BIOGEOGRAFIA, HISTORICIDADE E EPISTEME: NOTAS PARA A COMPREENSÃO DE UMA NATUREZA HÍBRIDA NO ANTROPOCENO

Autores

Palavras-chave:

Biogeografia, Antropoceno, natureza híbrida, episteme.

Resumo

O Antropoceno não representa apenas um novo período geológico que define uma marca humana permanente na paisagem terrestre. Ele estabelece um novo patamar quali-quantitativo para se analisar a transformação de uma natureza bio-ecológica para uma natureza hibridizada pela cultura humana. Nessa perspectiva, a Biogeografia é desafiada a se reinventar, a fim de compreender esta “natureza híbrida” como um novo metaestado de equilíbrio flutuante na relação sociedade-natureza; nem melhor e nem pior do que a “natureza primitiva” idealizada pelos naturalistas, apenas diferente. Para isso, é imperativo que a Biogeografia reencontre a abordagem geográfica, derivando da sua tradição naturalista e tornando-se um instrumento poderoso de interpretação da complexidade do presente. Neste artigo, buscamos estabelecer uma linha histórica das contribuições mais significativas para a composição deste campo epistêmico na Geografia entre os séculos XIX e XX, a fim de contextualizar as tentativas de inserção do papel dos seres humanos na distribuição das espécies dentro da temática biogeográfica. Por fim, apresentamos uma proposta inicial daquilo que acreditamos ser uma biogeografia do Antropoceno, organizada em torno de cinco eixos centrais de pesquisa: a biogeografia da conservação, a biogeografia das invasões, a biogeografia biotecnológica, a biogeografia da alimentação e dos saberes tradicionais e a biogeografia urbana.

Biografia do Autor

Adriano Severo Figueiró, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria (1990), mestrado em Geografia (Utilização e Conservação de Recursos Naturais) pela Universidade Federal de Santa Catarina (1997), doutorado em Geografia (Planejamento Ambiental) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005) e Pós-Doutorado em Geoconservação pela Universidade do Minho-Portugal (2013). Atualmente é professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria. Tem experiência na área de Geografia Física, com ênfase em Geoecologia, Geoconservação e Educação ambiental. Líder do Grupo de Pesquisa em Patrimônio Natural, Geoconservação e Gestão de Águas (PANGEA) e coordenador do Laboratório de Geoecologia e Educação Ambiental (LAGED) do Departamento de Geociências da UFSM, desenvolvendo pesquisas e orientando alunos de graduação e pós-graduação na UFSM e na UFPel nas áreas de ecologia da paisagem, geoconservação, planejamento ambiental, geoturismo e educação ambiental.

Referências

ABRAHAMSSON, C. On the genealogy of lebensraum. Geographica Helvetica, v. 68, n. 1, p. 37–44, 2013.

ALBERTI, M.; ASBJORNSEN, H.; BAKER, L. A.; et al. Research on Coupled Human and Natural Systems (CHANS): Approach, Challenges, and Strategies. Bulletin of the Ecological Society of America, v. 92, n. 2, p. 218–228, 2011.

ALBUQUERQUE, E. S.; ZANETTI, L.; CANDIOTTO, P.; CARRIJO, B. R.; MONASTIRSKY, L. B. A nova natureza do mundo e a necessidade de uma biogeografia “social”. Geosul, v. 19, n. 38, p. 141–158, 2004.

ALONSO, J. J. G. Biogeografia urbana: presentación del caso de Alcalá de Henares. Anales de Geografia de la Universidad Complutense, n. 15, p. 315–323, 1995.

ANDRIOLI, A. I. A Monsanto e a colonização biotecnológica da América Latina. In: ANDRIOLI, A. I. ; FUCHS, R. (Orgs.) Transgênicos: as sementes do mal. A silenciosa contaminação de solos e alimentos. São Paulo: Expressão Popular, p.117–134, 2008.

BARUA, M. Bio-Geo-Graphy: Landscape, Dwelling, and the Political Ecology of Human-Elephant Relations. Environment and Planning D: Society and Space, v. 32, n. 5, p. 915–934, 2014.

BARUA, M. Ratzel’s biogeography: a more-than-human encounter. Journal of Historical Geography, v. 61, p. 102–108, 2018. Elsevier Ltd. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jhg.2018.05.015>. .

