Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares,
v. 10. n. 2, nov. 2013
Helenise Monteiro Guimarães (UFRJ)
Histórico
sucinto, fora da já conhecida trajetória percorrida nas escolas
de samba, de uma face pouco conhecida de artistas da Escola de Belas Artes da
UFRJ que se dedicaram intensamente ao carnaval carioca, compartilhando do campo
de competições aberto pelos concursos para
decoração carnavalesca da cidade e de seus teatros e clubes, como
o Baile de Gala do Municipal, e os bailes do Hotel Glória e do
Copacabana Palace.
DECORAÇÃO
CARNAVALESCA; CARNAVAL; CULTURA POPULAR; MEMÓRIA CARIOCA.
Helenise Monteiro Guimarães (UFRJ)
This is a short account, away from
the already known trajectory in the samba schools, of a little-known façade of artists from the
Fine Arts School of UFRJ, who
intensively devoted themselves to Rio de Janeiro’s carnival, competing in the contests for carnival decoration of the
city and its theaters and clubs,
such as the Gala Dance at the Municipal Theater, and the
dances of the Copacabana
Palace and Gloria Hotels.
CARNIVAL DECORATION; CARNIVAL; POPULAR CULTURE,
CARIOCA MEMORY.
RIO DE JANEIRO: A CIDADE
ESPETÁCULO
Desde o período
colonial, o Rio de Janeiro já ornamentava suas ruas para festas, como
aquelas dedicadas aos casamentos da família real
portuguesa saudados com grandiosos desfiles que incluíam carros
alegóricos, costume que, mais tarde, já na segunda metade do
século XIX, se refletiria nas ornamentações da folia nas
ruas cariocas. Os primeiros passos em direção a essa
tradição carnavalesca são apontados por Ferreira (2004, p.
117), referindo-se às grandes recepções preparadas em
janeiro de 1856 para saudar o desfile do Congresso das Sumidades Carnavalescas:
“Os moradores da Rua das
Violas entre Candelária e Quitanda adornaram domingo o seu
quarteirão para receber as sociedades carnavalescas” ressaltando
mais uma vez a postura vanguardista daquele trecho de rua que pode se orgulhar
de ter realizado a primeira decoração de rua para o Carnaval
brasileiro.
Nas décadas seguintes,
essas recepções decoradas seguiram com intensidade pelas ruas,
nos coretos dos subúrbios e nas avenidas mais nobres do Centro, onde o
patrocínio do comércio não deixava dúvidas quanto
à disposição de embelezar o espaço urbano e atrair
maior quantidade de foliões e dos grupos organizados pelos
préstitos. No entanto é fato que a mobilização,
principalmente dos quarteirões do Centro do Rio de Janeiro, e o
investimento para atrair os préstitos configuram nesse período
uma nova ordenação, como explica Ferreira (2004, p. 117):
Essa forma de
organização social deixa claro que os grupos que preparavam as
recepções às sociedades eram formados por pessoas que
mantinham um estreito relacionamento de vizinhança, típico das
cidades coloniais brasileiras e uma das características sociais
importantes do Rio de Janeiro do século XIX.
O século XIX apresenta portanto um marco importante de ordenação da
folia carioca, seja pelos embates entre suas múltiplas
manifestações, tais como entrudo e clubes carnavalescos, seja
pelo papel que começa a ter o espaço da cidade, no qual
a trama urbana do Centro da cidade do Rio
de Janeiro oitocentistas fomenta, a cada carnaval, um processo de enfrentamento
entre os mais diferentes atores e os obriga – mesmo que, frequentemente,
a contragosto – a se encararem e a dialogarem (ferreira,
2005, p. 78).
Em 1928 a Avenida Rio Branco
recebeu sua primeira ornamentação oficial, paga pela prefeitura e
idealizada pelo artista e cenógrafo Luiz Peixoto. O carnaval ainda
tentava eliminar o entrudo, que convivia com os desfiles dos corsos, em
fileiras de carros ocupados pelas famílias burguesas, com as
apresentações dos ranchos carnavalescos, com as grandes
sociedades e, já naquele ano, com as recém-criadas escolas de
samba. Ferreira (2004, p. 246) cita texto do jornal O Globo, de 14 de
fevereiro de 1928 que aponta o destaque dado a mais essa novidade que se somava
à montagem de arquibancadas, palanques e camarotes na
Avenida Rio Branco, em demonstração do poder de
atração que os desfiles dos préstitos exercia tanto
no público quanto nos negociantes, que obtinham lucros com essas
adaptações.
O carnaval deste ano vai
apresentar uma novidade de bastante sensação, ao menos na
Avenida, por onde transitam resplandecendo os préstitos das grandes
sociedades, cruzam os automóveis trêmulos
de serpentinas nas tardes e nas noites de corso e se apinha o povo, entregue a
sua maior, senão única festa de todo ano (...) A Avenida
será ornamentada oficialmente havendo a Prefeitura contratado um artista
para a tarefa esplêndida. A escolha foi feliz, por isso que foram
aproveitados os serviços de Luiz Peixoto.
Essas disputas entre direito de
brincar e o dever de organizar uma festa que em essência remete ao caos e
à liberdade, não impediam, porém, que a cada ano o
carnaval celebrasse a realeza foliã junto com ícones do cinema
hollywoodiano homenageados em pontos nobres da cidade, como destaca
matéria do Correio da Manhã de 12 de fevereiro de 1950.
