Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares,
v. 10. n. 2, nov. 2013
Madson Luís Gomes de Oliveira (UFRJ)
Levantamento
e análise dos enredos históricos em 2000, a partir da leitura dos
Históricos e das Justificativas descritos nos cadernos Abre-Alas,
redigidos pelas próprias agremiações carnavalescas.
ENREDO; ESCOLAS DE SAMBA;
CARNAVAL.
Madson Luís Gomes de Oliveira (UFRJ)
Survey and analysis of historical
plots in 2000, from the reading of
the Records and Justifications found in the Abre-Alas summary, written by the
carnival associations themselves.
PLOT; SAMBA SCHOOLS;
CARNAVAL.
INTRODUÇÃO1
Conforme observado na tese de
doutorado intitulada Imaginários da criação: o tempo e
o espaço dos souvenirs carnavalescos (oliveira,
2010), o carnaval carioca e os desfiles de escolas de samba devem ser
entendidos concomitantemente como produto e produtor de
significações oriundas do turismo, enquanto prática social
que produz bens simbólicos.2 Uma
grande quantidade de pessoas e profissionais se envolve anualmente com a
produção dos desfiles das escolas de samba, durante vários
meses do ano. Esse dado complementa nosso interesse pelo assunto, pois,
além do entendimento da sociedade por meio dos bens simbólicos,
nos voltamos também para o processo do envolvimento econômico de
profissionais liberais como figurinistas, cenógrafos, costureiras,
aderecistas, etc.
Os desfiles das escolas de
samba carioca configuram tema muito extenso e passível de vários
estudos, com objetivos diversificados. Para iniciar essa pesquisa, fizemos um
recorte temporal como foco principal sobre nosso objeto de estudo: os enredos
históricos. A escolha do período para o levantamento sobre os
enredos históricos pautou-se, especialmente, pelo fechamento de um ciclo
histórico (século e milênio), no ano 2000. Assim, poderemos
futuramente fazer uma análise do último ano do século XX,
como uma espécie de radiografia dos temas desfilados. Por enquanto,
apresentamos, parcialmente, o início do levantamento das pesquisas, pois
a investigação encontra-se, ainda, em andamento.
A principal fonte pesquisada
para o levantamento dos enredos históricos foi os cadernos de Abre-Alas
produzidos pela Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro
– Liesa, arquivados e fornecidos pelo Centro de
Memória do Carnaval, mantido pela entidade.
Os cadernos Abre-Alas
são roteiros explicativos sobre os desfiles das escolas de samba do
Grupo Especial, organizados pela Liesa a partir dos
dados fornecidos pelas próprias escolas de samba e entregues aos membros
da comissão julgadora dos desfiles, no domingo e na segunda-feira de
carnaval. Araújo (2010, p. 153) informa o conteúdo dos cadernos:
São publicados dois
volumes por ano, um para cada dia de desfile. A forma-padrão de
apresentação inclui: 1- Ficha Técnica do Enredo (onde
constam autores e bibliografia); 2 – Histórico do Enredo; 3
– Justificativa do Enredo; 4 – Roteiro de Desfile; 5 – Ficha
Técnica das Alegorias; Ficha Técnica das Fantasias; 7 –
Ficha Técnica do Samba-enredo; 8 – Ficha Técnica da
Bateria; 9 – Ficha Técnica da Harmonia; 10 – Ficha
Técnica da Evolução; 11 – Ficha Técnica do
Conjunto; 12 – Ficha Técnica da Comissão de Frente; 13
– Ficha Técnica do Mestre-Sala e Porta-Bandeira.
Dessa maneira, as
informações são padronizadas para todas as escolas de
samba, explicitando as fontes de pesquisas que cada carnavalesco (ou equipe)
utilizou para o desenvolvimento do enredo, bem como justificando suas escolhas
e as soluções encontradas.
Cabe lembrar que, para o
desenvolvimento de um desfile de escola de samba, há um fio condutor,
uma narrativa, um roteiro que conta uma história, conforme
Magalhães (1997, p. 26):
Uma das características
das Escolas de Samba é contar uma história que a cada ano tem de
ser diferente. Ter um tema e contar a história dará origem a
todas as outras etapas subsequentes, até culminar com o desfile de
carnaval. O enredo, portanto, é o fio condutor da letra e da melodia do
samba, e vai orientar a criação e execução dos
trajes, o desenho dos carros alegóricos, a escolha das cores e dos
efeitos coreográficos, assim por diante.
