A atividade de produção de vídeos é o momento em que convidamos os nossos alunos para usarem a criatividade na criação de vídeos que devem ser postados em suas redes sociais e no Edmodo, apresentando produções de artistas, intelectuais, pintores, professores ou autores negros que não são divulgados pela mídia para dar visibilidade às suas obras nas redes.

As avaliações acontecerão de acordo com a observação das interações e contribuições dos participantes em cada unidade. As atividades são pontuadas na escala de 0 a 100, onde na primeira unidade se tem 40 pontos e na segunda unidade 60 pontos. Entendemos que para a aprendizagem ser efetiva e para que haja trocas e construções é necessária a participação online pautada na interatividade e diálogos entre professores e colegas de turma e participação na produção da atividade proposta.

Saiba mais! Neste espaço, os cursistas podem compartilhar textos, imagens, vídeos, memes, gifs, para colaborar com a formação de seus colegas e professores. Aliás, o curso é projetado para a interatividade. Sendo assim, o espaço para construção coletiva de uma biblioteca do curso é muito importante.

Todas as referências utilizadas para a composição do desenho didático do curso foram explicitadas no espaço “referências” através de links, dentre eles os vídeos e textos utilizados.

Esperamos que a partilha dessa nossa experiência de prática pedagógica com o uso de aplicativos possa inspirar outros docentes na criação de desenhos didáticos com diferentes temáticas. Tendo em vista, a nova cena sociotécnica e a atual situação educacional em que se encontra a escola, a universidade e outros espaços de formação, onde não se faz possível um ensino presencial, podemos lançar mão das potencialidades da cibercultura para educar em nosso tempo (SANTOS, 2019).

 

Referências

BARRETO, Robenilson M.; CECCARELLI, Paulo Roberto; LOBO, Warlington L. O Negro e a Mídia: novas possibilidades de referências identificatórias nas redes sociais. In: Conversas Transversalizantes entre Psicologia Política, Social-Comunitária e Institucional com os Campos da Educação, Saúde e Direitos. V. 7. Org.: Flávia Cristina Silveira Lemos ([et al.]. - 1. ed. – Curitiba: CRV, pp. 709-718, 2017.

ROMÃO, José E.; GADOTTI, Moacir. Paulo Freire e Amílcar Cabral: a descolonização das mentes. São Paulo: Editora e livraria Instituto Paulo Freire, 2012.

SANTOS, Edméa O. Pesquisa-formação na cibercultura. 1ª edição. Teresina: EDUFPI, 2019.

SANTOS, Edméa O.; SILVA, Marco. O Desenho Didático Interativo na Educação Online. Revista Iberoamericana de Educación. N.º 49 (2009), pp. 267-287.

SILVA, Marcos; SANTOS, Edméa. Conteúdos de aprendizagem na educação on-line: inspirar-se no hipertexto. Educação & Linguagem, v.12, n.19, 2009, p. 124-142.

 

_______________________

Como citar este artigo:

SILVA, Nathalia de Souza; LIMA, Sabrina de PAcheco; e PINHEIRO, Marcos Vinícius Lopes Menezes. Formação de professores na perspectiva étnico-racial no Edmodo. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, agosto de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe da Silva Ponte de CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Oliveira dos Santos