Pela sua
localização, a Praça Marechal Floriano é assim como
que a sala de visitas da cidade, por isso o carinho especial com que é
tratada sua ornamentação. (...) No obelisco, parte superior, em
dupla face, será erigida a figura de S. M. O rei Momo, confortavelmente
instalado em augusto trono. Na parte inferior, em homenagem à nossa
embaixatriz do samba, monumental painel com a figura cem por cento
trepidante e tropicalíssima da incomparável Carmem
Miranda.
A verdadeira batalha das
ornamentações1 que ocorria configurava um momento
importante do calendário carnavalesco, desde a inscrição
dos competidores até a divulgação dos projetos, com
exposição aberta ao público e, finalmente, o
anúncio do projeto vencedor. Tanto a ornamentação da
cidade quanto a do Baile de Gala do Theatro Municipal
eram objeto de atenção dos jornais e merecedoras de
cerimônias, sendo que o momento solene, para a decoração
das ruas, era sua inauguração pelas mãos de Sua Majestade
Momo I e Único, juntamente com o acender das luzes multicoloridas de
avenidas e ruas do Centro da cidade.
Nesse sentido a
decoração teria o poder de determinar visualmente o que Da Matta
(1983, p. 44) chama de “universo próprio do carnaval”, ao
transformar espaços que eram simples localidades do Centro da cidade em
lugares de encontro para a população e palcos para os diversos
desfiles, ao mesmo tempo em que os salões se tornariam “espaço
igualador de várias posições sociais no baile”.2
Percorrendo a cidade, o
cidadão esbarrava em pilastras giratórias ornadas com
pierrôs, colombinas, arlequins, malandros e baianas
pontuando esquinas e tomando de assalto uma festiva Avenida Presidente
Vargas. Esse palco urbano não passaria despercebido ao cenógrafo
e professor da Escola Nacional de Belas Artes Fernando Pamplona, que havia
arrebatado a cidade, decorando, em 1959, o Baile de Gala do Theatro
Municipal com o tema África e, em 1960, as ruas do Rio com a
decoração por ele denominada Roupa na Corda, um “fracasso
técnico” que rompeu com as tradicionais
ornamentações urbanas e marcou uma fase de
transição para novas técnicas de decoração.
O “Folclore Não
é Digno do Municipal!”: As Muitas Áfricas de Fernando Pamplona
Recuando no tempo, é
no Theatro Municipal que encontraremos o cenógrafo e futuro professor da Escola de
Belas Artes Fernando Augusto Pamplona tentando seu primeiro concurso, em 1954,
cujo tema, versando sobre orixás africanos, perdeu para
Navegações, de autoria do cenógrafo Mario Conde, que
decorou o teatro com animadas batalhas de piratas. Naquele ano, os principais
espaços urbanos do Centro do Rio de Janeiro receberam como
ornamentação figuras do imaginário carnavalesco, criadas
pelo cenógrafo Tomaz Santa Rosa, cuja intenção era fazer
com o que o carioca encontrasse nas ruas tudo o que pudesse lembrar o folclore
brasileiro. A Cinelândia e a Praça Paris dividiam entre si motivos
ligados ao frevo e uma gigantesca Torre Eiffel, de forma que não se
perdia o vínculo com as referências europeias, mas ambientava-se o
carnaval num contexto cada vez mais nacional.
Fernando Pamplona, que
já trabalhava na equipe do cenógrafo Mario Conde no Theatro Municipal, apresentaria nesse ano junto com o
cenógrafo Nilson Pena um projeto cujo tema era o folclore
afro-brasileiro. A cronista Eneida de Moraes, em sua coluna do suplemento
Literário do Diário de Notícias de 24 de janeiro de
1954 relata o fato, destacando alguns aspectos interessantes:
No projeto Pamplona-Pena, nosso
Teatro Municipal é transformado numa exposição de folclore
nacional. Os motivos foram escolhidos de acordo com o local. Exemplo: Omulu, Ágüe, Exu e
Ogum. Fachada, hall e foyer serão decorados pela primeira vez e ali se
exibem figuras de bumba meu boi, guerreiros, cobra grande... Quem conhece o
Teatro Municipal deve estar lembrado daquela estátua que existe, no alto
da escadaria central e que tem na mão um espelho (...)
pois ei-la transformada em Yemanja, (...) as
duas estátuas negras que se encontram na entrada do hall serão
duas baianas vestidas com roupas originais, autênticas, ligadas entre si
por uma guirlanda de vasos de flores simbolizando a lavagem do Senhor do
Bonfim. (...) O palco é decorado com máscaras e instrumentos de
música popular, o teto com guarda-chuvas e pendentes do frevo, em toda a
extensão da galeria um grande mural simboliza o Maracatu, o camarote de
honra das flautas divinas do Candomblé em tamanho gigante.
O projeto previa para o palco a
reprodução do Pelourinho de Salvador, com bandeirinhas e
painéis retratando batucadas, blocos e fantasias típicas do
carnaval baiano. Eneida de Moraes, encantada com o trabalho, afirma que seria
uma oportunidade de mostrar ao turista “não só o nosso
carnaval, mas nossas festas em geral, crenças e danças”. E
Pamplona complementaria essa análise afirmando:
Justamente por isso que
escolhemos o tema que conhecemos, [...] já é hora de acabar com
as decorações carnavalescas onde aparecem pagodes chineses,
Veneza, motivos orientais ou coisas do gênero (correio da manhã, 23.1.1954).
