chamada para publicações - dossiê: "racismo, colonialismo e filosofia para/com crianças: práxis em contextos não ideais."
o surgimento do movimento de filosofia para/com crianças (fp/cc) é creditado a matthew lipman e ann margaret sharp, que acreditavam que crianças poderiam ser encorajadas a se tornarem cidadãos democráticos mais sensatos através de encontros com narrativas filosóficas sobre questões cotidianas. entretanto, desde o começo evitaram uma área importante dos seus compromissos diários com as crianças em suas escritas. lipman, por exemplo, era particularmente familiarizado com os problemas que concernem a raça e o racismo em sua vida privada: ele fora casado com a primeira mulher negra a ser eleita ao senado de nova jersey, em um tempo em que leis de “antimiscigenação” eram constitucionalmente protegidas no estados unidos. ele era professor na columbia university durante o protesto estudantil de 1968, que foi diretamente motivado pelas questões de segregação racial e gentrificação. também discordou veementemente sobre o comentário de hannah arendt acerca do caso de little rock. de maneira similar, sharp lecionou na spelman college, uma hcbu em atlanta, georgia, e notou como essas experiências eram profundamente influentes em sua pesquisa sobre fp/cc. apesar de seus engajamentos diretos com a questão racial e do racismo na educação estadunidense, nem sharp ou lipman contribuíram de forma explicita na discussão do racismo e colonialismo na fp/cc. como resultado, nos últimos 50 anos a literatura ou ignorou os mesmos tópicos de raça e racismo na fp/cc ou adotou uma posição daltônica em relação a estas questões.
todavia, a fp/cc tem se tornado popular numa série de países aparentemente democráticos com uma história documentada na colonização, mas poucos dos que praticaram nesses contextos dedicaram tempo para refletir sobre como as normas democráticas do fp/cc podem reafirmar formas diferentes de violência colonial. isso levou ao desenvolvimento do fp/cc como uma prática ao mesmo tempo global e paroquial. tal perspectiva só pode existir com o contexto do pensamento amplo e abstrato que, em última análise, ignora os detalhes críticos não ideais de crescer em estados colonizadores. enfatizar uma razão em ideais, neste caso, corre o risco de silenciar vozes distintas e contextualizadas de participantes racialmente menorizados sob o pretexto de um projeto ético-político globalizado, “neutro” e totalmente inclusivo.
enquanto o movimento tradicional fp/cc continua encorajando a reflexão filosófica e o diálogo, que é inspirado em contextualização abstratas e idealizadas da justiça (racial), existe uma necessidade urgente de repensar a fp/cc como uma prática que pode navegar na dinâmica conturbada e costumamente trágica do colonialismo globalizado e do racismo institucional. o presente dossiê procura desenvolver práxis filosóficas em relação ao filosofar para/com crianças que permaneçam conscientes sobre como o racismo e a colonização se moldaram e continuam a moldar os nossos contextos e pensamentos filosóficos. estamos particularmente preocupados em criar um espaço intelectual para explorar a conexão entre a filosofia crítica da raça, estudos decoloniais e filosofia para crianças.
convidamos acadêmicos que demonstraram grande interesse e compromisso em pesquisar a interseção entre filosofia e educação, particularmente aqueles que se concentram no pensamento filosófico com crianças em contextos educacionais coloniais e racializados. estamos especialmente interessados em contribuições que se envolvem criticamente com tradições filosóficas e escolares relevantes, tais como: epistemologia social, teoria crítica racial, estudos críticos da branquitude e pedagogia crítica. juntamente, procuramos contribuidores que explorem as interseções dos estudos indígenas, estudos raciolinguísticos, estudos coloniais, decoloniais, estudos de migração e estudos de educação urbana. ao reunir essas diferentes perspectivas, buscamos nos aprofundar na prática do fp/cc, direcionando o conhecimento e nos dirigindo a realidade complexa das crianças racializadas em suas experiências cotidianas.
este dossiê está interessado em explorar as seguintes questões:
- como seria uma práxis de fp/cc antirracista/decolonial?
- como a falta de engajamento dos estados unidos com o racismo impactou a prática da fp/cc?
- como pode (a comunidade de investigação filosófica) explorar os sentidos do racismo e da colonização em diferentes perspectivas, para problematizar as práticas exclusivas do ocidente?
- como abordamos as “vozes” apagadas, ignoradas e silenciadas em relação ao racismo e colonialismo em comunidades deliberadamente marginalizadas?
- como pode a fp/cc empoderar diversos jovens, dada a relação histórica entre democracia, educação e supremacia branca?
- como pode a relação pedagógica entre filósofos adultos e crianças na fp/cc ser explorada nas diferentes perspectivas que problematizem a visão capitalista, antifamiliar e centrada na educação moral e política ocidental?
