Tchinguilile: infâncias da Ganda Crianças “de lá”
DOI:
https://doi.org/10.12957/childphilo.2022.67621Palavras-chave:
criança, umbundu, brincadeira, Ganda, Angola.Resumo
Em diferentes lugares do mundo, pesquisadores vêm fortalecendo outra perspectiva de estudar infâncias a partir de um olhar que evidencie as crianças consideradas “periféricas” – distantes do modelo ideal associado aos países da Europa e Estados Unidos. Com a intenção de conhecer as crianças africanas de Angola e por acreditar que a preservação das línguas se mostra importante para manter conhecimentos e tradições das sociedades, esse texto conta sobre um estudo preliminar realizado em um local rico culturalmente, com fortes tradições. Mas que também é marcado por processos de negação e desvalorização. Segundo Ndombele e Timbane (2020), grande parte das crianças angolanas aprende português aos sete anos, quando ingressa na escola, especialmente, nas zonas rurais. Este fato dificulta o processo de alfabetização na língua portuguesa e ainda há o risco de desaparecimento de algumas línguas nativas. Muitas escolas alfabetizam as crianças somente na língua portuguesa. Ao visitarmos uma escola da Ganda, zona rural de Benguela, encontramos um grupo de crianças que, através de suas brincadeiras, mantêm viva a língua umbundu, e com isso a identidade e cultura de seus antepassados. Assim, foi criado junto com os professores um jogo de associação de sílabas a partir da música cantada na brincadeira. O jogo teve duas modalidades - na língua umbundu e na língua portuguesa - caracterizado por ser um instrumento pedagógico bilingue. No momento inicial, de oferecimento do jogo para testagem junto as crianças, foi identificado que ao cantar a cantiga da brincadeira e discutirem sozinhas as possíveis soluções, elas conseguiram fazer associações corretas das silabas em umbundu, apesar da insegurança dos adultos em relação a capacidade delas de resolverem o desafio. E, em seguida, fazer a tradução para a língua portuguesa. Assim, foi criado um recurso que, além de valorizar a língua originária da população, permitiu aos professores utilizarem um conhecimento das crianças para a criação de um recurso didático, indicando aos adultos a importância de estarem atentos as produções infantis. Além disso, foi possível abranger o conceito de infância e ser criança no mundo atual, descontruindo a ideia de um modelo único e ideal, pois falamos de crianças que trazem hábitos de casa, que nem sempre se comungam com o que há no cotidiano escolar. Vale ressaltar que a maioria das escolas segue um modelo euro-ocidental, pautado na separação etária das classes estudantis como requisito principal para a garantia da aprendizagem, desvalorizando outras trocas, que ajudam a aprender.
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