“Ainda que no exercício sucedam mortes e cortamento de membros”: D. Manuel Álvares da Costa e a discussão jurídica da subdelegação do governo das armas durante a Guerra dos Mascates (1710-1711)

Autores

DOI:

https://doi.org/10.12957/revmar.2023.74327

Palavras-chave:

Pernambuco, Jurisdição, Direito, Guerra dos Mascates

Resumo

A historiografia recente tem apontado para a importância do surgimento de ideias políticas e jurídicas nos territórios ultramarinos. Por meio da apropriação ou da seleção de conceitos, agentes régios fundamentaram os seus interesses em autores e doutrinas jurídicas fundamentadas no direito comum. No caso dos governantes ultramarinos, parte destas interpretações tinham por objetivo ampliar a jurisdição ordinária que estas autoridades recebiam da Coroa. Por causa da distância ultramarina, muitos monarcas delegaram partes de sua jurisdição aos governadores, para que exercessem com maior plenitude o ofício para o qual haviam sido nomeados. Situações inesperadas, entretanto, poderiam desencadear soluções inusitadas por parte destas autoridades, na ausência de instruções precisas da monarquia. Deste modo, destaca-se que algumas jurisdições fundamentais poderiam ser concedidas especificamente a determinadas autoridades como os governadores-gerais ou vice-reis da Índia, tais como o direito de declarar guerra ou proclamar pazes, de acordo com instruções regimentais. No entanto, as conjunturas dos territórios ultramarinos poderiam demandar que os governadores e capitães-mores agissem de imediato, sem instruções precisas da monarquia. Desta forma, por meio de um estudo de caso, este trabalho pretende analisar como o bispo de Pernambuco, na condição de governador interino, mobilizou a produção de manifestos jurídicos para legitimar a subdelegação de jurisdição do seu ofício. O evento ocorreu durante a administração interina do bispo de Pernambuco D. Manuel Álvares da Costa (1710-1711), durante o conflito conhecido como Guerra dos Mascates. A partir de dois manifestos jurídicos escritos por partidários do bispo durante o seu governo, pretende-se analisar os argumentos utilizados pelo prelado e seus apoiadores para legitimar e justificar a subdelegação de jurisdição régia em uma junta militar, mesmo sem prévia autorização da Coroa.

Biografia do Autor

Marcos Arthur Viana da Fonseca, Universidade Estadual da Paraíba

Professor da Universidade Estadual da Paraíba. Doutor em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do “Laboratório em Experimentação em História Social” (LEHS-UFRN).

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Publicado

2023-09-06

Como Citar

Viana da Fonseca, M. A. (2023). “Ainda que no exercício sucedam mortes e cortamento de membros”: D. Manuel Álvares da Costa e a discussão jurídica da subdelegação do governo das armas durante a Guerra dos Mascates (1710-1711). Revista Maracanan, (33), 93–117. https://doi.org/10.12957/revmar.2023.74327