Somos todos Vini Jr

2023-05-30
Por Leila Santos de Santana
Mestre em Educação pelo PPGECC/UERJ-FEBF. Pedagoga especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica; docente da Educação Básica, atuante na modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Membro do Grupo de pesquisa SoCib. Lattes. Orcid. E-mail.

 

A proposta não é falar de futebol, mas, certamente, ele estará presente em diferentes momentos, para demarcar o esporte praticado pelo Vinicius Junior ou, carinhosamente,Vini Jr., um garoto da periferia de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro  que começou nas categorias de base do Flamengo (RJ) onde assinou, aos dezesseis anos, seu primeiro contrato. Começou nossa paixão quando ele foi revelado para o mundo do futebol; e antes dos dezoito anos ele já tinha contrato assinado com um clube europeu, o Real Madrid.

Numa entrevista, aos dezessete anos, ele disse que num prazo de cinco anos conseguiria um título da Libertadores e outro da UEFA Champions League, o que surpreendeu ‘seu parça’, Lukas Paquetá.  Mas, Vini Jr. o conseguiu.

Imagem1. Vinicíus Junior e Paquetá (Desafio da Mímica - 2018)

Fonte: YouTube 

É desse menino, dono de desconcertantes dribles, negro sulamericano que realizou mais do que sonhou, e sofre com a maneira eurocêntrica de pensar e agir de muitos torcedores, e alvo de contínuas manifestações de racismo, que trata nossa proposta de reflexão, assim como de sonhos e de preconceito.

Será que as provocações e ofenças que ele sofre advêm do seu talento em contrariar as pretenções de um projeto colonial e conseguir equilibrar-se diante das vicissitudes cotidianas, como Kilomba (2019) nos convida a refletir?

A cibercultura nos permite socializar de outra forma, na medida em que as interações humanas são moldadas e influenciadas pelo uso das tecnologias digitais. Ímpar pensar sobre a frase disparadora de uma diversidade de reações e autorias de pessoas geograficamente dispersas, unidas pela indignação, que vamos acompanhando pelo digital em rede. Autorias com ‘os porquês’ de Vinícius Junior ser alvo de tanto ódio, as que explicam por que e para que devemos lutar juntos, usando as mídias e aplicativos como o TikTok e o Instagram. Fluidas autorias no movimento: Somos todos Vini Jr.

Não podemos partir da ingênua compreensão de que os ataques ocorrem apenas na Europa. No Brasil, terra na qual “tudo que se planta dá”(já escrevia o europeu Pero Vaz de Caminha), o racismo foi plantado e cresce como joio, apesar de constantes ações para acabar com ele. Ribeiro (2019) aborda essa questão e enfatiza a necessidade de compreendermos o mito da harmonia decorrente da miscigenação. Por conseguinte, emerge a necessidade de desenvolvermos o letramento racial-crítico (FERREIRA, 2015) nos espaços que habitamos em nossos cotidianos, pois neles nos constituímos, assim como as crianças que ainda estão iniciando a sua formação. Espaços cada vez mais ampliados em face da  potência das tecnologias digitais da comunicação e informação.

Urge, portanto, atentarmos à necessidade de uma educação antirracista, para que possamos compreender e discutir questões de  raça e racismo, e mais, a maneira como essas temáticas impactam nossos cotidianos, para pensarmos formas de ‘aprenderensinar’, contribuindo para que tenhamos uma sociedade mais equânime e, por conseguinte, justa (FERREIRA, 2015).

Não à toa, ficamos assombrados, comungando do sentimento expressado por Coradini (2023), com o jogo online “Simulador de Escravidão”, assim como as narrativas e avaliações dos usuários que ele cita,  numa indubitável demonstração, como ressaltado por ele, do racismo recreativo abordado por Moreira (2019), posto que pessoas baixam o jogo para reviver o horror imposto aos negros escravizados. A notícia compartilhada nos leva a pensar que existia uma demanda pela criação do jogo, pois na inexistência de consumidores, o jogo não teria sido criado.  

Imagem 2 - Sim, somos todos Vini Jr!

Fonte: G1 Globo e Google fotos

Felizmente o futebol permitiu que Vini Jr. atendesse a outra demanda, e criasse, em julho de 2021, o Instituto Vini Jr., na cidade onde nasceu, cresceu, permitindo que crianças dos anos iniciais da Educação Básica da Rede Pública sejam atendidas por um trabalho apoiado em três pilares: educação, tecnologia e futebol.

Reconhecendo a importância desses pilares os usaremos para finalizar esse escrito externando a relevância da Educação, em todo o processo que conte com a mediação docente, para o desenvolvimento e uso consciente das tecnologias ante o potencial que possuem de ampliar ‘espaçostempos’ de socializar e aprender. E ainda, para promoção do letramento racial-crítico em diferentes espaços, ‘dentrofora’ da escola. A base começa forte, porque ele não se rende a violência racial que, continuamente, vemos no esporte. Ele enfrenta, sonha, realiza e tem o apoio de muitos. Assim ... Somos todos Vini Jr! 

 

Referências:

CORADINI, Fábio dos Santos. Simulador da escravidão: um dispositivo racista recreativo, estrutural e algorítmico. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2023, online. ISSN: 2594-9004. 

KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogá, 2019. 

FERREIRA, A. de J. Letramento racial crítico através de narrativas autobiográficas: com atividades reflexivas. Ponta Grossa, Pr: Editora Estúdio Texto, 2015. 

MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019. 

RIBEIRO, Djamilla. Pequeno Manual Antirracista. Ed. Companhia das letras. São Paulo. 2019.

 

Como citar este artigo: 

SANTANA, Leila Santos de. Somos todos Vini Jr. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, maio de 2023, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA. 

 

Editores/as Seção Notícias:

Felipe Carvalho - Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá (PPGE/UNESA)

Edméa Santos - Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Rural (PPGEDUC/UFRRJ)

Marcos Vinícius Dias de Menezes - Graduando em Letras - Português, Inglês e Literatura em modo de licenciatura pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Bolsista de Iniciação Científica na FAPERJ

Mariano Pimentel - Professor do Programa de Pós-Graduação em Informática da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGI/UNIRIO)