Mesmo havendo um enredo que
norteia o trabalho nos desfiles das escolas de samba, vários são
os motivos que podem gerar o mote da narrativa. Seja para atender à
proposta de patrocínio, data comemorativa ou outras
situações, as agremiações carnavalescas justificam
suas escolhas estéticas a partir de uma pesquisa, por exemplo.
Ao longo do tempo, percebemos
que os enredos formam alguns grupos temáticos que alguns interessados no
assunto tentaram classificar. Segundo Magalhães (1997, p. 26),
“Há diversos enfoques para os assuntos escolhidos, pode ser
histórico, jocoso, crítico, descritivo, associativo. O mais
importante é que tenha uma leitura para o entendimento popular”.
Farias (2007, p. 48), no entanto, adverte que alguns enredos podem integrar-se
em mais de uma categoria:
Os temas dos enredos são
muito variados. Podemos distinguir pelo menos os seguintes tipos: histórico,
literário, folclórico, homenagem a
personalidade/biográfico, metalinguístico, geográfico, de
crítica social, de humor, abstrato ou conceitual, sobre objetos,
esportivo, de temática infantil, de temática afro-brasileira, de
temática indígena e de patrocínio. Sendo que vários
enredos podem se inserir em mais de uma categoria.
Observe-se que a
temática histórica aparece em primeiro lugar em ambas as
citações. Mesmo percebendo que, em alguns casos, as escolas de
samba utilizam mais de uma abordagem nos enredos de um desfile, aqueles de
cunho histórico costumam ter destaque.
Como não há
metodologia única para a criação dos enredos
carnavalescos, sugerimos para nossa análise uma síntese dos temas
elencados pelos dois autores anteriormente citados.
Assim, essa pesquisa se
debruça sobre as informações descritas no histórico
e/ou na justificativa de cada enredo, ou seja, utilizamos as palavras das
próprias escolas de samba.
A leitura dos manuais seguiu,
cronologicamente, os desfiles apresentados no ano 2000, 14 ao todo, sete em
cada noite.
OS ENREDOS no ano 2000
Para melhor compreensão
do leitor, preferimos apresentar os enredos pesquisados em dois blocos, um para
cada noite, cronologicamente arranjados e na sequência apresentada pelos
cadernos de Abre-Alas. Para tanto, organizamos os dados pesquisados em duas
tabelas a fim de padronizar as informações, distribuídas
em cinco colunas: a primeira informa o dia do desfile (D = domingo ou S =
segunda) e a sequência do desfile; a segunda revela o nome da escola de samba;
a terceira refere o carnavalesco (individual, dupla ou comissão) da
agremiação; a quarta informa o título do enredo; e,
finalmente, a última classifica o enredo.
Os diferentes enredos foram
classificados seguindo síntese proposta a partir da junção
dos dois modelos citados apresentados por Magalhães (1997) e Farias
(2007). Assim, classificamos os enredos como: H – Histórico; L
– Localidade; A – Associação; B –
Biográfico; e I – Imaginário, e só analisamos os de
cunho histórico. Entendemos por histórico aquele enredo que
apresenta em sua justificativa os fatos históricos, além de
respeitar datas e personalidades referentes ao tema tratado. Os enredos
classificados como localidade são aqueles que claramente homenageiam uma
cidade ou região, geograficamente mapeada. Os enredos associativos
são aqueles que podem até utilizar uma pesquisa histórica
ou visitar uma localidade, mas não se prendem aos fatos ocorridos para
criar associação entre a referência e as partes do enredo.
Os de cunho biográfico são os enredos que prestam homenagem a
personalidades, mas levando em consideração os momentos mais
marcantes de sua vida, incluindo os dados pessoais. Os enredos de
caráter imaginário são aqueles que se apoiam em fatos não
necessariamente reais, como lendas, contos, histórias orais, sonhos e
fatos de difícil comprovação.
Vale a pena destacar que, especificamente,
em 2000, as escolas de samba foram incentivadas a ressaltar os 500 anos de
descobrimento do Brasil, levando em conta que a historiografia oficial tem em
1500 a data de seu descobrimento. Ademais, 2000 foi o
último do século XX e do segundo milênio, representando um
momento de reflexão para vários setores da sociedade.