Ao fim de sua matéria,
Eneida (diário de notícias, 24.1.1954) afirma que, independente
do resultado
Nossos dois cenógrafos terão ganho ou perdido o direito de transformar
aquele teatro em paraíso de lendas. Por isso mesmo vale esta narrativa:
se eles tiverem ganho, esta reportagem é um
bater de palmas junto à vitória, se eles tiverem perdido (o que
me parece uma injustiça) fica o bater de palmas mais forte ainda, porque
apesar de não conhecermos os projetos de outros candidatos à
decoração, estamos certos de que Fernando Pamplona e Nilson Pena
fizeram realmente uma coisa digna de todos os louvores.
Após o anúncio do
projeto escolhido, a cronista reproduz a explicação do Sr.
Alfredo Pessoa aos dois cenógrafos:
Apesar de ser favorável
ao projeto e ao entusiasmo do Senhor Prefeito pelo mesmo, além da
opinião unânime das pessoas que foram consultadas a respeito,
não foi aprovado por ter sido o folclore indigno de ser apresentado no
teatro Municipal. A decoração explorava temas demasiadamente
populares e seria muita responsabilidade do prefeito, colocar
por exemplo, os “santos do candomblé” como motivo
principal.
Complementa a cronista que
apesar de o projeto não ter sofrido restrições quanto
à parte artística, sendo considerado o mais bem apresentado, uma
das alegações seria a de que “não ficaria
‘bem’ mostrar aos turistas nosso folclore afro-brasileiro”.
Bem mais conservador, o projeto vencedor de Gilberto Trompowsky
e Fernando Valentim intitulado Navegação tinha a proposta de
transformar “o majestoso teatro internamente em monumental galera”.3
Quase que imediatamente
após a escolha do projeto vencedor, Pamplona e Pena enviam à
coluna Teatro, do jornal Correio da Manhã (25.1.1954), uma longa
carta na qual relatavam suas intenções na escolha do tema, e
agradeciam a todos aqueles que os haviam incentivado e apoiado durante
“os últimos instantes da peleja”. Reportando os fatos que
haviam ocorrido (incluída a manifestação contrária
àquela decoração oriunda de entidades religiosas que
“além de combater o próprio carnaval em si, achavam que
figuras extraídas do folclore afro-brasileiro expostas em público
constituiriam divulgação de crenças pagãs”),
os autores explicam os elementos figurativos escolhidos:
Quando procuramos o senhor
Alfredo Pessoa ele mesmo nos pediu que abordássemos “temas
essencialmente brasileiros”. E foi o que tentamos fazer. Procuramos assuntos
brasileiros e carnavalescos, o que nos pareceu indispensável. Nada
nos ocorreu mais brasileiro do que o Maracatu, o frevo, o reisado, o bumba meu
boi, o candomblé, o coco. Não nos
ocorreram figuras mais expressivas, mais bonitas, mais alegres, mais nossas do
que o Saci, a Cobra Coral, a Matinta Pereira, a Yara,
os Guerreiros, os Reis, os Orixás. Pela beleza de suas vestes, pela
expressão de suas máscaras, pela originalidade de sua forma,
acreditamos que honrariam qualquer folclore e seriam
motivo de atração legítima para o turista que
ousasse nos visitar no carnaval.
Os autores prosseguem indagando
a razão da recusa à temática do folclore para o Baile de
Gala, se o próprio poder público
mantinha em vários estados do Brasil “organismos encarregados de
surpreender, estudar, analisar e legar posteridade às festas,
tradições, e costumes dessa ordem” e que num país
com tantos artistas, escritores e intelectuais defendendo as origens nacionais,
eles
no pensar do julgadores são agentes
subversivos perigosos, delatores de nossas vergonhas secretas, que escrevem,
pintam, gravam, catam para a eternidade, a poesia de um povo de tantas
raças, povo que tem direito a amar as crendices de seus ancestrais, de
escolher os caminhos que quiser para neles passear o coração
(correio da manhã, Rio de Janeiro, 25.1.1954).
A reação de
Fernando Pamplona e Nilson Pena traduz o interesse que o folclore nacional
despertara desde 1947, sendo definido por seus defensores como movimento
folclórico. Uma série de congressos organizados pela
Comissão Nacional de Folclore (CNF) difundiu esse engajamento em outros
estados do país problematizando, através de posições
que muitas vezes se tornavam contrastantes, a definição de
folclore e sua relação com o estabelecimento de uma identidade
nacional, discussão essa que mais uma vez viria à tona, agora sob
o prisma das discussões acadêmicas (vilhena,
1997).
Observando a carta de Pamplona
e Pena nota-se a preocupação em atender à
solicitação dos “assuntos brasileiros e
carnavalescos” e a escolha dos autores que recai em varias
manifestações folclóricas e religiosas. O uso de um tema
religioso afro-brasileiro não é novidade, e já havia sido
aplicado na decoração em 1932 do Teatro João Caetano,
ornamentado com A Macumba de S. Carlos. Passados mais de 20 anos, Pamplona
tenta levar ao Municipal um panorama de manifestações
folclóricas que incluía os deuses do candomblé sem obter
sucesso. Talvez porque no contexto de uma “cultura carnavalesca”
mais amadurecida, delimitada por regras e cada vez mais pautada por uma
ideologia capitalista que a encilhava aos interesses políticos, tal
opção pouco tivesse a ver com a “profanação
religiosa”.