BITOUN, J. Entrevista com Dora do Amarante Romariz. Geosul, v. 23, n. 46, p. 173–195, 2008.

BOHM, D. A Totalidade e a Ordem Implicada. São Paulo: Cultrix, 1998.

BRAND, K.; MATTHEWS, S. (ORG.). América do Sul Invadida: a crescente ameaça das espécies exóticas invasoras. Nairobi: GISP, 2005.

BUTTIMER, A. Alexander von Humboldt and planet earth’s green mantle. Cybergeo : European Journal of Geography, , n. 616, 2012. Disponível em: <https://journals.openedition.org/cybergeo/25478>. .

CANDOLLE, A. P. Essai Élémentaire de Geographie Botanique. Dictionnaire des Sciences Naturelles.. Paris: Levrault, 1820. p.1–64 Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=gj4-AAAAcAAJ&hl=pt-BR&pg=PP5#v=onepage&q&f=false>. .

CARVALHO, M. B. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografia y Ciencias Sociales, n. 25, p.1-19, 1997.

CARVALHO, M. B. Novos fundamentos para a Biogeografia: a revolução biotecnológica e a cartografia dos mananciais de bio-sociodiversidade. Scripta Nova, v. 17, n. 69, p. 1–13, 2000.

CHARDIN, P. T. Le Phénomène Humain. Paris: Éditions de Seuil, 1955.

DANSEREAU, P. Biogeography: An ecological perspective. New York: Ronald, 1957.

DANSEREAU, P. Introdução à Biogeografia. Boletim Geográfico, v. 17, n. 148 e 151, p. 13–35 e 285–329, 1959.

DANSEREAU, P. Impacto ecológico e Ecologia Humana. In: M. A. VIEIRA, P.F.; RIBEIRO (Orgs.); Ecologia Humana, Ética e Educação: A mensagem de Pierre Dansereau. Florianópolis: APED, 1999. p.125–186.

FAETH, S. H.; WARREN, P. S.; SHOCHAT, E.; MARUSSICH, W. A. Trophic dynamics in urban communities. BioScience, v. 55, n. 5, p. 399–407, 2005.

FERRAZ, M. K. Contribuições do método morfológico e da estética de Johann Wolfgang Goethe para a epistemologia da Geografia, 2019. Tese de Doutorado em Geografia. Campinas: Universidade estadual de Campinas. 2019.

FIGUEIRÓ, A. S. Biogeografia. Dinâmicas e transformações da natureza. São Paulo: Oficina de Textos, 2016.

FURLAN, S.A., MELO E SOUZA, R., LIMA, E.R.V., SOUZA, B. I. BIOGEOGRAFIA : REFLEXÕES SOBRE TEMAS E CONCEITOS. Revista da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE)., v. 12, n. 18, p. 97–115, 2016.

GOETHE, J. W. Goethe – the Collected Works – Scientific Studies. Princeton: Princeton University Press, 1995.

GOETHE, J. W. A Metamorfose das Plantas. São Paulo: Edipro, 2019.

GOLDSTEIN, K. The Organism. New York: Zone Books, 1995.

GROSS, M. Human Geography and Ecological Sociology: The Unfolding of a Human Ecology, 1890 to 1930 - and Beyond. Social Science History, v. 28, n. 4, p. 575–605, 2004.

HAECKEL, E. Generelle Morphologie der Organismen. Berlin: Georg Reimer, 1866.

HINCHLIFFE, S. Inhabiting: landscapes and natures. In: ANDERSON,K.; DOMOSH, M.; PILE, S.; THRIFT, N. (Orgs.) The Handbook of Cultural Geography. London: SAGE Publications, 2003. p.207–220.

HOUZARD, G. Evolution de la Biogéographie. Travaux de l’institute de Géographie de Reims, n. 79–80, p. 67–73, 1991.

HUMBOLDT, A. V. Sur les lois que l’on observe dans la distribuition des formes végétales. Nouvelles Recherches, 1816. p. 1–26. Disponível em: <https://digital-beta.staatsbibliothek-berlin.de/werkansicht?PPN=PPN844732699&PHYSID=PHYS_0034&DMDID=DMDLOG_0001>. .

HUMBOLDT, A. V. Cosmos. Ó ensayo de una descripcion física del mundo. Madrid: Imprenta de D. Jose Trujillo, hijo, 1852.