O primeiro grupo de enredos
refere-se à noite de domingo do Carnaval de 2000, conforme Tabela 1.
DOMINGO |
||||
Dia |
Escola |
Carnavalesco |
Enredo |
T |
D1 |
Porto da Pedra |
Jaime Cezário |
Ordem, progresso, amor e folia no milênio
de fantasia! |
A |
D2 |
Grande Rio |
Max Lopes |
Carnaval à vista |
H |
D3 |
Vila Isabel |
Oswaldo Jardim |
Eu sou índio. Eu também sou imortal |
A |
D4 |
Caprichosos |
Etevaldo Brandão |
Brasil, teu Espírito é Santo! |
A |
D5 |
Tradição |
Orlando Júnior |
Liberdade! Sou negro, raça e Tradição! |
H |
D6 |
Mocidade Independente |
Renato Lage |
Verde, amarelo, azul-anil, colorem o Brasil no ano 2000 |
A/I |
D7 |
Portela |
José Félix |
Trabalhadores do Brasil: a época de Getúlio Vargas |
H |
O primeiro
enredo a ser
analisado é o do GRES Porto da Pedra,
intitulado “Ordem, progresso, amor e folia no milênio de
fantasia!” e considerado associativo, pois o carnavalesco busca
inspiração na formação do imaginário sobre
as palavras ordem e progresso.
A segunda escola a desfilar no
Grupo Especial do carnaval carioca foi o GRES Grande
Rio, cujo enredo pautou-se nas datas históricas que serviram para
contribuir com a festa carnavalesca ao longo dos 500 anos, conforme explica o
próprio carnavalesco, Max Lopes, na justificativa do enredo:
A simples leitura do texto, dá uma exata noção da essência
do original enredo, todo ele voltado para a alegria, reproduzindo, com
belíssimas caracterizações, os diversos períodos
dos 500 anos de carnaval, festejados no país, desde a época da
sua colonização até a época contemporânea
(centro de memória, v.1, 2000, p. 70).
A Vila Isabel utilizou como
tema do desfile para o Carnaval de 2000 uma espécie de louvor aos
índios, como irmãos mais velhos da tríade étnica
que compôs a mistura brasileira, juntamente com os portugueses e os
negros. Dada a maneira como o carnavalesco Oswaldo
Jardim desenvolveu esse enredo, ele foi classificado como associativo, devido
à relação que estabelece entre o indígena e a
semente que cultiva a vida.
Etevaldo Brandão, carnavalesco do GRES Caprichosos de Pilares, em 2000, desenvolveu enredo
que, mesmo fazendo um recorte histórico (entre 1961 e 1992), focou em
alguns episódios, sem obrigatoriedade da sequência de datas e
fatos históricos. Assim, optamos por classificar o enredo como de cunho
associativo, pois o carnavalesco não explicita datas, mas coloca em relevo os movimentos musicais (como Bossa Nova,
Jovem Guarda e Hippie) recortados no período.
A Tradição levou
para seu desfile, em 2000, o enredo “Liberdade! Sou negro, raça e
Tradição!”, desenvolvido pelo carnavalesco Orlando
Júnior e que entendemos como histórico, pois a proposta pauta-se
na história do negro brasileiro, ao longo dos tempos.
A Escola de Samba que traz seu
nome, focalizará também a
importância do negro nesses 500 anos que iremos celebrar, como defensor
da sua própria dignidade, através de manifestações
artísticas e culturais de uma época. Tais manifestações,
por pertencerem ao povo, não foram devidamente exploradas pela
História do Rio de Janeiro (centro de memória, v.1, 2000, p.
176).
O enredo “Verde, amarelo,
azul-anil, colorem o Brasil no ano 2000” foi desenvolvido por Renato
Lage, para o carnaval da Mocidade Independente de Padre Miguel, em 2000. A
temática desse enredo não trata de nenhuma localidade
específica, nenhuma personalidade ou fato histórico, ficando,
portanto, fora de nosso escopo para análise, pois o carnavalesco se
inspira, ao mesmo tempo, numa nave imaginária que traz do espaço
sideral “aborígenes do futuro”, estabelecendo também
associações entre as cores de nossa bandeira e as paisagens, os
mistérios e as lendas brasileiras.
