Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares,
v. 10. n. 2, nov. 2013
José
Antonio Carneiro Leão (UFBA)
Estudo
da máscara dos caboclos de lança do maracatu rural, entre a
religiosidade e a carnavalização, e da configuração
da linguagem visual desses brincantes do afrocarnaval.
Na metodologia de educação pelo olhar, são apontados
enredos entre a zona de visibilidade e invisibilidade no corpo-máscara,
ao criar arte-movimento.
LINGUAGEM VISUAL NO AFROCARNAVAL; CORPO-MÁSCARA; ARTE-MOVIMENTO.
José Antonio Carneiro Leão (UFBA)
This is a study of the
mask of “caboclos de
lança” in the rural maracatu, between religiosity and carnivalization. It analyses the configuration
of the visual language of these
afro-carnaval revelers. In a methodological
approach of education through observation, plots are noted between visibility and invisibility zones in the body-mask when
creating art movement.
THE VISUAL LANGUAGE OF AFROCARNAVAL;
BODY-MASK; ART-MOVEMENT.
INTRODUÇÃO
O maracatu rural surgiu por
volta do final do século XIX a partir da mistura das culturas africanas,
europeia e indígenas, pela fusão de ícones de
vários folguedos populares, como pastoril, bumba meu boi, cavalo
marinho, caboclinho, folia de reis, entre outros. Apesar do nome original, o
termo maracatu passou a ser o mais utilizado para definir o encontro dos negros
sob o nome de nação. Esse encontro era preparado para os
orixás, quando entoavam músicas e realizavam cerimônia
religiosa a fim de iniciar o ritual (andrade,
1982). A expressão religiosa e carnavalizada do maracatu rural ajudou a
compor enredos imagéticos na cultura pernambucana, contando atualmente
com cerca de 92 grupos no estado, 21 deles em
Nazaré da Mata.
O cortejo desse maracatu
desfila num círculo, tendo ao centro o porta-bandeira, o rei, a rainha,
a dama do paço com a boneca negra (a calunga), rodeado por outros
personagens, mestre de toada, contramestre e caboclos de pena (arreiamar). Em volta desse primeiro círculo
vêm os caboclos de lança, com compridas lanças de madeira
(guiadas), que movimentam em diferentes direções. Eles brincam
nos espaços públicos em meio à multidão e com suas
divindades – Exu nas encruzilhadas, junto com Ogum – abrem os
caminhos, enquanto correm, saltam e dançam, com seu jogo de guiadas. Em
plena região canavieira, os cortadores de cana trocam as enxadas, as
roupas de trabalho e os chapéus de palha do dia a dia, pelas fitas coloridas
das lanças dos caboclos e indumentárias que
chegam a pesar 25 quilos.
Este estudo analisa a
“arrumação” dos brincantes1 do maracatu
rural em Pernambuco, suas máscaras de indivíduos incorporados ao
local com suas culturas contadas, dançadas, em ação griô,2 que a cada geração
carregam na memória o legado de tradição da
história oral também inscrita em sua visualidade. Seres humanos
que aprendem e ensinam a sabedoria de um povo, através de sua arte dançada
e cantada durante todo o ano, muito reverenciada durante o afrocarnaval3
nas zonas rurais e urbanas das cidades.
Sua máscara ou
vestuário, chamada de “arrumação” é
composta de manta ou gola bordada com lantejoulas e miçangas (o maior
orgulho, mais belo trunfo do caboclo) que cobre o seu corpo, hoje quase se
arrastando pelo chão. Ela é usada por cima das roupas e do
surrão; camisa de mangas compridas e cores vivas; calção
bufante sobre a calça; tênis e meias coloridas – talvez no
passado usassem alpercatas ou andassem descalços; na cabeça usam
lenço sobre o qual colocam chapéu de palha com
armação em funil e coberto com tiras de papel de seda colorido,
arranjadas como uma cabeleira de ráfia ou papel laminado. Hoje uma tiara
pode chegar a ter entre 700 e 800 pedaços de fita. Toda essa
arrumação é um produto de interpenetração
cultural, com modernas atualizações decorrentes do padrão
de beleza e visando informar que sua tribo é a mais bela e a mais rica −
nova forma de fazer guerra, que ainda mantém na ponta da lança ou
guiada tinta vermelha que representa o sangue tirado de outro caboclo.