HUMBOLDT, A. V. Essay on the Geography of Plants. Chicago: University of Chicago Press, 2013.

IPBES - THE INTERGOVERNMENTAL SCIENCE-POLICY PLATFORM ON BIODIVERSITY AND ECOSYSTEM SERVICES. Nature’s Dangerous Decline ‘Unprecedented’; Species Extinction Rates ‘Accelerating’. Bonn: IPBES, 2019.

JEPSON, P.; BARUA, M.; LADLE, R. J.; BUCKINGHAM, K. Towards an intradisciplinary bio-geography: A response to Lorimer’s “lively biogeographies” of Asian elephant conservation. Transactions of the Institute of British Geographers, v. 36, n. 1, p. 170–174, 2011.

KANT, I. Crítica da faculdade de julgar. Petrópolis: Vozes, 2016.

KANT, I. Crítica da Razão Pura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.

KATINAS, L.; CRISCI, J. V. Agriculture Biogeography: An emerging discipline in search of a conceptual framework. Progress in Physical Geography, v. 42, n. 4, p. 513–529, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/0309133318776493>.

KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2017.

LATOUR, B. Políticas da Natureza. São Paulo: Editora da UNESP, 2018.

LEAKEY, R.; LEWIN, R. La Sexta Extincion. El futuro de la vida e da humanidade. Barcelona: Tusquets Editores, 1997.

LEFF, E. Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes. Educação & Realidade, v. 34, n. 3, p. 17–24, 2009.

LEFF, E. Discursos Sustentáveis. São Paulo: Cortez, 2010.

LEGENDRE, M.; BARTOLI, J.; SHMAKOVA, L.; et al. Thirty-thousand-year-old distant relative of giant icosahedral DNA viruses with a pandoravirus morphology. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 111, n. 11, p. 4274–4279, 2014.

LEITÃO, C. F. M. Zoo-Geografia do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.

LÖFVENHAFT, K.; BJÖRN, C.; IHSE, M. Biotope patterns in urban areas: A conceptual model integrating biodiversity issues in spatial planning. Landscape and Urban Planning, v. 58, n. 2–4, p. 223–240, 2002.

MAGALHÃES, A.C.; OLIVEIRA, R. R. Etnobotânica, saberes locais e agricultura no contexto de uma floresta urbana do Rio de Janeiro, RJ. In: OLIVEIRA, R.R.; FERNANDEZ, A. (Org.); Paisagens do sertão carioca: floresta e cidade. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2020. p.163–182.

MARSH, J. P. Man and Nature: Or, physical geography as modified by human action. Whasington: University of Washington Press, 2003.

MATURANA, H.R.; VARELA, F. A árvore do conhecimento. As bases biológicas do entendimento humano. São Paulo: Palas Athena, 2001.

MCDONNELL, M. J.; PICKETT, S. T. A. Ecosystem structure and function along urban-rural gradients: an unexploited opportunity for ecology. Ecology, v. 71, n. 4, p. 1232–1237, 1990.

MILLER, H.; CONKO, G. The Frankenfood Myth: How protest and politics threaten the biotech revolution. Westport: Praeger, 2004.

MILLINGTON, A.C., BLUMLER, M.A., SCHICKHOFF, U. Situating contemporary biogeography. In: MILLINGTON, A.C.; BLUMLER, M.A.; SCHICKHOFF, U. (Orgs.); The SAGE handbook of biogeography. London: SAGE Publications, 2011. p.1–18.

MISCH, J. Ciencia y Estética. Reflexiones en torno a la apresentación científica y representación artística de la Naturaleza en la obra de Alexander von Humboldt. In: DOMINGO, M.C.; REBOK, S. (Orgs.); Alexander von Humboldt. Estancia en España y viaje americano. Madrid: RSG, 2008. p.279–298.

MÜLLER, G.H. Ratzel et la biogéographie en Allemagne dans la deuxième moitié du XIXè siècle. Revue d’histoire des sciences, v. 45, n. 4, p. 435–452, 1992.

MÜLLER, G. H. Das konzept der “allgemeinen biogeographie” von Friedrich Ratzel (1844–1904) eine übersicht. Geographische Zeitschrift, v. 74, n. 1, p. 3–14, 1986. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/27818401?seq=1>. .

MUSEU DO AMANHÃ. PRATODOMUNDO: comida para 10 bilhões. Rio de Janeiro: Instituto de Desenvolvimento e Gestão, 2019.