A Portela levou para a avenida
o enredo “Trabalhadores do Brasil – A época de
Getúlio Vargas”, desenvolvido pelo carnavalesco José
Félix. Mesmo tratando de personalidade real – Getúlio
Vargas –, o enredo não é biográfico, devendo antes
ser entendido como histórico, já que a proposta pauta-se na Era
Vargas, respeitando os fatos incluídos na historiografia oficial do
Brasil:
A Era Vargas foi um conjunto das políticas econômicas e sociais que marcaram de maneira indiscutível o processo de industrialização, urbanização e organização da sociedade brasileira. Militares, corporativismo sindical, autoritarismo político e centralização administrativa, nos primeiros anos de governo e na área econômica, o nacionalismo e o intervencionismo, formaram as peças fundamentais da Era Vargas (centro de memória, v.1, 2000, p. 241).
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O primeiro enredo da noite de
segunda-feira, do carnaval de 2000, chamava-se “Terra dos papagaios,
navegar foi preciso...”, desenvolvido pelo GRES
Unidos da Tijuca baseava-se na imagem paradisíaca do Brasil, na época
de seu descobrimento. Por se tratar de um enredo que não tem
compromissos com os fatos históricos, o classificamos como associativo,
pois a intenção do carnavalesco Chico Spinosa
era ressaltar as cores da fauna e flora naquele momento, além de mostrar
uma pacífica relação entre os povos (indígenas e
portugueses).
A Estação
Primeira de Mangueira, com enredo assinado por Oswaldo Martins e tendo como
carnavalesco Alexandre Louzada fez uma homenagem a um personagem que transita
entre a realidade e a fantasia, na figura de Cândido da Fonseca
Galvão, conhecido como Dom Obá II d’África. No
histórico do enredo “Dom Obá II ‘Rei dos
esfarrapados, Príncipe do povo’”, há uma afirmação
informando que este enredo é ficcional, pois associa passagens
verídicas com fatos imaginários. Por isso, classificamos o
referido enredo como de associação e, ao mesmo tempo,
imaginário.
Optamos por classificar como
histórico o enredo “Sou rei, sou Salgueiro, meu reinado é
brasileiro”, desenvolvido por Mauro Quintaes
para o Salgueiro, em 2000. O carnavalesco se utiliza de passagens
históricas do Brasil para contar nossa história, a partir da
perspectiva de dom João VI e a chegada da corte portuguesa no Brasil,
conforme explicitado no histórico do enredo:
Nosso enredo vai mostrar o
início do amadurecimento do Brasil, quando passou de Colônia a
Reino Unido. Curiosamente, partiu da França a influência que
favoreceu essa transformação: primeiro pela força, com
Napoleão praticamente expulsando a Corte de Portugal; e depois pela
arte, com o legado documental da Artística Missão (centro de
memória, v.2, 2000, p. 76).
A Imperatriz Leopoldinense, com o enredo “Quem descobriu o Brasil
foi seu Cabral, no dia 22 de abril, dois meses depois do carnaval...”,
desenvolvido por Rosa Magalhães, coloca em relevo as trocas comerciais
realizadas entre colonizadores e a colônia. Ademais, esse enredo, que
ressalta nossas riquezas naturais, minerais e vegetais, traz em seu
título a data de descobrimento do Brasil, um fato histórico que,
por si só, o classifica como histórico.
A carnavalesca abre o
Histórico do enredo com a seguinte passagem:
Os séculos XV e XVI
foram épocas de descobertas. A própria redondeza da terra era
objeto de larga e apaixonada indignação dos mais altos
espíritos; o astrolábio e outros instrumentos de
navegação passaram a ser utilizados de modo amplo. A
noção de circularidade abrange a fisiologia, pois descobriu-se que o sangue circula pelo corpo humano, e as
notícias circulavam também, como o advento da imprensa (centro de
memória, v.2, 2000, p. 104).
E na Justificativa do enredo a
carnavalesca explica que:
Os interesses comerciais, a
criação de entrepostos na Índia e na África, o
sonho de Dom Manuel em conquistar o monopólio de especiarias tão
caras, que davam sabor a alimentos de gosto precário, foi uma
espécie de mola propulsora para esses navegantes. Tão caro quanto pimenta, era usado no dia a dia, mostrando que
realmente era um comércio valioso. (...) As pedras preciosas, o ouro, o
marfim também fazem parte das mercadorias, bem como os escravos, que
já eram comercializados e usados pelos portugueses, desde os meados do
século XV (1450 aproximadamente) (centro de memória, v.2, 2000,
p. 106).