Ao categorizar o
espírito humano com a noção de pessoa, a de
“eu”, Marcel Mauss usa o termo persona
para caracterizar a “máscara” no sentido original da
palavra, ou seja, per/sonare, a máscara
pela qual ressoa a voz (do ator), que tem relação muito
próxima com o personagem mudo do drama e da pantomina. A palavra
não parece ser exatamente de origem latina, mas sim etrusca,
civilização com tradição de máscaras
de ancestrais. É fato que sua “categoria do espírito
vacilou em alguns pontos, noutros lançou profundas raízes”
(mauss, 2003, p. 383).
As máscaras levam os
indivíduos a encarnar uma casca local e/ou seres totêmicos na
identificação com determinados grupos, em que o corpo se
relaciona em troca com o ambiente e o mundo espiritual. A máscara possui
ampliação no corpo como uma pele (Awo)
que atrai o olhar gerando beleza, como o axé que demanda
atenção. A ela se podem atribuir diferentes facetas como rotas,
pistas, interpenetradas de cosmovisão passadas através da
paródia pelos brincantes que a utilizam nos territórios e
fronteiras de seu próprio corpo para comunicar-se com o mundo, mantendo
e transformando seus costumes nas diásporas do tempo.
Os brincantes costumam assumir
máscara que reveste todo o corpo que dança,
estratégia utilizada até a contemporaneidade, presente em
Pernambuco, Brasil, através da manifestação cultural
conhecida como maracatu rural. Dessa manifestação, tomo como foco
de estudo o personagem dos caboclos de lança, com sua dimensão
lúdica na performatividade do afrocarnaval, em que a negociação da
transição de suas crises (reconstituição identitária, do equilíbrio, da harmonia
social) ainda passa pela recuperação de valores socioculturais
que têm a ver com uma visão do mundo característica
essencialmente das sociedades rurais, em especial as afrodescendentes,
considerando seus ritos e mitos estabelecidos entre homem,
meio ambiente e a dimensão metafísica do ser.
Difundido no país
inteiro, o carnaval é marca da população foliã,
autêntica festa do tempo, do futuro, das alternâncias e
renovações que seguiu a rota dos salões, mas não
perdeu a força da resistência brincante nas ruas, demonstrada em
sua imposição em caráter nacional independentemente da
vontade social e política. Assim como em diferentes países europeus
e americanos, no Brasil, o povo passa da condição de liderado
à de líder e torna o carnaval o maior espaço
democrático, no qual reflete a oportunidade dos disfarces das
máscaras e fantasias, liberando a criatividade e a irreverência.
Para Bakhtin (2008, p. 10),
todas as formas e símbolos da
linguagem carnavalesca estão impregnados do lirismo da alternância
e da renovação, da consciência da alegre relatividade das
verdades e autoridades no poder. Ela caracteriza-se, principalmente, pela
lógica original das coisas “ao avesso”, “ao
contrário”, das permutações constantes do alto e do
baixo (‘a roda’), da face e do traseiro, e pelas diversas formas de
paródias, travestis, degradações,
profanações, coroamentos e destronamentos bufões, a
segunda vida, o segundo mundo da cultura popular constrói-se de certa
forma como paródia da vida ordinária, como um ‘mundo ao
revés’. É preciso assinalar, contudo, que a paródia
carnavalesca está muito distante da paródia moderna puramente
negativa e formal; com efeito, mesmo negando, aquela ressuscita e renova ao
mesmo tempo. A negação pura e simples é quase sempre
alheia à cultura popular.
No brincante caboclo de
lança o riso sério, sarcástico e burlador se confunde com
sua performance visual-sonora por meio de seus
chocalhos na altura dos rins (sua “bunda alegre”), escondidos sob
as mantas que lhe cobrem o corpo. A sociedade aqui permite e revela sua
verdadeira face, talvez ela mesma retire nesses dias de carnaval sua
própria máscara, passando todos à condição
de “cômico, jocoso, de riso ambivalente: alegre e cheio de
alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e sarcástico, nega e
afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente” (bakhtin, 2008, p. 10).