- como podemos reconceptualizar as relações entre o facilitador e os participantes dentro do contexto de racismo institucional e colonialismo?
as contribuições incluem, mas não estão limitadas a:
- artigos acadêmicos tradicionais (6-8 mil palavras) – especialmente trabalhos em coautoria;
- trabalhos de campo e reflexões de sala de aula (que serão publicados na seção “experiências”);
- peças criativas que poderão ser usadas como ponto de partidas para fp/cc – histórias, roteiros e comentários (que serão publicadas na seção “literatura”).
encorajamos vocês a fazer uso e contribuir para uma bibliografia em andamento sobre fp/cc, racismo, colonialismo:
https://docs.google.com/document/d/1vzk0fwwltteeyq4vjwzkjboz4_ilc1pluvksoa-nxxs/edit?usp=sharing
os trabalhos para esta edição podem ser enviados em quaisquer das línguas aceitas pela revista através do site (https://www.e-publicacoes.uerj.br/childhood). para mais questões ou informações, por favor, entrar em contato com os editores darren chetty no e-mail darre.chetty.14@ucl.ac.ul, rose-anne reynolds no e-mail rose-anne.reynolds@uct.ac.za, e jonathan wurtz no e-mail: wurtzj@trigon.uog.edu.
por favor, contate os editores para mostrar seu interesse ou sua ideia.
prazo para o trabalho completo: 31 de julho de 2025.
biografia dos editores:
- darren chetty tem filosofado com crianças desde 1996. é professor na universidade de londres. ensinou nas escolas primárias de londres por 20 anos, praticando filosofia para/com crianças (fp/cc) durante este tempo. ele é um formador experiente em fp/cc, tendo dado cursos para professores, trabalhadores juvenis e treinadores fp/cc. darren trabalhou na sapere (the society for advancement of philosophical enquiry and reflection in education), thinking space, the philosophy foundation e the philosophy man. dois dos artigos de darren sobre fp/cc estão incluídos nos materiais de treinamento da sapere. o filme no youtube dwelling together apresenta darren facilitando a investigação filosófica com adultos. ele ensina na sapere o terceiro nível do curso. sua pesquisa de doutorado foi focada em filosofia para crianças, multiculturalismo e racismo. em 2014, recebeu o prêmio de excelência em interpretação de fp/cc pelo international council for philosophical inquiry with children (icpic). darren contribuiu com o bestseller “the good immigrant”. ele escreve, junto de karen sands o’connor, uma coluna sobre literatura infantil para books for keeps, chamada beyond the secret garden? darren foi coautor de três livros: what is masculinity? why does it matter? and other big questions, para crianças entre 8 e 13 anos (com jeffrey boakye), how to disagree: negotiate difference in a divided world (com adam ferner), e beyond the secret garden: racially minoritised people in british children’s literature (com karen sands o’connor). foi coeditor, com judith suissa, da critical philosophy of race and education. também coeditou, com janan issa, grug muse e lestyn tyne, a welsh (plural) essays on te future of wales. o primeiro livro ilustrado publicado por darren será lançado pela little tiger em 2025.
- rose-anne reynolds é phd em educação com o trabalho a posthuman reconfiguring of philosophy with children in a government primary school in south africa pela universidade de cape town (uct) e é professora em estudos da infância pela school of education na uct. as áreas de foco de pesquisa de rose-anne incluem: reimaginar a criança, a infância e a escolaridade, com foco específico no contexto do apartheid e pós-apartheid, pedagogias socialmente justas e justiças territoriais em relação às infâncias. outros interesses de pesquisa são: inclusão e diversidade, incluindo os estudos sobre a incapacidade; filosofia com crianças e comunidade de investigação filosófica, tais como a pedagogia e metodologia. rose-anne possui intenção em pesquisar em colaboração com crianças, o que possibilita que elas participem mais ativamente do discurso sobre a infância. rose-anne ensina no programa de licenciatura da uct e supervisiona alunos de graduação e de mestrado. ela trabalha, com estudantes da pós-graduação, os temas de ética na educação e educação inclusiva. rose-anne é uma formadora experiente em fp/cc e tem trabalhado com professoras e professores em treinamento na áfrica do sul, em cape town. algumas das publicações de rose-anne podem ser encontradas no seguinte link: https://humanities.uct.ac.za/school-education/contacts/rose-anne-reynolds
- jonathan wurtz é professor assistente em filosofia na universidade de guam. enquanto praticava na última década filosofia para/com crianças, jonathan tem facilitado sessões de fp/cc em todos os níveis da educação básica, em sua maioria em ambientes urbanos que atendem a populações estudantis subrepresentadas. em 2022, entrou na universidade de guam e tem trabalhado para introduzir fp/cc na ilha em colaboração com o guam department of education, o office of global learning and engagement e o guam 4-h youth development program. desde então, jonathan tem dirigido múltiplas oficinas de desenvolvimento profissional para professores em filosofia para/com crianças, assim como ministrou um curso de treinamento de fp/cc de nível universitário para estudantes de filosofia, organizou e dirigiu um verão e inverno de filosofia para estudantes pré-universitários em guam, administrou e financiou projeto feitos por estudantes para criar um livro de atividades de fp/cc para o guam’s 4-h youth development program. jonathan também publicou artigos sobre fp/cc, raça e colonialismo. sua pesquisa está especialmente concentrada nas formas como a fp/cc pode reafirmar dinâmicas de poder racistas e em repensar a comunidade de investigação filosófica como uma prática hiperlocal que pode envolver-se concretamente com as lutas materiais dos seus participantes.