Ciberfeminismo em tempos de pandemia Covid-19: lives (trans)feministas

2020-07-06

Autoria: Edméa Santos, Terezinha Fernandes e Sara Wagner York

 

1 As lives como espaços multirreferenciais na cibercultura

O texto em forma de ensaio livre tem como objetivo abordar o fenômeno das lives praticadas por (trans)feministas principalmente nos meses de maio e junho de 2020, no período da quarentena da COVID-19 no Brasil. Compartilha e comenta algumas lives de feministas plurais que debateram temas variados de interesse público, criando ambiências formativas e de aprendizagens em rede no ciberespaço.  Partilhamos nossa experiência com algumas lives, também para inspirar atos de currículos, eventos e práticas críticas na cibercultura. Constatamos que o formato das lives extrapola o da comunicação entre pares, pois pode atingir diferentes públicos em razão da comunicação didática de conteúdos científicos em formato de vídeo para audiência síncrona e assíncrona.

As tecnologias digitais em rede - que se materializam em diversos suportes, plataformas e sistemas lógicos – em interface com as cidades, o ciberespaço e os artefatos técnico culturais - vem instituindo cotidianamente a cultura contemporânea, cultura digital ou cibercultura como preferimos nomear. Esse híbrido entre territórios físicos, eletrônicos e simbólicos, portanto representativo, configura o contexto onde diversos fenômenos vêm emergindo, modificando e produzindo novos arranjos às expressões de cidadanidade (FRANÇA, 2018), práticas culturais e processos educacionais, protagonizados por adultos, crianças e jovens. A cibercultura é a cultura contemporânea que revoluciona a comunicação, a produção e circulação em rede de informações e conhecimentos na interface cidade–ciberespaço. Novos arranjos espaço-temporais emergem e com eles novas práticas de pesquisa e formação (SANTOS, 2019).

Estamos estudando um dos fenômenos da cibercultura conhecido como ciberfeminismo. Para nós ciberfeminismo são práticas da “explosão feminista” (BUARQUE DE HOLANDA, 2018) que lançam mão de dispositivos e interfaces do ciberespaço para materializar debates e ativismos (trans)feministas. Seja por coletivos ou ações individualizadas de pessoas que se autodeclaram (trans)feministas. No guarda-chuva dos feminismos de quarta onde na “explosão feminista”, o ciberespaço aparece como campo, objeto e dispositivo de debates, lutas e ações nos novos ativismos insurgentes. “(...) novos ativismos insurgentes é exatamente aquele que privilegia a autonomia e a ação direta entre pares.  Este sim é o grande poder das redes”. (BUARQUE DE HOLANDA, 2018, p. 44). Em linhas gerais, reconhecemos o ciberespaço como um espaço multirreferencial de aprendizagem.

Tal acontecimento vem promovendo a legitimação de novos espaços de aprendizagem, espaços esses que tentam “fugir do reducionismo que separa os ambientes de produção e os de aprendizagem (...), espaços que articulam, intencionalmente, processos de aprendizagem e de trabalho” (BURNHAM, 1998, p. 299) e também de enfrentamento. A noção de espaço de aprendizagem vai além dos limites do conceito de espaço/lugar. Com a emergência da “sociedade em rede”, novos espaços digitais, a exemplo das redes sociais da internet vêm se estabelecendo a partir do acesso e do uso criativo do digital em rede.

 Novas relações com o saber vão se instituindo num processo híbrido entre ciberhumanos (HARAWAY, 2000) e objetos técnicos, tecendo conhecimentos em rede. Espaços multirreferenciais de aprendizagem são para nós em potência, ambiências formativas. Para que a diversidade de linguagens, produções e experiências de vida sejam de fato contempladas de forma multirreferencializada, nos e pelos espaços de aprendizagem, assim, os saberes ganham visibilidade e mobilidade, ou seja, os praticantes culturais precisam ter sua alteridade reconhecida, sentindo-se implicados numa produção coletiva, dinâmica e interativa que rompa com os limites do espaço geográfico e do tempo.