Em pesquisas no Arquivo
Público de Pernambuco foi possível identificar nas reportagens
dos jornais locais de época que a máscara carnavalesca,
predominante nos teatros e salões dos bailes de máscaras
frequentados pela elite, foi ali, aos poucos, tomando fôlego, ganhando
forças, até projetar-se e espalhar-se pelas ruas. Isso entre 1850
e 1852, quando as fantasias apresentavam as figuras mais cômicas e
“ridículas” ou as mais elegantes.
Em Pernambuco, tanto na zona
rural como na urbana, o costume de dançar pelas ruas em cortejos e o uso
de máscaras durante os dias de carnaval eram próprios dos negros
desde os tempos do Brasil colônia. A elite, contudo, interessada em fazer
uso das máscaras durante essa festa, apropriou-se dessa antiga
prática dos negros africanos no Brasil, sendo possível
atribuir-lhe um novo significado, o de entrelugar
social.
Ao reconverter-se em
pós-ruralidade, a máscara deixa de ter conotação de
costumes “selvagens” e passa a ter elementos significativos com
base na burguesia europeia, esquecendo o passado colonial para transformar-se
em sinal de civilidade, bom gosto e luxo, tanto para os brincantes como para as
elites burguesas, que reconfiguram processos de emblematização
da cultura também de cenário rural. Foi o que aconteceu com os
caboclos de lança do maracatu rural, protagonizados por cortadores de
cana-de-açúcar, com toda a sua arrumação.
Na área rural do norte
da Zona da Mata pernambucana, no Nordeste brasileiro, os brincantes caboclos de
lança que saem no carnaval trazem consigo povos indígenas e
africanos que se juntaram em defesa de sua sobrevivência/persistência
humana e cultural. Essa aproximação ganha em Pernambuco o
sentimento de larga e ininterrupta teia de subúrbios na zona urbana. E
inversamente, no campo, as aldeias e as freguesias tornam-se cada vez mais
arredores de redes regionais de cidades médias, às quais suas
relações culturais estão ligadas de diversas maneiras.
As relações
culturais – desiguais e desniveladas – para Homi
Bhabha (1998) requerem que vejamos os antagonismos do
mundo global como “contiguidades” sociais e políticas. A
globalização não é um processo de supressão
das diferenças – segmentação,
hierarquização –, mas, sim, de reprodução,
reestruturação e sobredeterminação
dessas mesmas diferenças, que se aproximam. É um processo de
simultânea revelação/anulação de
diferenças, diferenciação/homogeneização e
democratização/hegemonização cultural, em que as
coisas giram em torno de comprometimentos ancestres, recriados e adaptados
às experiências contemporâneas que atendem a desejos
individuais ou estão destinados a uma memória de grupo, de um eu
social. O saber ancestral passa a ser um ponto de aglutinação e
de difusão.
Os brincantes caboclos de
lança interagem em seu cotidiano com o mundo que os circunda com suas
antenas parabólicas, bem como nos dias de encontros (festas e feiras),
de modo a transformá-lo e se transformam. Isso corresponde à
melhoria do nível educativo como fator básico para aprimorar a
produção cultural, ainda que os maiores bens culturais da
região sejam imateriais e extremamente ligados à
tradição oral, à tradição rural, à
tradição dos não leitores, que não se fossilizou
como algo folclórico, algo a ser só lembrado. Suas
tradições renovadas funcionam como maior motivação
na produção de novas loas,4
versos e elementos cênicos incorporados do mundo globalizado, com
trânsito rural e urbano, para o estabelecimento de teias e cadeias de
produção, bem como reprodução das maneiras de
pensar a utilização de suas máscaras.
Muitas pessoas nunca tiveram
oportunidade de experiências criadas pelo progresso tecnológico
(navegar pela internet, andar de elevador, viajar de avião, etc.), e em
suas casas pode talvez faltar muita coisa; não falta, porém, uma
antena parabólica para se ligar ao mundo, dialogando com suas
experiências de saberes rurais. Gente que se
educa na tradição oral e que, no descanso e na lida de sua
enxada, fabrica ideias, cria valores e planeja o seu dia, abrindo seu caminho e
imprimindo sentimentos a sua memória, com suas indumentárias,
imagens que incorporam novos artefatos que compõem o seu ambiente e a
busca de estar com o outro no lugar de suas ancestralidades. Isso constitui as
teias de significações entre o mundo atual e a ancestralidade no
cotidiano desses brincantes, nas redes dos entrelugares
subversivos do dentro e fora do corpo, do visível e invisível, do
permanente e transitório.