Mario Borriello
desenvolveu o enredo “... Pra não dizer que não falei de
flores”, em 2000, para o GRES União da
Ilha do Governador. Mesmo apresentando uma extensa lista de datas e fatos no
histórico do enredo (entre 1964 e 1985), o carnavalesco afirma que
não pretende reconstituir uma sequência linear dos fatos, no
recorte histórico referente à ditadura militar. Por isso,
classificamos este enredo como associativo.
A comissão de carnaval da Beija-Flor desenvolveu o enredo “Brasil – um
coração que pulsa forte. Pátria de todos ou terra de
ninguém” e afirmava a pretensão de recontar a
história do Brasil: “A Beija-Flor de Nilópolis no carnaval
de 2000 leva para a Avenida muito mais do que um enredo, na verdade vamos
recontar a história do Brasil” (centro de memória, v.2,
2000, p. 164). Entendemos esse enredo como histórico, pois observamos,
ainda, que a comissão de carnaval fez uma pesquisa que verificou mapas,
livros de história e relatos oficiais que pautaram todo o
desenvolvimento do enredo de cunho histórico, como afirma a seguinte
passagem:
Mapas originais, muito antigos,
do começo do século IX, e dos séculos
X, XI e XII, conservados no Vaticano e na Galeria Dei Uffize, na Itália, mostram uma Terra Papagalis, uma Ilha do Brasil ou o Novo Mundo,
muito para lá do continente africano, no meio do oceano Atlântico
(centro de memória, v.2, 2000, p. 165).
A Viradouro levou para a
avenida, em 2000, o enredo “Brasil: visões de paraísos e
infernos”. Nele, Joãosinho Trinta
apoiou-se na visão imaginária do europeu medieval, segundo a qual
o mundo possuía um Paraíso e um Inferno na Terra. Nesse contexto,
o carnavalesco faz associações entre os diversos tipos de
paraísos e infernos vividos pela humanidade, ao longo dos tempos. Por
isso, classificamos esse enredo como associativo.
CONCLUSÃO
As palavras finais deste artigo
servem mais como um primeiro balanço e reflexão parcial do que
já foi pesquisado, do que como conclusão propriamente dita. Como
nossa pesquisa ainda se encontra em desenvolvimento, mostramos apenas uma parte
do caminho já percorrido.
Pensamos em iluminar um assunto
que geralmente só provoca interesse nos dias que antecedem (ou sucedem)
as apresentações dos desfiles das escolas de samba. Com esse
trabalho, entendemos um pouco mais sobre a dinâmica de
criação dos enredos para as escolas de samba, como fios
condutores para seus desfiles e, consequentemente, o trabalho desenvolvido na
criação de fantasias e alegorias, como os elementos
plástico-visuais apreciados pelo público.
Ao longo da pesquisa,
percebemos que alguns enredos, mesmo havendo pesquisa histórica para
apoiar o desenvolvimento dos temas, nem sempre foram classificados,
exclusivamente, como históricos, por exemplo. Às vezes, os fatos
históricos são apenas o início do argumento que,
posteriormente, segue outra abordagem, configurando enredos imaginários,
associativos, de localidade ou, ainda, biográficos. Há, ainda,
casos de enredos considerados híbridos, principalmente quando se guiam
por duas ou mais abordagens − nesses casos, colocamos sempre uma barra
(“/”) entre elas.
Nosso critério para
identificar os enredos como históricos pautou-se, unicamente, no texto
desenvolvido pelas próprias agremiações, seja no
Histórico do enredo ou na Justificativa do enredo, ambos descritos nos
cadernos Abre-Alas.