 

2 Lives como dispositivos de atuação online

Os usos de dispositivos digitais, forjam coletivos, metodologias, múltiplas linguagens e dispositivos de atuação online. “(...) Talvez, somente agora, a partir de modos de fala e uso das vozes individuais em rede, o feminismo tenha conseguindo encontrar um modelo de comunicação efetivamente contagioso”. (BUARQUE DE HOLANDA, 2018, p. 47). Sendo a cibercultura o contexto atual, não podemos pesquisar sem a efetiva imersão em suas práticas. No contexto da pandemia COVID-19, as lives se configuraram como importantes espaços multirreferenciais de aprendizagens e também campos de pesquisa. Além de serem meios de comunicação “contagiosos”, ou seja, viralizaram com muita força nas redes, atingindo públicos e interesses variados. O que são exatamente as lives? Então assim conceituamos lives como:

Lives são transmissões síncronas de conteúdo em forma vídeo online. Esses vídeos se materializam em diversas metodologias. Transmissões de conteúdos individuais e ou coletivos. Muitas vezes, com interação direta em diferentes plataformas e redes sociais ou em convergências com outras interfaces de textos, a exemplo dos chats (salas de bate-papo). No meio acadêmico, essas lives vêm levando e reconfigurando para o ciberespaço eventos científicos já praticados em nossas universidades: palestras, conferências, mesas, rodas de conversas, encontros de e entre grupos de pesquisa, aulas, entrevistas. A diferença agora é que estamos geograficamente dispersos e praticando outras formas de presencialidades em rede. Essas presencialidades são coletivas e atingem um grande público. (SANTOS, 2020 – Online).

A comunicação síncrona (ao vivo) é a marca das lives. Entretanto, sua potência de comunicação também é assíncrona (acesso em diferentes tempos), uma vez que as lives podem ser gravadas (record) e disponibilizadas no ciberespaço em diferentes plataformas (KJUS, 2018). A gravação da live a transforma em um “artefato curricular” e ou cultural em potência, ou seja, podemos reutilizá-las em nossas aulas, atividades formativas ou para uso privado e auto estudo. Além dos usos pedagógicos e curriculares que podem fazer com os acervos das lives, nos interessa compreender como que os coletivos e pessoas lançam mão do ciberespaço numa perspectiva crítica.

Vamos conversar sobre esse fenômeno? Com o objetivo de partilhar a nossa experiência com lives ciberfeministas de maio e junho, partilhamos, com você leitor, algumas delas.  Participamos não como mediadoras diretas, mas como intelectuais públicas (trans)feministas, interessadas pelo tema dos feminismos plurais e sobretudo interessadas nas aprendizagens mediadas por pessoas que mobilizam multiletramentos críticos em contextos ciberfeministas. Como usam o digital em rede? De que forma? Que aprendizagens? Que usos? Vejamos a seguir, algumas lives que assistimos e que, para nós, representam bem a “explosão feminista” em tempos da pandemia COVID-19.

 

2.1 Feminismos, com Heloisa Buarque de Hollanda e Djamila Ribeiro

Link: <https://www.youtube.com/watch?v=0GuouZGQFfE&t=42s&frags=pl%2Cwn>

Para Heloísa Buarque de Holanda a universidade abriu espaço para a entrada de mulheres negras pela via das cotas, mas não deu acesso à voz a estas mulheres. Então dizemos seguindo as noções de Spivak (2010), ninguém dá voz, a quem já tem, oferecemos escutas. As mulheres negras na universidade precisam embranquecer e virar homens para falar sobre feminismos negros e as mulheres brancas precisam virar homens para competir em nível de igualdade na academia. As instituições são brancas, masculinistas, logo machistas, capacististas logo meritocráticas e colonialmente brancas, portanto racistas e se não mexermos com a estrutura do seu funcionamento e valores sóciorrelacionais as mulheres (cisgêneras, transgêneras e/ou travestis) continuarão sendo apenas objeto de estudo, por isso a necessidade da militância, tecendo fios não alargados quanto a racialidade.

Para a autora é importante mudar o conteúdo, mas mudar a estrutura é urgente e necessário. Os estudos teóricos são importantes, mas apenas eles não respondem às demandas das comunidades em tempos de pandemia, porque não estamos lá ouvindo estas mulheres e suas necessidades, precisamos estar envolvidas nestas lutas, em especial junto às mulheres das periferias. E foi reconhecendo tais questões que a autora criou o Laboratório Feminista na Quebrada, espaço em que dialoga com a vida de mulheres da periferia e suas ações cotidianas.