As práticas educativas
necessitam dar mais visibilidade ao corpo. A visão predominante é
a de que o corpo mascarado deve responder a um conjunto de estímulos a
ele direcionado. Corpo, porém, é criação e demanda
cuidados estéticos, de respeito a individualidades e singularidades
humanas.
Tanto o educador como o
aprendiz se esquivam da percepção sobre seus corpos. Há
toda uma tecnologia na utilização e exploração do
corpo em ambientes de formação. Por tecnologia não se concebe
apenas o conjunto de equipamentos de natureza externa ao ser humano e a seu
corpo. Pensar já é uma tecnologia (simondon,
1969). Ao longo do tempo, o objeto como ampliação da pele perde
seu caráter artificial5.
Os objetos no corpo dos
caboclos de lança nos maracatus surgidos na época do Brasil
colônia, ligados aos festejos católicos do ciclo natalino,
possuíam os sujeitos que protagonizavam os africanos escravizados e seus
descendentes brasileiros, que também cultuavam as formas africanizadas
de religião, no caso de Pernambuco, a banto (oliveira, 2003), depois
generalizada como jêge-nagô (benjamin, 1989 e carneiro, 2008),
com alguns traços também da cultura indígena. Ao longo da
história, os cortejos de maracatus passaram a ser realizados no
carnaval, assumindo ainda mais o caráter de festejo, profano para o
pensamento eurocêntrico, e sagrado para os brincantes folgazões,
como também são conhecidos.
Diante desse contexto sucinto,
como ocorre a linguagem visual da máscara no corpo desses brincantes do afrocarnaval? Aponto um caminho metodológico de
enredos numa tensão entre a zona de visibilidade e de invisibilidade no
corpo, com inspiração etnográfica na perspectiva de teias
simbólicas (geertz, 2008), no exercício
da criação de pensamentos diferenciais em que a arte cria
sensações, perceptos. Para tanto, a
pesquisa inclui dois aspectos: visibilidade em zonas de contatos
interculturais; e invisibilidade dos espaços de confluências em
saberes de experiências ancestrais.
VISIBILIDADE EM ZONAS DE
CONTATOS INTERCULTURAIS
O setor agrário
caracteriza-se pela monocultura da cana-de-açúcar como principal
produto agrícola pernambucano. Mesmo com a perda de dinamismo da
agroindústria açucareira, não têm sido oferecidos
obstáculos à expansão de outras atividades na
mesorregião, em particular o turismo na área rural da Zona da
Mata. Atividade que vem ganhando visibilidade em função de seus
mestres artistas, de linguagem ora falada ora silenciada, na linha de fuga e reterritorialização, em relação
a um modelo único de expressão visual, equivalente a uma
determinada etnia ou identidade. Sendo assim, a linguagem visual brincante tem
sido pensada, tanto em contraposição à imitação
que corresponde ao devir desejado para eles como em sua dinâmica de
implicações culturais do processo de globalização.
Na crise do devir, o que era
negado no terreiro e nas varandas das casas passou a ser admirado e desejado
pela grande sociedade global. As “danças nativas”, as
“coisas de negros”, os “costumes de caboclo”, o afrocarnaval tornaram-se testemunhos do tempo, fontes da
nação e não apenas motivo para poemas saudosos dos tempos
de criança dos moradores das casas-grandes dos engenhos, agora vazias de
seus donos e que na atualidade, em função da cultura do povo,
voltam a ser ocupadas como grandes hotéis-fazenda por visitantes
interessados na cultura rica dos mestres brincantes.
Merece ser enfocado o turismo
étnico rural como atividade que vem sendo incrementada aos poucos, e que
em Nazaré da Mata tem sido um foco de aglutinação da
manifestação cultural do maracatu rural com seu encontro de
maracatus na segunda-feira de carnaval. Encontro esse que consagrou esse
município da Zona da Mata norte como a “Terra do Maracatu”,
sobretudo, por ser sede do mais antigo maracatu rural em atividade, o Maracatu
Rural Cambinda Brasileira, fundado em 5 de janeiro de 1918. Como memória no corpo de
brincantes do afrocarnaval, sua linguagem visual
cultural tem sido considerada atividade econômica em potencial. Sendo
assim, a cultura vai transitando em tempos diferentes e termina por marcar a
história do lugar, mantendo e transformando ao mesmo tempo sua estrutura
arquitetônica materializada através da arte, mas que leva a
processos educativos – ainda que fora dos enredos conceituais da
educação escolar – à sensibilidade de axé
(força) guerreira das nações de maracatu, configuradas por
sua rede de máscaras brincantes.
