A Formação à Distância de Educadores em Contexto Formal de Educação Museal Online: primeiras experiências da/com a Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (COEDU/MAST)

2023-09-04
O rápido e intenso desenvolvimento das tecnologias digitais em rede (TDR) e as múltiplas relações que estabelecemos com as mesmas vêm instituindo novos modos de ser, estar e sentir o mundo. Nestas múltiplas relações, novos signos, linguagens, conhecimentos e fenômenos sociotécnicos emergem, caracterizando a cibercultura. A cibercultura é a cultura contemporânea mediada e estruturada pelas TDR na relação cidade-ciberespaço (Santos, 2005, 2019). Na cibercultura, novas possibilidades de encontros e diálogos e presencialidades em rede são forjadas nos múltiplos espaços-tempos que emergem nas/com as TDR. 

Na Educação, essas novas possibilidades de encontros, diálogos e presencialidades inspirou Santos (2005) a forjar a noção e abordagem didático-pedagógica da Educação Online (EOL). A EOL se fundamenta no uso de interfaces digitais em rede, lançando mão da hipertextualidade, da interatividade e da aprendizagem colaborativa, a partir da mediação docente de percursos de aprendizagem, para que os participantes aprendam na dialógica com os demais envolvidos, por meio de processos síncronos e assíncronos de comunicação, tanto em encontros presenciais, à distância ou em situações híbridas. 

Inspirada na EOL e emergindo a partir do fazer-pensar a Educação Museal na/com cibercultura, a noção e abordagem didático-pedagógica da Educação Museal Online (EMO). 

pressupõe, em primeira mão, a compreensão dos museus e de suas redes sociais digitais, ou outras presentificações online, como redes educativas e espaços multirreferenciais de aprendizagem em que o diálogo - as conversas – com/entre os praticantes culturais (os públicos e públicos não habituais) está na centralidade de suas ações educativas. Essas ambiências conversacionais são fomentadas pela mediação museal online que aciona e promove a criação e a socialização de conhecimentos, aprendizagens, sentimentos, emoções, inquietações, invenções em interatividade e em um ambiente em que múltiplas relações (intelectuais, cognitivas, psicossociais, culturais, históricas etc.) são tecidas em horizontalidade.As tecnologias digitais em rede (TDR), como por exemplo, as redes sociais digitais, os aplicativos e interfaces online, os dispositivos móveis etc., se inserem nesse contexto como meio e interfaces culturais que potencializam essas criações e trocas que se presentificam e são representadas em textos, imagens e sons (MARTI, 2021). 

O projeto de pesquisa “Um Olhar para o Ensino de Astronomia no Brasil - A divulgação de Astronomia na colaboração museu-escola”, da Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (COEDU/MAST), vem atuando, desde 2019, na formação de educadores[1] na modalidade presencial e, mais recentemente, vem se dedicando à elaboração e oferta de cursos à distância, voltados à temática da Astronomia e temas relacionados à Educação Museal na contemporaneidade. 

Nossa primeira experiência com formação à distância na COEDU/MAST se deu com a oferta, ainda em 2020, da primeira edição do curso “O Céu como Marcador do Tempo”. Considerando o ineditismo da/com a docência à distância na história da COEDU e do MAST, essa edição piloto foi elaborada a partir das discussões e das premissas da EAD tradicional, incluindo a criação de ementa, mapas conceituais, atividades síncronas e assíncronas, e produção de material didático próprio. Realizado no Google Classroom, com carga horária de 32 horas, o curso contou com a colaboração de 7 profissionais da COEDU (um físico, uma astrônoma, dois astrofísicos, uma bióloga e museóloga; e dois graduandos em biologia e pedagogia) e seu público-alvo foram os/as professores/as que já haviam participado de ações formativas presenciais oferecidas pela coordenação. A avaliação do curso piloto, ainda em fase de análise, aponta para uma alta aprovação do material didático produzido, da organização interdisciplinar dos conteúdos, da proposta pedagógica como um todo e do aprimoramento colaborativo do curso. Entretanto, a avaliação dos cursistas indicou a necessidade de: (1) aumentar a diversidade de métodos de avaliação; (2) incorporar mais atividades práticas para o “saber ensinar” e para assimilação dos conteúdos; (3) aumentar o tempo do curso; (4) buscar mais estratégias de estímulo à troca entre cursistas; (5) substituir alguns bate-papos escritos por webconferências.

