Degeneração, subalternidade e favela: Anália, ‘uma mulher de cor preta’ no Rio de Janeiro pós-abolicionista

Autores

DOI:

https://doi.org/10.12957/revmar.2021.57276

Palavras-chave:

Psiquiatria, Gênero, Crime, Raça, Favelas

Resumo

Este artigo analisa a história de Anália: mulher, negra, pobre, favelada, diversas internações no Hospício Nacional de Alienados (HNA) e condenada a 15 anos de prisão, após cometer um assassinato em 1937. Em sua vida, Anália esteve em conflito com diferentes discursos hegemônicos, como as normais culturais e de gênero de sua época. Em uma das internações no HNA, “uma mulher de cor preta” foi o nome registrado no seu prontuário, o que identificamos como um ato discursivo típico do racismo cultural no Brasil pós-abolicionista. Em diálogo com os estudos subalternos, conectamos o caso Anália ao cotidiano das classes populares, sobretudo à exclusão social e racial, assim como às expectativas de gênero das mulheres negras, no Rio de Janeiro pós-abolicionista. Por fim, relacionamos esse caso e as favelas ao modelo brasileiro de governamentalidade e ao projeto urbano do Rio de Janeiro.

Biografia do Autor

Pedro Felipe Muñoz, Professor do Departamento de História/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Rua Marquês de São Vicente 225, Sala 512F, 22451-900, Rio de Janeiro, RJ.

Graduado em História pela UERJ e em psicologia pela UFRJ. Mestre e Doutor em História das Ciências e da Saúde pela FIOCRUZ e professor agregado do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Pesquisador visitante do Lateinamerika Institut da Freie Universität Berlin, no período de outubro de 2019 a fevereiro de 2021. Seus tópicos de pesquisa são história da medicina mental, da psicologia, da psicanálise e da eugenia, bem como a história das relações científicas internacionais entre a Alemanha e a América Latina na primeira metade do século XX.

Allister A. Teixeira Dias, Pesquisador PNAP da Fundação Biblioteca Nacional

Possui graduação em História pela Universidade Federal Fluminense (2007). Mestre e Doutor em História das Ciências pela Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (2010 e 2015). Foi bolsista Recém Doutor na Casa de Oswaldo Cruz/Departamento de Pesquisa (CNPQ/PROEP, 2016-2018). Foi Professor Substituto no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (UFRJ), entre julho de 2017 e julho de 2019. É membro da Red Iberoamericana de Historia de la Psiquiatria. Atualmente é bolsista de pesquisa na Biblioteca Nacional. Tem experiência em história do Brasil, séculos XIX e XX, com ênfase na história dos discursos e praticas medicas, psiquiátricas, psicológicas e criminológicas, trabalhando com os seguintes temas: história das políticas e das instituições psiquiátricas no Brasil; relação crime, psiquiatria e Justiça Penal no Brasil; crime, criminologia e pensamento social brasileiro; uso de fontes clínicas na história da loucura e da psiquiatria; e a história dos conceitos de responsabilidade penal e periculosidade no Brasil, etc.

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Publicado

2021-07-08

Como Citar

Muñoz, P. F., & Dias, A. A. T. (2021). Degeneração, subalternidade e favela: Anália, ‘uma mulher de cor preta’ no Rio de Janeiro pós-abolicionista. Revista Maracanan, (27), 194–221. https://doi.org/10.12957/revmar.2021.57276