NADGÓRSKA–SOCHA, A.; KANDZIORA-CIUPA, M.; TRZĘSICKI, M.; BARCZYK, G. Air pollution tolerance index and heavy metal bioaccumulation in selected plant species from urban biotopes. Chemosphere, v. 183, p. 471–482, 2017.

QUAMMEN, D. Spillover: Animal infections and the next human pandemic. New York: W. W. Norton & Company, 2012.

RECLUS, É. Do Sentimento da Natureza nas Sociedades Modernas e Outros Escritos. São Paulo: Intermezzo / EDUSP, 2015.

SAMPAIO, A. Phytogeographia do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934.

SAUER, C. O. Grassland climax, fire and man. Journal of Range Management, v. 3, n. 1, p. 16–21, 1950. Disponível em: <https://journals.uair.arizona.edu/index.php/jrm/article/viewFile/4355/3966>. .

SAUER, C. O. Agricultural Origins and Dispersals - The Domestication of Animals and Foodstuffs. Cambridge: The MIT Press, 1968.

SCHICKHOFF, U.; BLUMLER, M. A.; MILLINGTON, A. C. Biogeography in the early twenty-first century: A science with increasing significance for earth’s changes and challenges. Geographia Polonica, v. 87, n. 2, p. 221–240, 2014.

SHIVA, V. Monoculturas da Mente. Perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.

SILVA Jr., I. M. O Pensamento Decolonial na Biogeografia e suas Contribuições na Formação Docente, 2020. Tese de doutorado em Filosofia e História das Ciências. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2020.

SIMMONS, I. G. Biogeography: Natural and cultural. London: Hodder, 1979.

SMITH, B. D. Niche construction and the behavioral context of plant and animal domestication. Evolutionary Anthropology, v. 16, n. 5, p. 188–199, 2007.

SMITH, C. H. Profiles in science for science librarians: “What lives where, and why”: Alfred Russel Wallace, and the field of biogeography. Science and Technology Libraries, v. 30, n. 4, p. 307–325, 2011.

SORRE, M. Les Fondements de la Géographie Humaine. Paris: Armand Colin, 1947.

STALLINS, J. A. The biogeography of geographers: A content visualization of journal publications. Physical Geography, v. 28, n. 3, p. 261–275, 2007.

STODDART, D. R. On Geography. Oxford: Basil Blackwell, 1987.

VAILLANCOURT, J. G. Pierre Dansereau, da Biogeografia à Ecossociologia. In: VIEIRA, P.F.; RIBEIRO, M. A. (Orgs.); Ecologia Humana, Ética e Educação: A mensagem de Pierre Dansereau. Florianópolis: APED, 1999. p.537–559.

VENETTE, R. C.; KRITICOS, D. J.; MAGAREY, R. D.; et al. Pest risk maps for invasive alien species: A roadmap for improvement. BioScience, v. 60, n. 5, p. 349–362, 2010.

VIEIRA, P.F.; RIBEIRO, M. A. Ecologia Humana, Ética e Educação. A mensagem de Pierre Dansereau. Florianópolis: APED, 1999.

WALLACE, R. Big Farms Make Big Flu: Dispatches on influenza, agribusiness, and the nature. New York: Monthly Review Press, 2016.

WORBOYS, M.; STRANGE, J.M.; PEMBERTON, N. The Invention of the Modern Dog: Breed and blood in victorian britain. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2018.

WULF, A. A Invenção da Natureza. A vida e as descobertas de Alexander Von Humboldt. São Paulo: Planeta, 2016.

YOUNG, G. L. Human Ecology as an Interdisciplinary Concept: A critical inquiry. Advances in Ecological Research, v. 8, n. C, p. 1–105, 1974.

Downloads

Publicado

2021-01-28

Como Citar

Figueiró, A. S. (2021). BIOGEOGRAFIA, HISTORICIDADE E EPISTEME: NOTAS PARA A COMPREENSÃO DE UMA NATUREZA HÍBRIDA NO ANTROPOCENO. Humboldt - Revista De Geografia Física E Meio Ambiente, 1(2). Recuperado de https://www.e-publicacoes.uerj.br/humboldt/article/view/57367

Edição

Seção

Dossiê de Lançamento: Epistemologia da Geografia Física Brasileira