Fernando Pamplona (apud guimarães, 2006) em
depoimento recente (8.2.2006) nos esclarece alguns elementos que na
época não foram divulgados:
Acontece que nós fizemos
um projeto que deixou o Diretor de Turismos e Certames
“embasbacado”. Era uma caixa de pau-marfim que abria e tinha a
decoração, pela primeira vez com o uso da perspectiva e com
detalhes incluindo a fachada. Ele ficou na dúvida, teve que decidir, e
só tinha um projeto que podia ser qualificado junto com o nosso, que era
o projeto do Valentim, maravilhoso, e do companheiro dele, Gilberto Trompowsky. Ele ganhava com uma galera portuguesa, e era um
projeto muito bem idealizado. (...) Ali nas colunas do Teatro eu tinha vestido
uma com cada orixá diferente, o interior era o pelourinho, os dois
palcos tinham orixás, e eu aumentei muito a aparência do pessoal
do candomblé. E o presidente da República com medo de uma
possível polêmica – como hoje as caricaturas feitas na
Dinamarca e que ofenderam Maomé – optou pela galera. Ele tinha razão
em última instância. Era muito bonito, mas estava mexendo com uma
coisa que não era para mexer no carnaval (...) isso pra mim não
tinha muita importância não, mas para outros tinha. Não era
uma questão de falta de respeito (...) e sim uso indevido do tema.
A ousadia do tema precisaria
tornar-se “popular” para então ser admitida num
espaço de elite. E “popular” nesse período especifico
eram as figuras carnavalescas já consagradas, os aristocráticos
arlequim, pierrô e colombina e os “tipicamente” nacionais
malandros, baianas e mulatas. E para que não tropecemos no campo das
hipóteses, basta admitir que a opção pelo tema
Navegação e pirataria demonstrava muito mais
adequação a um espaço solidamente demarcado para a elite,
e, portanto “digno” de ali ser montado.
Pamplona, porém, tem uma
visão diferente dessa “dignidade”, e questiona sua
posição, embora no cenário das competições
ele mesmo deixasse claro, como se vê em seu depoimento, sua
compreensão dos parâmetros políticos que balizavam as
escolhas dos projetos para o Theatro Municipal:
Mas quanto à dignidade
do teatro Municipal, você acha que a ofenderíamos escolhendo temas
populares? Trata-se de decorar o Teatro para uma solenidade oficial, para um
concerto de Orquestra Sinfônica, para um Congresso Internacional de
Cientistas ou Políticos? Ou para um baile carnavalesco de
tradição autenticamente popular? Pensamos que o mais oportuno
seria exatamente roubar o aspecto grave da decoração permanente,
em favor da festa e dos foliões. Estamos errados? (correio da
manhã, Rio de Janeiro, 23.1.1954)
Pamplona continuaria suas
atividades como decorador de outros salões, como os do Copacabana Palace
e do Hotel Glória, onde naquele mesmo ano de 1954 se realizaria o Baile
dos Artistas, para o qual, junto com Nilson Pena, ele criaria uma
decoração baseada totalmente no tema da mitologia grega,
intitulada Gregalhadas. A matéria do jornal O
Globo, de 5 de fevereiro de 1954 descreve a
decoração:
Suas paredes serão
cobertas de ninfas e bacantes, e o teto, por um grande sol em
estilização grega. No segundo salão o “Templo dos
Deuses” com majestosos pórticos cujas colunas serão os
habitantes do Olimpo. Mascaras de Tragédia grega completam esta
decoração. No outro salão estarão as “Termas
Gregas”, com reproduções de frisos originais. Os dois bares
serão transformados, respectivamente, em “Templo de Apolo” e
“Templo de Baco”. (...) Haverá ainda a “Sala das Tanagras” (...) e a “Sala de Vênus”
completada com um quadro do nascimento da deusa inspirado na célebre
tela “O Nascimento de Vênus” de Boticelli,
e outros dois sobre “O Julgamento de Paris” e “Vênus e Periche”.
A batalha das
ornamentações também espelhava a competição
entre os promotores dos bailes pré-carnavalescos, que organizavam
eventos para adultos e crianças, já incluídos no
calendário da festa. Nesse sentido a ornamentação constituía
um elemento importante para agradar contingentes das mais variadas idades e
para atrair as “as correntes turísticas nacionais e estrangeiras
que nesta época procuram o Rio atraídas pela
notoriedade de seu carnaval” (correio da manhã, Rio de
Janeiro, 10.2.1955).