A seguir, apresentamos quadro
resumindo a pesquisa até aqui desenvolvida (o ano de 2000), separando horizontalmente
por ano e verticalmente pela classificação do enredo (H – Histórico; L – Localidade; A –
Associação; B – Biográfico; I –
Imaginário; e MIX quando o enredo apresenta características
híbridas.
|
H |
L |
B |
I |
A |
MIX |
TOTAL |
Domingo |
4 |
- |
- |
1 |
3 |
-1 |
7 |
Segunda |
3 |
- |
- |
1 |
4 |
-1 |
7 |
|
7 |
- |
- |
2 |
7 |
-2 |
14 |
Dessa maneira, observamos que
os enredos considerados históricos são apenas sete, quantidade
inferior à que suspeitávamos antes do início da pesquisa, ou
seja, em torno de 50%. Outra observação diz respeito à
pesquisa histórica que está presente na maioria dos argumentos,
mas que sofre diversas interferências antes de tomar forma nos desfiles
da Sapucaí. A outra metade dos enredos classificados integrou os de
cunho associativo, perfazendo também o total de sete, tendo em dois
casos, a hibridação de associativo e imaginário. Como
não estamos levando em consideração os fatos
históricos dos enredos associativos, percebemos que há grande
quantidade deles porque abarcam maior variedade de assuntos.
Pretendemos apresentar o
resultado final dessa pesquisa, em forma de levantamento e análise, em
publicações de cunho acadêmico a fim de revelar quais os
temas de maior interesse no início desse século (e desse milênio).
Por fim, ambicionamos
desenvolver outra pesquisa a partir desse levantamento, do qual só
consideraremos os enredos históricos, para analisar as fantasias que
tiveram inspiração em fatos históricos. Dessa forma,
pretendemos continuar pesquisando sobre o carnaval carioca e, mais
especificamente, sobre a dinâmica das escolas de samba cariocas.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Eugênio.
Os temas-enredos das pequenas escolas de samba cariocas. Textos escolhidos
de cultura e arte populares. Rio de Janeiro, v.7, n.2, novembro 2010.
BOURDIEU, Pierre. Mercado dos bens
simbólicos. In: Economia das trocas simbólicas. São
Paulo: Perspectiva, 2009.
CENTRO DE MEMÓRIA DO
CARNAVAL. Abre-Alas, 2 v.. Rio de Janeiro: Liesa, 2000.
FARIAS, Júlio César. O enredo
de escola de samba. Rio de Janeiro: Litteris, 2007.
MAGALHÃES, Rosa
Lúcia Benedetti. Fazendo carnaval: The making
of carnival. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
OLIVEIRA, Madson
Luís Gomes de. Imaginários da criação: o tempo e
o espaço dos souvenirs carnavalescos.
Rio de Janeiro: PUC-Rio (Tese de doutorado), 2010.
NOTAS
1 Essa pesquisa decorre de dois
principais motivos: o desenvolvimento da tese de doutorado em design/PUC-Rio
(defendida em agosto de 2010) e a prática do ensino sobre figurino no
curso de Artes Cênicas/UFRJ. Na pesquisa realizada para o doutoramento,
entramos em contato com algumas práticas envolvidas na feitura dos
desfiles carnavalescos, com o foco principal nos figurinos carnavalescos.
Ademais, ministrando aulas para o curso de Artes Cênicas/UFRJ,
ratificamos nosso interesse em transmitir novos conhecimentos aos futuros
cenógrafos e figurinistas que podem atuar junto aos canais televisivos,
teatros, espetáculos e, ainda, nos desfiles de escolas de samba.
2 Segundo Bourdieu
(2009, p. 105), “O sistema de produção e
circulação de bens simbólicos define-se como o sistema de
relações objetivas entre diferentes instâncias definidas
pela função que cumprem na divisão do trabalho de
produção, de reprodução e de difusão de bens
simbólicos. O campo de produção propriamente dito deriva
sua estrutura específica da oposição (...), de um lado, o campo
de produção erudita (...) e, de outro, o campo da
indústria cultural”.
3 Composta por Fran-Sérgio,
Ubiratan Silva, Cid Carvalho, Nelson Ricardo e Shangai.
Madson Luís Gomes de Oliveira é doutor em design pelo Programa
de Pós-Graduação em Design da PUC-Rio e professor do Curso
de Artes Cênicas/Cenografia e Indumentária da
Escola de Belas Artes da UFRJ.
Recebido em: 15/03/2012
Aceito em: 29/03/2012
OLIVEIRA, Madson
Luís Gomes de. Carnaval do ano 2000 e os enredos históricos. Textos
escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v.10, n.2, p.
169-180, nov. 2013.