Djamila Ribeiro ressalta a importância de mulheres brancas e negras pesquisarem os feminismos mas, sobretudo, é necessário que haja a tomada de consciência da importância de ocupação deste espaço de discussão que é a academia como um espaço de poder racializado e as políticas públicas de acesso de mulheres negras à universidade vêm mudando o cenário da invisibilidade destas mulheres. Antes conhecíamos feministas negras na militância e não na academia, porque lá não havia espaço para esses estudos, uma vez que é majoritariamente branca e masculina, hoje já se tem uma pluralidade de vozes discutindo esses temas. Ainda falta compreensão do que é o feminismo negro e feminismo decolonial, pois os estudos sempre partiram de mulheres feministas do norte global, daí a importância de olhar para a produção das mulheres feministas do sul global, como as latinas e caribenhas. É necessário enfrentar o eurocentrismo sem ter que embranquer, mesmo sabendo que estrategicamente na academia é preciso começar estudando feministas brancas para entrar na sua estrutura e depois acessar o legado de luta e resistência negra, para refutar o jeito branco de manter esta estrutura. Reconhece ser inegável a importância das políticas públicas para romper com as políticas de exclusão na universidade.

A autora destaca que também é de extrema relevância o exercício da escuta e as aprendizagens com as existências e saberes das mulheres negras, para além do que se estuda na academia. Dialogar com os saberes das avós, dos terreiros, das mulheres que lutam por creches desde os nos anos 80, enfim, é necessário aprender com elas, mais do que ensinar. Mas reconhece que o saber da academia é fundamental, já que é uma luta histórica de um grupo alijado deste processo, são relações muito mais dialéticas do que dicotômicas, por isso, reforça que o saber da academia é um legado de resistência das mulheres das periferias, um lugar de reflexão sobre como esses conhecimentos nos constituem.

 

2.2 Sara Wagner York conversa com Thais.Beto

Link: <https://www.instagram.com/p/B_g6re4JuLu/>

Thaís.Beto é a marca que Thais Emilia Santos prefere usar e ser identificada. Beto na verdade é o seu companheiro e parceiro na luta pelos direitos de pessoas Intersexo (sempre com “I” maiúsculo, numa conversa tensionada a partir de hooks). Companheiro que durante muito tempo a acompanhou em diferentes atividades em várias cidades e em diversos territórios físicos. A vida da Thais estava literalmente em risco. Vítima de um casamento abusivo e de uma relação tóxica em seu primeiro casamento, Thais.Beto em conversa com Sara Wagner York lançou mão da narrativa autobiográfica para tratar de temas recorrentes ligados ao machismo e ao patriarcado. A live é uma verdadeira aula do que Buarque de Holanda (2018) nomeia como “feminismos da diferença”.

Nesta live, Thais nos conta a sua história. Abusada em sua juventude, revelou estatísticas de violência sexual que normalmente acontece em contextos domésticos, cujo agressor faz parte da família ou do ciclo mais direto da vítima. Relatou situações de abuso no casamento e nas primeiras experiências de maternidade. A história de vida foi diretamente relacionada com referenciais teóricos de estudos de gênero, uma vez que a live também apresentou o livro “Jacob(y), “entre os sexos” e cardiopatas, o que o fez Anjo?“ (2020), livro que recomendamos, inclusive. Sara Wagner York é autora do prefácio do livro e revisora do texto, que tem o diário de vida como gênero discursivo. “Jacoby” a criança que protagoniza a obra é uma criança Intersexo que veio a óbito por ter nascido cardiopata grave.