O estímulo à
competição no campo das decorações urbanas pode ser
detectado nas críticas da imprensa local. Em 8
de fevereiro de 1952, o periódico A Manhã anunciava os
esforços do Departamento de Turismo da Prefeitura para ornamentar as
principais artérias do Centro do Rio de Janeiro. A pretensão era
de que as duas vias, Avenida Rio Branco e Avenida Presidente Vargas, fossem
decoradas de forma espetacular “com motivos novos e bem urdidos, e todos
ultrapassando as decorações anteriores, tanto em
confecção quanto em beleza e arte”. Os repertórios
para essa ornamentação anunciados pelo cenógrafo Luis Peixoto (que tinha como auxiliares Souza Meirelles e
Monteiro Filho, também profissionais de teatro) baseavam-se em
“motivos venezianos” (correio da manhã, Rio de Janeiro,
27.2.1954), e lanternas, candelabros, gôndolas e um gigantesco farol
armado no Obelisco da Avenida Rio Branco determinariam o clima do local. Em
contraponto, na Avenida Presidente Vargas seriam empregados “motivos
folclóricos brasileiros”. Já no espaço entre a
Candelária e o monumento a Caxias, seriam dispostas
enormes figuras de gesso e madeira representando o bumba meu boi, a
chegança, o maracatu, o batuque, o frevo e o samba. Por fim, na
Praça Onze, seria armado uma espécie de
“carro-chefe”, representando a alegria, puxado por alegres
foliões e tendo “ao centro uma roda giratória com
iluminação pirotécnica e bastante profusa”.
A cada ano a imprensa informava
que a decoração seria “a mais notável de todos os
tempos. Bem digna sem contestação alguma, do renome de nosso
carnaval carioca, que nunca é esquecido, mesmo
além-fronteiras”. Os artistas convidados ou contratados pela
prefeitura se revezavam entre as ruas e os salões de bailes, principalmente
aqueles do Theatro Municipal, onde se realizava o
Baile de Gala da Cidade, do Hotel Glória, do Copacabana Palace e do
clube High Life, sempre mantendo a expectativa de novas
superações que ecoariam “além-fronteiras”.
O papel das
decorações carnavalescas evidencia sua capacidade de transformar
determinados espaços em territórios festivos e cenários
espetaculares, ao lado de outros elementos que também possuem esse
poder, incluindo-se aqui os próprios grupos carnavalescos. Esses
espaços também são socialmente construídos por
negociações que definem seus usos, no sentido de que
ornamentá-los funcionou como uma forma de atrair novamente o
público para o Centro do Rio de Janeiro e, consequentemente, para o
carnaval turístico.
Mais do que uma identidade
simbólica, a espetaculização
dessas ornamentações buscou também usar o carnaval como
veículo para novas linguagens artísticas, haja vista que suas
temáticas mudam radicalmente dos “motivos venezianos” para
outros objetos, tais como lendas afro-brasileiras e até movimentos da
vanguarda artística, como op-art e cubismo.
Quando, a partir dos anos 50, à permanência do carnaval é
atrelada a imagem da festa como um grande evento turístico, a luta para
evitar seu desgaste e mantê-lo no roteiro internacional acabaria por
acirrar a competição não mais restrita aos
cenógrafos. A decoração carnavalesca tornava-se atraente
para outros profissionais, sobretudo aqueles oriundos da Escola de Belas Artes.
Fernando Pamplona retomaria seu
projeto de vestir o Theatro Municipal com motivos
africanos, proeza que consegue, dessa vez sem criar polêmicas, em 1959,
véspera do ano em que leva a Escola de Samba Acadêmicos do
Salgueiro ao título de campeã, com o enredo Zumbi dos Palmares e,
dando continuidade a suas Áfricas, em 1962, quando vence o concurso para
decoração da cidade do Rio de Janeiro, colocando gigantescos
totens africanos na Praça Onze (Figura 1). Dessa forma, revela-se o fato
de que a ideia da temática afro-brasileira já estava em seus
planos no início dos anos 50, sendo insinuada em primeiro lugar no
espaço nobre − e agora digno do folclore − do Theatro Municipal (Figura 2).
A REVOLUÇÃO
TÉCNICA E ESTÉTICA CHEGA ÀS AVENIDAS: O DEBRET DA EQUIPE A
TRINCA
As relações
existentes entre a Escola de Belas Artes e o carnaval carioca ficaram
historicamente conhecidas pela “revolução
estética” de Fernando Pamplona na Escola de Samba Acadêmicos
do Salgueiro nos anos 60 (guimarães,
2003). Nas últimas duas décadas os vitoriosos carnavais
elaborados pela professora e figurinista Rosa Magalhães no mesmo
Salgueiro e na Imperatriz Leopoldinense consagraram
não só um estilo muito pessoal, mas também a continuidade
de artistas da EBA na folia carioca.
Ainda nas primeiras
décadas no século XX alunos premiados nos salões da
academia dividiam com cenógrafos e cenotécnicos
a elaboração dos préstitos carnavalescos que percorriam a
cidade com gigantescos carros alegóricos e coloridos estandartes. Para
as grandes sociedades e os ranchos, esses artistas eram chamados de
“técnicos”. Compor os quadros da Escola Nacional de Belas
Artes como aluno ou professor concedia àqueles indivíduos o
reconhecimento necessário que os habilitava para a criação
carnavalesca.
O ano de 1965 foi especial por
vários fatores. Comemoravam-se os 400 anos da fundação da
cidade do Rio de Janeiro, e o país completava seu primeiro ano do regime
militar iniciado com o golpe de 31 de março de 1964. Com a
mudança da capital do país para Brasília em 1960, o Rio de
Janeiro ainda era fortemente identificado como símbolo nacional, tendo
em vista seu passado de cidade-capital. Também contribuía para
isso o fato de sediar instituições culturais de dimensões
nacionais, como o Arquivo Nacional, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de
Belas Artes, o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e a
Academia Brasileira de Letras. Mesmo perdendo o status anterior, o Rio
mantinha sua aura de capitalidade.