Como pesquisadores/as e educadores/as museais da COEDU/MAST, não separamos a prática educativa de nossa pesquisa acadêmica, uma vez que compreendemos que enquanto pesquisamos na/com as práticas da Educação Museal, formamos e vamos nos formando no processo (Santos, 2019). Desta forma, a experiência na/com a primeira edição do curso e sua avaliação preliminar nos levou a elaboração de um novo desenho didático inspirado nas bases teórico-metodológicas da EOL e da EMO. 

Em sua segunda edição, o curso teve carga horária ampliada para 60h, incluía quatro atividades síncronas, ministradas no Google Meet, e sete assíncronas, realizadas no Edmodo[2], além da criação de um grupo no WhatsApp para envio de mensagens e compartilhamentos diversos relacionados ao tema e ao andamento do curso. Os objetivos e materiais didáticos foram revisados para atender às experiências vivenciadas na edição anterior.

Alinhado às práticas-teorias da EOL e da EMO, o desenho didático do curso foi atualizado para forjar a participação ativa dos discentes, pois compreendemos a produção de conhecimento como obra aberta e tecida a partir da partilha de saberes, experiências e sentidos diversos. Com base nesse entendimento, buscamos forjar ambiências conversacionais, por meio de uma mediação online docente que fomentou a troca de conhecimentos e significações e a partilha de sentidos a partir de perguntas disparadoras e/ou materiais didáticos online em linguagens diversas (texto, áudio, imagem) sobre os temas abordados nas unidades e/ou atividades (Figura 1). 

Figura 01: Publicação e Mediação Online no Edmodo 

As atividades mediadas ofereceram oportunidades de criação e/ou pesquisa de conteúdo pelos próprios discentes (em grupos/pares), fomentando o trabalho colaborativo, coautoral e a produção de diversos tipos de conteúdo, e oferecendo oportunidades para que o discente experimentasse/usasse uma série de interfaces digitais e de linguagens (texto, imagem e som) que poderiam ser usadas em suas práticas docentes (Figura 2).

 

Figura 02: Post no Edmodo e trabalhos em grupos compartilhados no Padlet. 

O público-alvo incluiu educadores museais e demais profissionais do campo, professores, licenciandos e/ou graduandos, planetaristas, profissionais da divulgação e popularização da ciência, do jornalismo e de demais áreas afins, uma vez que a temática abordada se presentifica nos vários currículos de diversas redes educativas.  Um total de 166 inscrições foram realizadas e 123 cursistas aceitos.

Participaram da equipe docente sete profissionais da COEDU e uma colaboradora externa, além de dois palestrantes convidados. Os cursistas foram divididos em turmas no Edmodo e cada uma dessas contou com a mediação-docente de 2 integrantes da equipe que regularmente acessavam a plataforma online a fim de forjar as conversações entre os cursistas sobre as temáticas das atividades assíncronas postadas.

A experiência da segunda edição do curso vem reforçando a nossa opção didático-pedagógica apoiada nas premissas da EOL e da EMO, ou seja, a importância de forjar ambiências conversacionais para a partilha e produção coletiva de conhecimentos-significações diversos. Educar na cibercultura implica estarmos atentos às potencialidades comunicacionais das TDR e às práticas, conhecimentos e fenômenos que emergem a partir das múltiplas relações que estabelecemos com as mesmas. As TDR, então, se configuram como importantes interfaces online que podem oportunizar essas práticas e partilhas de saberes tanto em situações geograficamente localizadas quanto a distância.

Adicionalmente, essa experiência nos mostrou a importância de uma mediação museal online propositiva, atenta e implicada em acionar conversas, em busca de uma produção ativa, coletiva e coautoral entre/de seus participantes. Para tal, a formação de educadores museais em contexto de Educação Museal Online é imperativa.

A avaliação realizada pelos cursistas e pelos mediadores-docentes também será fundamental para podermos melhor compreender essa experiência formativa a fim de fazer os ajustes necessários para o lançamento de uma nova edição. 


[1] Entendendo educadores como profissionais que atuam em escolas, mas não apenas, já que os licenciados formam majoritariamente os quadros de setores educativos de museus, centros culturais e de ciência, tais como planetários e observatórios

[2] O Edmodo (https://new.edmodo.com/) é uma plataforma online gratuita de Educação desenvolvida por professores e que, desde 2008, oferece uma série de recursos para gerenciamento, criação e compartilhamento de conteúdo diversos, assim como gestão e mediação de formas diversas de comunicação entre discentes, seus responsáveis e os docentes.


Referências 

MARTI, Frieda Maria. A Educação Museal Online: uma ciberpesquisa-formação na/com a seção de assistência ao ensino (SAE) do Museu Nacional-UFRJ. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação, 2021, 298f. 