O maracatu rural ou de baque
solto6 e em especial seus personagens caboclos de lança
são os protagonistas que retratam o costume da terra no cotidiano de
seus moradores como uma missão de luz no axé, que é
o alimento primordial e princípio ativo desde os terreiros, que se
renova e se reafirma em cada oferenda/cerimônia,
consagração de seus participantes, seus transes, entre outros
aspectos, de culto acolhido de suas religiosidades, seus rituais, como valor
que sustentou tanto o indígena nativo quanto o migrante africano
escravizado, fazendo-os transcenderem à dor, à
humilhação, à fome e até à morte (menezes, 2005).
No diálogo com as
manifestações culturais, localizadas à margem em seu
percurso histórico, na periferia, percebe-se uma tensão marcada
pela indiferença de indivíduos que não conseguem enxergar,
nos elementos no corpo de brincantes do afrocarnaval,
seu universo de simbologias, de significados que ainda estão presentes
na dinâmica cultural da sociedade contemporânea. Assim, mesmo numa
sociedade que parece ser tão avançada tecnologicamente, faz-se
necessário romper com a visão fragmentada sobre corpo e todas as suas
relações de banalização que perpassam a
indústria cultural inserida na maioria dos setores da sociedade.
O convívio cotidiano com
a sociedade de imagens acaba nos anestesiando tanto para figuras visuais como
sonoras, insensibilizando os sentidos e empobrecendo-lhes
as significações. Sendo assim, por mais que se aperfeiçoem
os dispositivos tecnológicos, mais nos alienamos da
percepção, e o esquecimento se apodera da memória.
Em resposta ao perigo de
desligamento de nossos sentidos, a memória surge como matéria-prima
por excelência na arte, no cinema, na literatura, na dança.
Ilusões e sonhos passam a fazer parte da memória individual e
coletiva na metáfora de diálogo vivo no corpo desses caboclos de
lança.
O espaço no contexto do
maracatu representa cenário no qual reconstituir a trajetória de
brincantes, que também são educadores, sua prática e seus
fundamentos no espaço, suas articulações com outros grupos
numa espécie de cartografia corporal histórica na tarefa de
perseguir aproximações e afastamentos, descontinuidade e
rupturas. Estas são perspectivas de construir diferentes
opções de aprender com esses intelectuais da cidade, como vem
sendo configurada no corpo sua educação, a partir de uma
metodologia pelo olhar das máscaras. Os brincantes carnavalizados, que
representam experimentação polifônica fora das
condições habituais de vida, superando dualidades, são
atores-autores que fazem história e, mesmo sendo esquecidos na
memória de diferentes culturas, dialogam com uma complexidade de
habilidades, signos, dinâmicas, em prática lúdica
interativa de criatividade e relação social.
Os corpos brincantes se
comunicam, e as culturas africanas se instauraram na memória
subterrânea adormecida, e prosseguem em subversão no
silêncio das imagens ainda não interpretadas (pollak,
1989). São embates que prevaleceram à visão
holística e dinâmica (Homo Simbolicus)
nos discursos sobre o uso do corpo ou ao estudar vivências e
padrões de comportamento que dialogam com o natural (biológico) e
o cultural (socioeducativo).
Esse enfoque não permite
que seja revelado desprezo pelas miudezas do dia a dia, pela
invenção do cotidiano apontada por De Certeau
(1994), graças às artes de fazer táticas de
persistência cujos objetos e códigos alteram, reapropriando-se,
a seu modo, do espaço e do uso, com seus personagens anônimos,
seus corpos, sentimentos, crenças e aflições em que se
descobre o sujeito coletivo da história. Desse modo, podem então
ser compreendidos relações sociais, usos, comportamentos,
práticas e costumes relevantes que possam reconstruir uma pequena
comunidade ou grupo no tempo, considerando o corpo objeto e fonte de estudo.