 O empoderamento de Thaís.Beto vem também da sua experiência como mãe, ativista e intelectual feminista que se implica com a causa das pessoas Intersexo diretamente ligada à sua experiência de maternidade. A luta pela vida de Jacoby, seu filho contou com a presença de diversos parceiros, mas também com diferentes lutas travadas socialmente, inclusive na dimensão dos direitos civis. A live também contou com presença de seu advogado, que a acompanha há muitos anos. Um fecundo debate sobre feminismo e estudos de gênero se materializou neste live, sobretudo pelo que nos alerta Buarque de Holanda:

Os feminismos da diferença assumiram vitoriosos, em seus lugares de fala, como uma das mais legitimas disputas que têm pela frente. Por outro lado, vejo claramente a existência de uma nova geração política, na qual se incluem as feministas, como estratégias práticas criando formas de organização desconhecidas para mim, autônomas, desprezando a mediação representativa, sem lideranças e protagonismos, baseadas em narrativas de si, de experiências pessoais que ecoam coletivas, valorizando mais a ética do que a ideologia, mais a insurgência do que a revolução. (BUARQUE DE HOLANDA, 2018, p. 12).

Tanto Thaís.Beto quanto Sara Wagner York são (trans)feministas da diferença, ou o que Sara tem chamado, feminismo Intersexo (YORK, 2020). A primeira é uma mulher Intersexo que luta pelo empoderamento feminino e pelos direitos civis de pessoas Intersexo. Sara Wagner York é uma mulher trans/travesti que luta pela causa trans e por currículos inclusivos, atuando diretamente na autoria de dispositivos de pesquisa e formação que desmistifiquem preconceitos, denunciem violências e que promovam inclusões sociais mais amplas. Ambas são mulheres acadêmicas e professoras que lançam mão de suas histórias de vida como dispositivos para a insurgência de ambiências formativas em rede e nas redes. Não à toa, Sara Wagner York se identifica como travesti da Educação e (atuante) na Educação.

 

 

2.3 Djamila Ribeiro conversa com Ruby Bridges

Link: <https://www.instagram.com/p/CBgpxhfgdFx/>

Djamila Ribeiro (Brasil) conversa com Ruby Bridges (Estados Unidos) e diversos temas no campo dos estudos sobre racismo emergem dessa conversa. Destacamos aqui, a importância que Ruby Bridges deu a sua professora branca em sua história de vida e formação.  Ruby Bridges, entrou para a história porque foi vítima de racismo. Foi a primeira criança negra a estudar em uma escola branca no estado da Lousiana - Mississipi. Supremacistas brancos e cristãos manifestaram-se contra a presença dela na escola. Professores locais pediram demissão. Mas nada disso afastou a então criança da escola. Além do apoio dado a família, por diversos agentes sociais, uma professora branca veio de outra região e assumiu a classe educando formalmente Rubi Bridges. A então professora é citada com muito carinho, dando destaque a sua generosidade, solidariedade e profissionalismo.

No texto que apresenta a live, Djamila Ribeiro agradece o ator Bruno Gagliasso “Hoje compartilho a íntegra desse diálogo. Renovo meus agradecimentos ao queridíssimo parceiro @brunogagliasso pela ponte tão bela, potente e inesquecível”. Mas o que justifica pessoas negras darem destaques e agradecerem a pessoas brancas? Na literatura especializada, o tema do “aliado” nos interessa sobremaneira. Acreditamos que sem aliados brancos, que reconhecem seus privilégios históricos em relação a pessoas negras, não poderíamos ter conquistado ontem e atualmente o debate crítico e a luta antirracista. Afinal, o racismo é um problema dos brancos como afirmou Tony Morrison. Por outro lado, a histórica disputa entre mulheres brancas e negras, imprimiram resistências e desconfianças das mulheres negras para com as mulheres brancas. Nos alerta hooks:

Precisamos investigar porque de repente perdemos a capacidade de exercer a habilidade e o carinho quando confrontamos umas às outras de um lado ou do outro das diferenças de raça e de classe. (...). Temos que produzir mais trabalhos escritos e testemunhos orais que documentem as maneiras pelas quais as barreiras são derrubadas, as coalizões se formam e a solidariedade é partilhada. São estes dados que vão renovar a esperança e proporcionar estratégias e direções para o movimento feminista do futuro. (HOOKS, 2017, p. 148).

A live em questão é um belo exemplo de testemunho oral de alguém que só teve a compreensão do racismo sofrido em sua infância, porque apesar da violência sofrida foi também acolhida não só por pessoas e movimentos antirracistas negros, mas também por memórias de bons diálogos com processos formativos fecundos mediados em sua infância por uma professora branca antirracista. Em seu mais recente livro, Ribeiro destaca também: “Pessoas brancas devem se responsabilizar criticamente pelo sistema de opressão que as privilegia historicamente, produzindo desigualdades, e pessoas negras podem se conscientizar dos processos históricos, para não reproduzi-los”. (RIBEIRO, 2019, p. 36). 

