Democracia racial, corrupção e patrimonialismo nas raízes da imaginação nacional bolsonarista

Autores

DOI:

https://doi.org/10.12957/intellectus.2022.65086

Palavras-chave:

Bolsonarismo, imaginação nacional, democracia racial, corrupção, patrimonialismo

Resumo

Este artigo traça alguns contornos da imaginação nacional bolsonarista a partir de um caso motivador: um crime ocorrido no sul do Brasil no final de 2020. Para tanto, analisamos alguns discursos do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e de membros significativos do seu governo, como Hamilton Mourão e Sérgio Camargo, em reação à acusação da opinião pública de que o assassinato de um homem negro por dois seguranças de um supermercado em Porto Alegre teria sido motivado por racismo. Partimos do princípio de que a semântica contida nesses discursos tem lastro nas reflexões históricas do pensamento político e social brasileiro. Em sua diversidade, a narrativa construída pela ideologia bolsonarista em reação ao episódio da morte de “Beto” apresenta o artifício de recuperar algumas formas de representação do passado brasileiro, em especial ao atualizar o mito da democracia racial e ao dar centralidade à problemática da corrupção como “verdadeiro problema nacional”. Nossa hipótese é que a apropriação dessas tópicas acaba solidificando determinada forma de imaginação política do Brasil, que tanto implica uma adesão social ao discurso bolsonarista quanto estimula determinadas formas de ação de grupos e sujeitos na realidade prática.

Biografia do Autor

Cairo de Souza Barbosa, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Doutorando pelo programa de pós-graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio. Mestre pelo programa de pós-graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio e graduado em História (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem interesse nas áreas de História Intelectual, Teoria da História e História da América Latina, com ênfase nos seguintes temas: pensamento social, cultura, literatura, modernidade, tradição, ensaio e temporalidade. Atualmente, pesquisa a obra de Antonio Candido de Mello e Souza. É membro da Comunidade de Estudos de Teoria da História da UERJ (COMUM). 

Gabriel Felipe Oliveira de Mello, UFRJ

Gabriel Felipe Oliveira de Mello é doutorando e mestre pelo Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Bacharel e licenciado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor da rede privada de ensino do Rio de Janeiro.

Renan Siqueira Moraes, UFOP

Renan Siqueira Moraes é doutorando no Programa de Pós-graduação em História da UFOP, com bolsa da FAPEMIG. Mestre pelo programa de Pós-graduação em História Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel e licenciado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor de História.

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Publicado

2022-07-30

Como Citar

Barbosa, C. de S., de Mello, G. F. O., & Moraes, R. S. (2022). Democracia racial, corrupção e patrimonialismo nas raízes da imaginação nacional bolsonarista. Intellèctus, 21(1), 156–180. https://doi.org/10.12957/intellectus.2022.65086