entre cercas, brincadeiras e feitiços: os conflitos e as apropriações do território por crianças e jovens quilombolas

Autores

  • beatriz corsino perez Universidade Federal Fluminense

DOI:

https://doi.org/10.12957/childphilo.2020.48351

Palavras-chave:

infância, comunidade quilombola, território

Resumo

O Brasil passou por um longo processo de colonização que ainda deixa marcas violentas nas formas de se relacionar com os povos quilombolas, produzindo a desvalorização de seus conhecimentos e culturas. As vidas de crianças e jovens quilombolas ficaram invisibilizadas diante de um saber científico que usou referências de autores europeus e as classes médias urbanas como modelo. Neste texto, apresentamos os resultados de uma pesquisa-intervenção realizada entre 2017 e 2019, com cerca de trinta crianças e jovens moradores da comunidade quilombola de Cafuringa, em Campos dos Goytacazes - RJ. Buscamos compreender como as experiências de infância e juventude se constituem a partir das relações que crianças e jovens estabelecem com o território, seus usos e apropriações, e os modos de subjetivação diante dos conflitos vivenciados na comunidade. As crianças se apropriam do território através das brincadeiras coletivas realizadas ao ar livre, em que exploram os espaços, interagem com a terra, bichos, plantas e árvores. Para elas, estes elementos podem ser “enfeitiçados”, “assombrados” e guardar algo de “sagrado” e, ao mesmo tempo em que fascinam, também geram medo. Essas formas de se relacionar com o território entram em conflito com a “fazenda” e o haras, que fazem fronteira com o quilombo, que consideram a terra como um negócio, os animais e as plantas como mercadorias. Os estranhamentos de crianças e jovens diante da cerca elétrica colocada pelo haras, simbolizando o uso privado da terra, as desigualdades sociais e as discriminações raciais vividas em seus cotidianos nos fazem questionar sobre o projeto de civilização construído na modernidade.

Biografia do Autor

beatriz corsino perez, Universidade Federal Fluminense

Professora Adjunta do Departamento de Psicologia de Campos dos Goytacazes, da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do NIJUP-UFF e do NIPIAC- UFRJ

Referências

ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.

ALANEN, Leena. Estudos feministas/estudos da infância: paralelos, ligações e perspectivas. In: Castro, L. R (org). Crianças e jovens na construção da cultura. Rio de Janeiro: NAU, 2001, p. 69-92.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

ARRUTI, João Maurício. Introdução: territórios negros In: Arruti, J. M. (Org) Territórios negros do Rio de Janeiro: história, antropologia e alternativas jurídicas. Rio de Janeiro: UERJ, 2002, p. 4-13.

BORBA, Angela Meyer. A participação social das crianças nos grupos de brincadeira: Elementos para a compreensão das culturas da infância. Revista Educação em Foco, v.13, n. 2, p. 139-156, 2009.

BRASIL. Decreto nº 4887, de 20 de novembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 nov. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm. Acesso em: 15 jan. 2020.

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortex. 2010

BURMAN, Erica. Deconstructing Developmental Psychology. Londres: Routledge, 2008.

BUTLER, Judith. Vida Precaria: el poder del duelo y la violencia. Buenos Aires: Paidós, 2006.

CASTRO, Lucia Rabello de. Da invisibilidade à ação, crianças e jovens na construção da cultura. In: Castro, L. R. (Org.), Crianças e jovens na construção da cultura. Rio de Janeiro: Nau, 2001, p.19-46.

CASTRO, Lucia Rabello de. O futuro da infância e outros escritos. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013.

COHN, Clarice. Concepções de infância e infâncias. Um estado da arte da antropologia da criança no Brasil, Civitas, v.13, n. 2, p. 221-244, 2013.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT. Conflitos no Campo Brasil 2018. Goiânia: CPT, 2019.

DESCOLA, Philipe. Outras naturezas, outras culturas. São Paulo: Editora 34. 2016.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FANON, Franz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

FANON, Franz. Os condenados da Terra. Minas Gerais: Editora UFJF, 2005.

GOBBI, Márcia; FINCO, Daniela. Meninas e meninos em assentamento do MST: representações e diferentes modos de ver e sentir da infância do campo. In: SILVA, I. O. ; SILVA, A. P. S.; MARTINS, A. A. (Org.). Infâncias do Campo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 59-76.

FAVRET-SAADA, Jeanne. Ser afetado. Cadernos de Campo, 13, p.155-161, 2005.

GUSMÃO, Denise & JOBIM E SOUZA, Solange. A estética da delicadeza nas roças de minas: sobre a memória e a fotografia como estratégia de pesquisa-intervenção. Psicologia & Sociedade, v. 20, p. 24-31, 2008.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das letras, 2019.

MBEMBE, Achile. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1edições, 2018.

PENHA, Geneci Maria da. A voz do tambor: a Noinha e o jongo. Campos dos Goytacazes, 2010.

QVORTRUP, Jeans. Nove teses sobre a infância como um fenômeno social. Proposições, v. 22, n. 1, p.199-211, 2011

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, São Paulo: Editora Record, 2008.

Downloads

Publicado

2020-11-03

Como Citar

perez, beatriz corsino. (2020). entre cercas, brincadeiras e feitiços: os conflitos e as apropriações do território por crianças e jovens quilombolas. Childhood & Philosophy, 16(36), 01–27. https://doi.org/10.12957/childphilo.2020.48351

Edição

Seção

dossier: estudos da infância: politizações e estesias