 

2.4 Jornada Feminismos Plurais - Colorismo com Alessandra Devusky e Djamila Ribeiro

Link: <https://www.youtube.com/watch?v=4_u2mRK0Rr0>

Tema que nos implica diretamente, o colorismo é um tema muito oportuno para entendermos as diferentes formas de expressões do racismo e dos privilégios que pessoas negras de pele não retinta vivenciam em relação a pessoas negras de pele retinta e que também apresentam feições menos europeias ou padronizadas esteticamente como brancas, logo, sinônimo de “belo, normal e aceito”. No Brasil, a miscigenação tem origem na cultura do estupro praticada por homens brancos durante mais de 300 anos de escravização e não escravidão. Dentro do próprio projeto de escravização o colorismo foi usado como método de desarticulação do povo negro. Uma pessoa de pele clara, recebia vantagens da casa grande e muitas vezes ocupava posições de pessoas brancas no lugar de opressor.  Após a abolição este processo continuou em curso por conta de práticas de eugenia, principalmente via políticas que favoreceram a imigração europeia e a exclusão intencional de pessoas negras libertas, que foram entregues a si mesmas, não usufruindo de políticas de inclusão sócio cultural, sendo sempre associadas a marginalização e a processos perversos de subjugação de suas identidades.  Pessoas negras de pele retinta foram associadas a perigo, feiura, subjugação por conta de seu fenótipo.

Obviamente, temos que considerar também as relações inter-raciais promovidas pela interação amorosa de pessoas de etnias distintas ao longo da história. Este processo de “colorismo”, aconteceu de diferentes formas em diferentes países e ou continentes. O ser “pardo” no Brasil nos apresenta uma complexidade enorme. A “parte” negra dessa mistura, muitas vezes foi e ainda é apagada via processos de socialização que privilegiaram apenas a cultura branca e suas marcas culturais. O racismo religioso, por exemplo, não só ignora as religiões de matrizes africanas como também as excluem e as desumanizam. De acordo com Piedade:

O Racismo Mata. Maltrata. Exclui. Sataniza. E olha que não fomos Nós que inventamos o demônio. Já foram combatidos pela colonização. Agora, somos atacados pelo fundamentalismo. Temos muros pichados, com dizeres demonizando nossa Fé. Desrespeito e discriminação no trabalho. Na rua. Nas escolas. Na vizinhança, tudo porque temos outra forma de ver o mundo, cujas origens e raízes são guardadas na matriz africana. O Racismo Religioso não nos dá tréguas. Por isso precisamos caminhar!. (PIEDADE, 2017, 37).

Por estas e outras situações, as pessoas de lidas como brancas e não retintas, muitas vezes são literalmente ignorantes, no sentido de desconhecer sua herança negra ancestral que se materializa pela exclusão da cultura e processo de subjetivação advindas dessa mesma ancestralidade. Alerta-nos Piedade:

Dororidade trata o seu texto, subtexto, das violências que nos atingem, a cada minuto. (...) Sororidade une, irmana, mas Não basta para Nós – Mulheres Pretas, Jovens Pretas. Eu falo de um lugar marcado pela ausência. Pelo silêncio histórico. Pelo não lugar. Pela invisibilidade de Não Ser, sendo. (PIEDADE, 2017, 16-17).

Na live em questão, estas e outras problemáticas são trazidas inclusive para recuperar o lugar de fala das pessoas negras de pela clara como pertencentes ao “povo negro”, pessoas de pela negra mais escuras, também tem dificuldades de reconhecer pessoas de pele negra mais claras, uma vez que estas últimas não passam pelos mesmos processos de dororidade, sofridos por pessoas negras de pele mais escura. Muitas mudanças vem acontecendo neste campo, graças a processos de formação ao longo da vida. As lives que emergem nestes tempos de pandemia, tem sido ambiências formativas fecundas para a insurgência desses processos formativos em rede.

