As escolas nos/dos movimentos em rede

2020-08-28

Autoria: Bianca de Menezes Castro da Silva

Como professora da secretaria municipal de educação do Rio de Janeiro tive o prazer de apreciar as aventuras cotidianas, nas práticaspensantes das crianças, dentro da sala de aula, um misto de gostos, confrontos e desejos emergiam no desconhecido das ações. Iniciei o ano de 2020 com uma turma do quinto ano, estávamos ansiosos para as novas rupturas microbianas. Compreendo, empaticamente, a produção do currículo praticado para a formação socioafetiva, política, estética e ética. Em outras palavras, desenvolvemos no nosso dia a dia as negociações necessárias e pertinentes para o desenvolvimento do processo educativo. Pois, dentro do campo de estudo nos\dos\com cotidianos estamos dispostos a virar de ponta cabeça (ALVES, 2008) o já sabido e recolher as pistas que vão de encontro a rotina.

A estrutura da escola com: mesas, quadros, paredes e espaço fixo contou com as subversões praticadas, mas o cotidiano nos deu outra surpresa: as escolas negociadas pelas redes sociais, sendo assim, o lugar fixo dos encontros se tornou virtual. Desde março de 2020 as escolas públicas do município do Rio de Janeiro fecharam suas portas fixas em decorrência da pandemia. A Covid-19 é uma doença que afeta o sistema respiratório e para sua interrupção estamos vivendo o distanciamento social, uma ação necessária, mesmo sendo desacreditada pelos governantes que trocam a vida pelo capital.

O corpo na prática de transformar o espaço de forma simbólica e física também precisa deter-se, em nome de uma lei acima dos nossos corpos: o universo. Em dias exaustivos, com ritmos frenéticos, tanto a professora quanto as crianças queriam apenas parar. Uma tarefa fácil, mas que não cabia dentro dos nossos dias. Um ponto de pausa de uma vida passante que precisa de pés descansados para prosseguir. Neste primeiro indício compreendo a escola que teve sua pausa, mas ao contrário do erro cometido algumas vezes por atender aos conteúdos maçantes dentro da sala de aula – mesmo que deles retirássemos o saberfazer das crianças, criamos os currículos das emergências dentro das redes sociais.

Tudo que venho noticiando é baseado na experiência única e coletiva de um grupo, não desejo as prescrições que a sala com paredes pode ocasionar. Ressalto, a emergência das redes sociais sempre esteve na vida das crianças com suas redes educativas, agora, na obrigação ética da sua utilidade sentimos os saberesfazeres visuais e a partilha sensível que a escola precisa conhecer das suas alunas e dos seus alunos. Na apreciação dos stories, das fotos postadas, dos comentários e manifestações em grupo, registramos as experiências das escolas que estão se formando virtualmente.

Os audiovisuais tornaram-se um meio de cartografar as insurgências e culturas das alunas e alunos, através da plataforma do WhatsApp, Facebook e Instagram olhamos o mundo das crianças e vemos o mundo olhando para a escola. A cultura visual tornou-se a pista necessária para prosseguir com a prática formativa cidadã. Evitando o depósito bancário de conteúdo, como Paulo Freire já nos alertava, conversamos sobre as formas de estar nesse mundo e, na minha iniciativa como docente tento reparar o sofrimento social que a pandemia tem deixado entre nós.

flash mob

 Figura 1 – arquivo pessoal

Na imagem acima represento a experiência do quinto ano nas aulas virtuais. Da esquerda para direita temos a moda, o gosto e o estilo do João Pedro, apresentando na sua foto de perfil a partilha da sua estética. Detalhes que são importantes para afinar os abrigos identitários, assim, seguimos as origens dos cortes e trabalhamos no diálogo íntimo com o aluno. Posterior, temos Cristine e sua abertura as criações fotográficas, sempre consumida pelas selfies entra no jogo das releituras artísticas. Por último, Juliana nos seus stories mostra os seus desenhos, abrindo uma potência para nosso diálogo. Todos com suas particularidades vibrantes nas redes sociais, o que já tínhamos na escola fixa, mas pouco percebida. A rede social nos trouxe a curiosidade para com o outro. Mesmo diante disso, não posso deixar de apontar os dilemas das crianças que vivem à margem da sociedade, impossibilitando o acesso frequente e os instrumentos necessários para o consumo das redes sociais. Ainda, é precária a distribuição de internet e eletrônicos para as crianças da escola pública, para nós, que estamos tentando o ensino à distância, torna-se dolorido a ausência de muitos alunos nesse processo.

Não é novidade para as professoras e professores da educação básica o plural manifestado pelas crianças para construção da escola. Temos as vastas escolas dentro da escola, agora, temos as inumeráveis escolas dentro de uma conversa no WhatsApp, na publicação do Facebook e nas imagens do Instagram. As paredes que sempre sofriam rachaduras por causa do mundo estão rompidas, aprendi na partilha contínua do contato com as crianças que as escolas estão, definitivamente, sem paredes. O tempo cronológico se desfez e entramos na pedagogia das perguntas sem respostas.

Assim, para conceber os currículos escolares efetivamente presentes nas escolas é preciso estar em seus cotidianos – agora online, no diálogo e deslocamentos para a produção dos acontecimentos. Há uma circularidade de conhecimentos formais e não formais, crenças, valores, práticas e ideias que solidifica o currículo praticado (OLIVEIRA, 2012).  A lógica de múltiplas manifestações a permanência dos conteúdos constitui qualitativamente a vida escolar. Todas as ideias de multiplicidade, provisoriedade, dinamismo e imprevisibilidade que o currículo praticado carrega (OLIVEIRA, idem), exige que consideremos a produção do corpo na vida escolar. Com um pouco mais de ousadia amplio os vastos conhecimentos criados nos currículos para a extravagancia do cuidado de si, quero dizer, desconstruir-se e criar-se em desenhos, danças, jogos e etc, que são tão importantes quanto a apreensão de um conteúdo. As escolas das redes sociais me mostraram que desde pequenos buscamos formas de fugir ao prescritivo de nós mesmos. Uma maneira de não ser Flopado e conquistar um acontecimento Hitado. Em outras palavras, Flopado é uma gíria que significa quando algo não faz sucesso, e de encontro, Hitado é uma gíria que significa o sucesso.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho – o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In: Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas. Sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2008, p 15 a 38.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 44ed, 2013.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo, Editora Martins fontes, 2013.

OLIVEIRA, Inês Barbosa. O Currículo como criação cotidiana. Petrópolis: DP et Alli, 2012.

 

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Como citar este artigo:

SILVA, Bianca de Menezes Castro da. As escolas nos/dos movimentos em rede. Notícias, Revista Docência e Cibercultura, agosto de 2020, online. ISSN: 2594-9004. Disponível em: < >. Acesso em: DD mês. AAAA.

 

Editores/as Seção Notícias: Felipe CarvalhoMariano Pimentel e Edméa Oliveira dos Santos