Dessa forma a
celebração do IV Centenário
deveria articular passado, presente e futuro, o que implicava conciliar duas identidades: a de cidade quatrocentona
e a de mais novo estado da federação: a Guanabara. As
comemorações deveriam abordar a história da cidade e sua
importância no cenário cultural brasileiro. Não foi
à toa que quase todas as escolas de samba nesse ano glorificaram a
fundação do Rio de Janeiro “reafirmando os principais elementos
constitutivos da memória sobre a origem da cidade, aprendida nos bancos
escolares” (motta,
2004, p. 55).
A ornamentação da
cidade para o carnaval também não deixaria dúvidas do
momento de solene celebração do povo carioca, transformando em
deslumbrante fantasia seus espaços urbanos tomados pela embriaguez da
folia. O concurso para decoração das ruas, instituído pelo
decreto-lei n. 396, de 23 de outubro de 1963, foi lançado no
mês de outubro, sendo os vencedores conhecidos em dezembro, tendo pela
frente os meses que antecediam o carnaval para a execução de seus
projetos. Em 1965 os espaços a ornamentar compreendiam a Avenida Rio Branco em toda a sua extensão, a Praça
Floriano, a Avenida Presidente Vargas até a Praça da
República, a Praça Mauá e o Largo da Carioca, e era
obrigatória a inspiração em motivos históricos ou
culturais que fizessem referência ao Rio de Janeiro.
A concepção do
projeto de Adir Botelho e seus parceiros era uma ideia antiga e para sua execução
contou com a participação de colegas da EBA
“um grupo relativamente pequeno mas extremamente
valente que trabalhou com uma bravura tremenda utilizando todos os seus
momentos de folga e numa época em que tinha de enfrentar exames de fim
de ano” (salgado, 1965). Nas salas de aula da academia tomaram forma as pranchas do projeto e os detalhes de imensos
painéis com as gravuras de Debret. Aquele foi um ano em que a
participação dos integrantes da EBA se
fez notar mais do que nunca. Além do primeiro prêmio, ganha o
segundo lugar Newton Sá e a terceira colocação é
dada a Plínio Cipriano, Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues e Mario Monteiro.4 No desfile das escolas de samba,
sagrava-se campeã a Acadêmicos do Salgueiro com o enredo de
Pamplona e Arlindo Rodrigues História do Carnaval Carioca, baseado no
livro homônimo da cronista Eneida de Moraes. Complementando a escalada de
vitórias, vence o concurso de decoração do Theatro Municipal o pintor e professor Manoel Francisco
Ferreira em parceria com Esmeralda Barros, com o tema Largo do Rio Antigo.5
Em pleno período das
revoluções técnicas e estéticas das escolas de
samba, Adir Botelho, Fernando Santoro e Davi Ribeiro mudavam a
concepção dos projetos de decoração com
explorações de materiais que impuseram novos padrões de
proporção, forma e iluminação. A
apresentação de trabalhos de alto nível técnico e
artístico demonstrava que aqueles concursos haviam ganhado uma nova
dimensão, na qual se destacavam as pesquisas de materiais que
produzissem novos efeitos decorativos e também pelo desenvolvimento de
temáticas históricas ou folclóricas mais elaboradas.
O
redimensionamento de proporções e a execução da
ornamentação se daria pela concepção de um “teto decorado”
para as ruas, atingida no trabalho de Pamplona em 1960, por ele denominado
Roupa na Corda, uma experiência criticada por seu fracasso, mas que
proporcionou a necessária abertura para novas concepções
cenográficas urbanas. No período de cinco anos, compreendido
entre 1960 e 1965, as ornamentações agigantaram-se e tornaram-se,
junto com os desfiles das escolas de samba, o ponto alto do carnaval carioca.
Até então as decorações se limitavam aos postes das
ruas, suspensas por gambiarras, e aos gigantescos painéis em locais de maior
concentração, tais como o Obelisco da Avenida Rio Branco e a
Praça Tiradentes. A ideia do teto decorado sugerida por Pamplona levava
para a rua uma concepção cenográfica diferente no
tratamento do espaço urbano. O “fracasso” ficou por conta do
mau posicionamento dos estandartes, que o vento enrolava nos cabos
descaracterizando a decoração.
A partir de 1962 já se
explorava o sistema tubular com estrutura de ferro, o plástico vulcafilm e o uso do tronco de eucalipto fixado por
cabos de aço como sustentação dos elementos decorativos
que eram dotados também de nova concepção de
iluminação interna e maiores dimensões. Na prática,
a estrutura tubular determinou também maior velocidade na montagem e
desmontagem e, sobretudo, mais segurança, sendo economicamente mais
viável para os cofres públicos.
O projeto Rio Antigo, mais
conhecido como Debret venceu os 17 concorrentes, trazendo de volta “as
belezas, as curiosidades, os tipos e encantos da cidade em princípios do
século XIX” (o globo, Rio de Janeiro, 3.3.1965). O tema desenvolvido
em 19 pranchas, inspirado na obra de Jean-Baptiste Debret, foi elaborado com
elementos simbólicos que facilitavam sua identificação com
a história da cidade. Vale aqui fazer uma breve descrição
da ornamentação nos locais a que se destinava.