 

2.5 Sororidade e Dororidade, juntas no combate da COVID 19! Vilma Piedade, SBPC-SC e Ciência da Ciência

Link: <https://www.youtube.com/watch?v=j5B1VGqFo3s&feature=youtu.be>

Quando falamos em sororidade e dororidade em tempos de pandemia, para Vilma Piededade, estamos também falando de solidariedade. Sororidade é a irmandade entre as mulheres na luta por seus direitos e, assim como a solidariedade, não tem cor. Porém, quando falamos em dororidade temos que pensar na questão racial e seus múltiplos atravessamentos. Pois o racismo é estrutural, institucional, histórico, linguístico, recreativo e constrói discursos racistas. Vilma Piedade destaca que, embora não tem o lugar de fala das comunidades e periferias do Rio de Janeiro, sabe que a sororidade e a solidariedade estão presentes nas práticas de mulheres durante a pandemia, na confecção de máscaras para doação, kits de cestas básicas, álcool em gel e ensinando a higienizar as mãos, por exemplo. Estas mulheres se unem pela dor provocada pelo machismo histórico, pois para mulheres pretas, para além disso, há as questões de raça, classe, gênero e racismo, como uma dor a mais, que as torna mais vulneráveis para determinadas situações que a pandemia escancara, como as desigualdades sociais e raciais.

É a sororidade na dororidade em tempos de pandemia, ou seja, em um momento de dor essas mulheres são capazes de gestos de solidariedade pegando uma na mão da outra para ajuda mútua. Por determinação da defensoria Pública da União (DPU) há que se declarar raça e cor de quem está morrendo de COVID-19, pois segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) o vírus é mais letal para a população preta e parda, pelas condições em que vivem e pela falta de acesso a serviços de saúde, e isso se agrava ainda mais para as mulheres. Por isso, elas lutam para transformar a sua dor em potência.

Para Vilma Piedade o conceito feminista de doridade traz consigo o silenciamento, a dor histórica, a vida e a invisibilidade dessas mulheres e dialoga com a sororidade entre elas. Dororidade está nas redes sociais e na boca de jovens em diferentes grupos como um conjunto de ideias e apropriações, para as quais “dororidade é a empatia entre mulheres negras unidas pelas suas dores comuns”.

 

Referências

BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão feminista. Arte, cultura, política e universidade. SP: Companhia das Letras, 2018.

BURNHAM, Teresinha Fróes. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar. In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves (org). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 35-55.

CRENSHAW, Kimberle. Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stan. L. Rev., v. 43, p. 1241, 1990.

FRANÇA, Alexandre Nabor Mathias. "Movimentos sociais e o Programa Rio Sem Homofobia: uma trajetória de luta por políticas públicas e o reconhecimento da cidadania LGBT no Rio de Janeiro." Rio de Janeiro (2018)

HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue. Antropologia do ciborgue. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir. A educação como prática da liberdade. SP: Editora Martins Fontes, 2017.

KJUS, Y. Live and Recorded. Music Experience in the Digital Millennium. Palgrave Macmillan, 2018. 

GEORGE, Orwell. 1984. Pandora's Box, 2017.

PIEDADE, Vilma. Dororidade. SP: Editora Nós, 2017.

SANTOS, Edméa. #livesdemaio... Educações em tempos de pandemia. Revista Docência e Cibercultura. Notícias Online, 2020.

SANTOS, Edméa. Pesquisa-formação na Cibercultura. Teresina. EDUFPI, 2019. Acesso gratuito na aba “Livros”, Disponível online:< www.edmeasantos.pro.br >.

SANTOS, Thais Emilia de Campos. Jacob (y), “Entre os sexos”e cardiopatas, o que o fez Anjo? SP: Scortecci, 2020.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar?. Editora UFMG, 2010.

YORK, Sara Wagner / GONÇALVES JR, Sara Wagner Pimenta. TIA, VOCÊ É HOMEM? Trans da/na educação: Des(a)fiando e ocupando os "cistemas" de Pós-Graduação. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2020.

 

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Como citar este artigo:

SANTOS, Edméa; FERNANDES, Teresinha; e YORK, Sara Wagner. Ciberfeminismo em tempos de pandemia Covid-19: lives (trans)feministas. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, agosto de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA. 

 

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe da Silva Ponte de Carvalho e Mariano Pimentel