Neonarrativas de Escravidão: Memória e Representação nas Literaturas Contemporâneas
Postado em 2025-05-07Este número busca reunir reflexões críticas sobre a permanência e a reconfiguração do legado da escravidão nas literaturas contemporâneas, com ênfase não somente na produção brasileira, mas em diálogo com outras literaturas da diáspora africana.
Desde as últimas décadas do século XX, escritoras(es) vêm recuperando e reinventando a estrutura e os temas das slave narratives, transformando-os em espaços de reivindicação da subjetividade e de reconstrução da memória histórica. Como propõe Ashraf H. A. Rushdy (1999, p. 217), “a ideia de reescrever as narrativas de escravidão como um palimpsesto" é marcada por uma perspectiva bitemporal, na qual o presente é atravessado por vestígios de um passado apagado, mas ainda legível. Já Timothy Spaulding afirma que as neonarrativas de escravidão em termos estéticos “buscam criar uma nova forma narrativa por meio da qual possam revelar as complexidades inseridas na experiência da escravidão e obscurecidas pelos relatos históricos tradicionais” representando assim “um ato narrativo político, concebido para reformular nossa visão da escravidão e de seu impacto sobre nossa condição cultural” (2005, p. 4).
Essa forma dinâmica e crítica de lidar com o passado é particularmente relevante no Brasil, último país do Ocidente a abolir oficialmente a escravidão, onde as marcas do regime escravista ainda se manifestam nas desigualdades estruturais, no racismo sistêmico e na violência cotidiana contra corpos negros. A literatura brasileira contemporânea tem respondido a esse legado de forma crítica, estética e politicamente engajada.
No cenário nacional, destacam-se obras como Ponciá Vicêncio (2003), de Conceição Evaristo, Um Defeito de Cor (2006), de Ana Maria Gonçalves, Torto Arado (2019), de Itamar Vieira Junior, e Água de Barrela (2015), de Eliana Alves Cruz, que atualizam e reinventam o passado escravocrata com narrativas centradas em personagens negras, femininas, periféricas e espirituais. Essas obras dialogam com produções internacionais de autoras e autores como Octavia Butler (Kindred, 1979), Toni Morrison (Beloved, 1987), Lawrence Hill (The Book of Negroes, 2007), Bernadine Evaristo (Blonde Roots, 2008) e Colson Whitehead (The Underground Railroad, 2016 e The Nickel Boys, 2019).
São bem-vindos artigos que explorem, entre outros eixos:
as neonarrativas de escravidão na literatura brasileira contemporânea;
- abordagens comparativas entre textos brasileiros e de outros países que tratam da escravidão e seus legados;
- o papel da literatura na reconstrução de memórias subalternizadas;
- a escravidão como trauma, pós-memória e contramemória;
- o corpo como espaço de memória e resistência;
- a hibridez formal das neonarrativas (romance, poesia, oralidade, música, performance);
- representações queer, eróticas ou interseccionais da experiência da escravidão;
- reconfigurações de lar, pertencimento, comunidade e identidade racial;
- a crítica à historiografia oficial e o uso da ficção como contranarrativa;
- o papel da religiosidade e das cosmologias africanas na reescrita do passado escravocrata.