Uma galera de 40m de comprimento
por 18m de largura foi colocada na Praça Onze com sua quilha
avançando sobre o canal do Mangue. Representava, entre outros fatos, a
vinda da família real portuguesa, a fundação da cidade e a
abertura dos portos (Figura 3).
As gravuras de Debret, reproduzidas
de seus originais (Figura 4), foram decalcadas em 70 estandartes de 15m de
altura, colocados ao longo da Avenida Presidente Vargas. Fazia parte da
composição seis tipos de azulejos coloniais,
recebendo o estandarte iluminação interna, que em perspectiva
na avenida gerava uma luminosa “moldura” para as escolas de samba
(Figura 5).
Atrás da Igreja da
Candelária, funcionando como uma gigantesca boca de cena para o desfile, foi montado um painel de 15m de altura por 32m de
comprimento, formado por seis barras de azulejos coloniais. Cumpria a
inédita função de isolar a igreja e servir como pano de
fundo para a entrada das agremiações. À frente do painel
instalou-se uma coroa giratória espelhada, de 9m de altura, que durante
o dia arrancava reflexos do sol e à noite reverberava com as luzes da
avenida.
Não menos imponente foi a decoração da Avenida Rio Branco, cujos
postes foram cobertos com desenhos de sobradinhos coloniais. Lampiões
presos aos edifícios a atravessavam de um lado a outro, bem como
desenhos rendados, que davam um toque de sonho ao local (Figura 6).
Para o desenvolvimento das
ideias, os autores buscaram uma recomposição fiel do passado,
revivendo as glórias da cidade através de seus artistas.
Articulando elementos decorativos considerados tradicionais, dos tempos da
monarquia portuguesa e das ornamentações das festas para a
família imperial, traziam tais fontes para a atualidade:
Baseados em esboços de
Thomas Ender, os autores do projeto criaram o arco
triunfal da chegada de D. Leopoldina, idêntico aos que foram
construídos na Rua Direita, por ocasião da chegada da princesa ao
Rio, tendo sido arquiteto Grandjean de Montigny e decorador, Debret. (...) O arco que terá
inclusive os 12 círculos representando as virtudes de D. Leopoldina,
ficará na avenida Chile, atravessando as duas
pistas, e terá 15m de altura (o globo, Rio de Janeiro, 16.11.1964, p.
28).
A Praça Floriano foi
ornamentada com colchas coloridas, imitando aquelas que enfeitavam as janelas e
sacadas durante as festas da cidade. Completavam a decoração
sombrinhas como as que aparecem nas gravuras de Debret, lembrando que o
carnaval também era uma festa elegante. No Tabuleiro da Baiana, antigo
terminal de transporte urbano da Avenida Almirante Barroso localizado no trecho
entre a Avenida Treze de Maio e a Rua Senador Dantas, foi erguido um coreto que
funcionava como salão de baile, com suas colunas revestidas de caixas
coloridas e iluminadas, decoradas por seis cata-ventos que giravam sobre a
cobertura. Na Praça Mauá, sobre uma torre de 25m de altura foi
colocado o símbolo do IV Centenário,
criado por Aloisio Magalhães, fazendo o contraponto histórico da
cidade moderna e progressista.
Ainda com base no tema e nos
elementos de seu próprio projeto, os autores utilizam a imagem do
cata-vento para criar o cartaz símbolo do carnaval. Objeto de outro
concurso organizado pela Secretaria de Turismo, a finalidade desse cartaz seria
divulgar no mundo inteiro os festejos do IV
Centenário. A comissão julgadora não teve dúvidas
em conceder o prêmio aos três artistas, e, mais ainda, o deputado
Carvalho Neto, membro do Júri, propôs um voto de louvor aprovado
em plenário.
E AS
DECORAÇÕES FICARAM NA MEMÓRIA
O gigantismo das
decorações de rua, sua sofisticada elaboração e seu
alto custo terminaram por inviabilizá-las. Competindo com elas e
estimuladas pela ampliação do espaço cênico para o
desfile proporcionado pelo Sambódromo, as escolas de samba também
aumentaram as proporções de suas alegorias e fantasias. A
afirmação dessas novas linguagens estabeleceu patamares
inéditos para a organização da festa urbana, estimulados
pela disposição do poder público em tornar mais atraentes
os espaços a ela destinados.
Os artistas da Escola de Belas
Artes desempenharam papéis de mediadores nas redes de
relações das diversas correntes culturais (barth, 2000) a que estavam sujeitos. Interagindo
entre si e com a sociedade, criaram estratégias que contribuíram
para a permanência da festa carnavalesca. Suas alianças foram
fundamentais no estabelecimento de novas regras para os rituais agonísticos que compõem o carnaval carioca,
permitindo assim novas expressões artísticas.
Analisando dois campos de
representação, os da produção dos desfiles de
escola de samba e das decorações urbanas e de interiores, nota-se
que um de seus componentes mais importantes é a espetaculização
− também fruto de uma postura profissional trazida pelos artistas
da EBA. Entre os diversos processos criadores, a
concepção projetual se apresenta como
referência de método de desenvolvimento. Acrescente-se aqui a
consolidação do modelo de trabalho em equipe e o estabelecimento
de sistemática muito semelhante à produção
industrial e teatral.