SANTOS, Edméa. Educação online: cibercultura e pesquisa-formação na prática docente. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, 351p., 2005. 

SANTOS, Edméa. Pesquisa-formação na cibercultura. Teresina: EDUFPI, 2019. E-book.  

  

Como citar este artigo: 

MARTI, Frieda Maria; SPINELLI, Patrícia Figueiró; e KUNZLER, Josiane. A Formação à Distância de Educadores em Contexto Formal de Educação Museal Online: primeiras experiências da/com a Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (COEDU/MAST). Notícias, Revista Docência e Cibercultura, setembro de 2023, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

Sobre as autoras: 

Por Maria Marti
Doutora em Educação pelo PROPED/UERJ - Linha Cotidianos, Redes Educativas e Processos Culturais. Mestre em Zoologia (Ornitologia) pelo Museu Nacional/UFRJ. Especialista em Further Education Teaching pelo Kirklees College, UK, pós-graduada em Adult Education e E-learning and Multimedia pela Huddersfield University, UK e em ESOL - English for Speakers of Other Languages - pela Cambridge University, UK. Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (GpDOc/UFRRJ), coordenado pela Profa Dra. Edméa Santos; integrante do Grupo de Pesquisa Educação Museal: conceitos, história e políticas do(a)Instituto Brasileiro de Museus, coordenado pela Profa Dra. Fernanda Castro. Educadora Museal e Pesquisadora PCI (Programa de Capacitação Institucional do CNPq) junto à Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (COEDU/MAST).

Por Patrícia Figueiró Spinelli
Possui graduação em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2004), mestrado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2007) e doutorado em Astrofísica pela Ludwig-Maximilians-Universität e International Max Planck Research School on Astrophysics (LMU, IMPRS, 2011). Realizou estágio de pós-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP, 2013). Tem experiência na área de Astrofísica, com ênfase em Lentes Gravitacionais Fracas, Cosmologia e Astrofísica Extragaláctica. Atua na área de divulgação em ciências, em especial Astronomia, sendo membro fundador do Programa GalileoMobile. Atualmente é pesquisadora titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST, desde 2013), coordenadora adjunta externa do curso de Pós-graduação Lato Sensu em Divulgação e Popularização da Ciência (ESPDPC, desde 2014) e professora do Mestrado em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde (PPGDCST, desde 2016), ambos da Fiocruz/MAST/Jardim Botânico/Casa da Ciência/CECIERJ. É também a coordenadora brasileira do Portuguese Language Expertise Centre of Astronomy for Development da União Internacional de Astronomia (PLOAD-IAU desde 2015). Integra a Rede Primeira Infância em Museus, coletivo que reúne instituições museais e de ensino (PIMu, desde 2022) e a Rede Mulheres em STEM-Rio de Janeiro (MSTEM-RJ, desde 2020).Por Josiane Kunzler
Bióloga, mestre em Geologia (linha de Paleontologia) pela UFRJ, com pesquisa no Museu Nacional/UFRJ, e doutora em Museologia e Patrimônio pela UNIRIO/MAST, com doutorado sanduíche no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa, e pesquisa sobre o patrimônio paleontológico em exposições museológicas. Atualmente é Coordenadora de Educação em Ciências, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), onde anteriormente foi pesquisadora colaboradora e PCI. Foi pesquisadora consultora da UNESCO para as novas exposições do Museu Nacional, por meio do Projeto Museu Nacional Vive. Integra o Grupo de Estudos em Museologia e Patrimônio (GEMP) da Fundação Araporã (Araraquara-SP), onde é consultora voluntária. Tem experiência e interesse em exposições museológicas, divulgação e popularização da ciência, patrimônio paleontológico e mudanças climáticas em museus de ciências. Foi bolsista de doutorado CAPES DS e doutorado sanduíche CAPES-PDSE e do Programa de Capacitação Instituição (PCI-CNPq/MAST).

 

Editores/as Seção Notícias:

Felipe Carvalho - Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá (PPGE/UNESA); e bolsista de pós-doutorado CNPq pela Universidade Federal de Tocantins (UFT).

Edméa Santos - Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Rural (PPGEDUC/UFRRJ)

Marcos Vinícius Dias de Menezes - Graduando em Letras - Português, Inglês e Literatura em modo de licenciatura pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Bolsista de Iniciação Científica na FAPERJ

Mariano Pimentel - Professor do Programa de Pós-Graduação em Informática da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGI/UNIRIO)