As reivindicações
dos concursos oficiais para decorações, tanto das ruas quanto dos
salões de bailes, abriram a possibilidade de absorção de
novos profissionais e a consequente melhoria na qualidade dos projetos.
Observa-se, aliás, que os mesmos artistas atuam tanto nos concursos
quanto na confecção dos desfiles, estimulados pela competição
e, no caso das decorações, pelos altos valores dos prêmios
concedidos pela prefeitura.
Esse contexto resultaria num
enriquecimento das linguagens formais em que tradicionais conceitos de
criação foram questionados quando se propuseram técnicas e
temáticas provenientes do universo teórico-prático desses
artistas. A experimentação de materiais e métodos de
produção adaptaria o carnaval a uma estratégia de
produção artística que redimensiona os discursos
estéticos e formais da festa.
Essa
transformação da produção carnavalesca está
intimamente relacionada à reforma que modernizou o ensino na Escola de
Belas Artes e que se intensificou nos anos 50. A visão do carnaval como
um campo aberto a seus artistas fez com que eles atuassem como agentes
culturais de segmentos que já se interpenetravam, como o erudito, o
massivo e o popular, comprovando o fenômeno das hibridações
culturais analisado por Canclini (2003).
Reconhecemos que tanto os
decoradores carnavalescos quanto as escolas de samba estreitaram as
alianças com os poderes públicos para a conquista efetiva dos
espaços festivos da cidade, alianças que não ocorreriam
apenas por questões de mobilidade social de atores e
organizações carnavalescas, situação identificada
na ascensão das agremiações e no interesse da classe
média por seus desfiles. A própria cidade se torna cenário
e paisagem lúdica, demarcando fronteiras e espaços da folia, e
atuando também ela própria como a grande mediadora de sua festa
engalanada.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BARTH, Fredrik. O guru, o inciador e outras variações antropológicas.
Rio de Janeiro: Contracapa, 2000, p.126.
CANCLINI. Nestor. Culturas híbridas,
estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo:
Edusp, 2003, p. 19.
Da Matta, Roberto. Carnavais,
malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
FERREIRA, Felipe. Inventando
carnavais: o surgimento do carnaval carioca no século XIX e outras
questões carnavalescas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.
__________. O livro de ouro do
carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
GUIMARÃES, Helenise Monteiro. A batalha das
ornamentações: A Escola de Belas Artes e o carnaval carioca.
Tese (Doutorado) Programa de Pós-graduação em Artes
Visuais/EBA/UFRJ, Rio de Janeiro, dez. 2006.
__________. A Escola de Belas
Artes no carnaval carioca: uma relação secular e a
revolução nas escolas de samba. Arquivos da Escola de Belas
Artes, Rio de Janeiro, n.16 p.73-87, dez. 2003.
MOTTA. Marly. Rio,
cidade-capital. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
SALGADO. Paulo. Debret no
carnaval carioca. Querida, Rio de Janeiro, n. 256, fev. 1965.
VILHENA. Luis
Rodolfo. Projeto e missão. O movimento folclórico brasileiro
1947-1964. Rio de Janeiro: Funarte/Fundação Getúlio
Vargas, 1997.
NOTAS
1 Sobre a questão das
ornamentações dos carnavais cariocas ver Guimarães, 2006.
2 Essa igualdade se mostraria bem
relativa, haja vista que as próprias decorações
sinalizariam espaços mais nobres, como a Cinelândia, e mais
populares, como a Praça Onze.
3 A descrição da
ornamentação indica que os objetivos foram alcançados:
“As pinturas apresentam sugestivas figuras do passado, como, por exemplo,
as que estão dispostas no palco que foi transformado em tombadilho do
barco. Veem-se ali as figuras de Cabral e Colombo. O jogo de luz é
perfeito e agradável, dando colorido especial àquela obra de arte
que será apresentada aos habitués do Municipal.
4 Arlindo Rodrigues, figurinista de
teatro, era parceiro constante de Pamplona, também concorrente às
decorações de salões de bailes. Mario Monteiro atuava como
cenógrafo e também trabalhou em decorações de rua a
convite da Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro.
5 Nesse concurso caberia o segundo lugar
a Arlindo Rodrigues, e o terceiro a Fernando Pamplona.
Helenise Monteiro Guimarães é professora e
vice-diretora da Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Recebido em: 18/07/2013
Aceito em: 30/07/2013
GUIMARÃES, Helenise Monteiro. As Áfricas de Pamplona e o Debret
da Trinca : “figurinos” monumentais do
carnaval carioca. Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de
Janeiro, v.10, n.2, p. 181-199, nov. 2013.
Figura 1: Totens africanos;
decoração de Fernando Pamplona para a Praça Onze 1962;
acervo da autora
Figura 2:
Ilustração do interior do salão de baile do Theatro Municipal, 1959; acervo pessoal Carla Vaz
Figura 3:
Desenho do projeto para a Galera; revista Querida, n. 258,
Rio de Janeiro, fev. 1965
Figura 4: Estandartes de
Debret, desenho de projeto; revista Querida, n. 258, Rio de
Janeiro, fev. 1965
Figura 5:
Avenida Presidente Vargas com a decoração de Debret; acervo da autora
Figura 6:
Sobradinhos, desenho de projeto; revista Querida, n. 258, Rio
de Janeiro, fev. 1965