Como objeto e fonte de estudo,
falo na contemporaneidade de um corpo de ancestralidade africana no continente
americano, sem possuir territórios ou fronteiras firmes e bem
demarcadas, com incorporação subversiva de povos formados pela
imbricação das relações originárias dos
entrecruzamentos de indivíduos que dialogam com diferentes ancestralidades.
As reflexões sobre corpo
e suas máscaras não passam apenas pela questão da etnia,
mas pela diversidade e desigualdade entre os seres humanos (escravidão x
exclusão x diferenças). Considero que esse não é um
espaço moralmente neutro, até porque essas discussões
possuem um percurso de vida da construção simbólica na
adversidade, dada a grande dificuldade enfrentada pelos brincantes.
O contexto atual dá
visibilidade às diferenças que passam pelas estratégias de
persistência presentes no diálogo vivo africano dos brincantes
caboclos de lança. A reflexão sobre o significado e as
implicações de ser negro tem sido pautada por
interseções, contradições e pontos de
convergência. Alimentam esse debate dois fenômenos sociais
históricos amplamente relacionados: a escravatura e as formas de
preconceito e racismo que são seu legado. Uma das maiores
consequências da escravatura é a enorme dívida social
histórica para com a população que ganhou a liberdade,
configurando o debate público e a agenda de políticas sociais que
visam saldar essa dívida.
O debate de saldar
dívidas também passa por dar visibilidade ao entendimento de
ancestralidade no corpo que tem mediação identificada nos
brincantes do afrocarnaval aqui estudado, fazendo um
recorte do conceito etnicoancestral como construto
social de categoria da enorme diversidade étnica do país, como um
sopro que impulsiona a imagem da alma brasileira. De acordo com Baudrillard
(1997, p. 90), “Por trás da orgia das imagens, alguma coisa se
esconde. O mundo furtando-se por trás da profusão das imagens
é o caso de outra forma de ilusão talvez, uma forma
irônica”. É o caso da ousadia e da aventura presente na espetacularidade desses brincantes.
Segundo Dias e Gambini (1999, p. 88), existirá uma alma brasileira
em que despertem imagens e palavras até então ocultas? Para eles
“criar alma é um aprendizado de como viver”, armazenado no
vivenciar uma cultura do inconsciente como matriz do consciente. Revelar o
inconsciente, portanto, é ver e ouvir no campo as várias formas
possíveis de brasilidade, em que a afro-americana se inclui, marcada
culturalmente nas sensibilidades descolonizadas dos brincantes de cultura,
caracterizada pelo impacto dos direitos civis e nas lutas negras pela
descolonização das mentes dos povos da diáspora negra.
INVISIBILIDADE DOS
ESPAÇOS DE CONFLUÊNCIAS EM SABERES DE EXPERIÊNCIAS
ANCESTRAIS
Ao encontrar em Hall (2003) a
fundamentação necessária a uma releitura dos
“fragmentos da ideologia”, percebo estreita relação
com a cultura, o conhecimento, a história, e através deles, por
assim dizer, o meio ambiente invade o sistema linguístico e
semântico de origem sociocultural, que é mediado por signos.
Daí a necessidade da interação e da
comunicação mediacional entre as
gerações e entre as pessoas, garantindo a memória e a
transmissão do acervo do patrimônio cultural da sociedade.
No que se refere às
questões sobre memória, a perspectiva foi o estudo da linguagem
sob a perspectiva do corpo desses brincantes, tendo como ponto de partida a
relação África/América que se dá na transdução
dos discursos que ocorrem nas práticas sociais, entendendo-se como
transdução a tradução dos discursos incorporados no
sujeito transformado a partir dos percursos realizados por ele. A
memória é construída de forma significativa para, em
seguida, ser significativamente decodificada em metáforas. Nesse
aspecto, Hall (2003, p. 390) aponta que
é esse conjunto de significados
decodificados que ‘tem um efeito’, influência,
entretém, instrui ou persuade, com consequências perceptivas,
cognitivas, emocionais, ideológicas ou comportamentais muito complexas.
(...) Essas metáforas concebem o social, o simbólico ou o
cultural como se fossem costurados um ao outro, por
correspondência rudimentar, de tal forma que, quando as hierarquias
sociais são derrubadas, uma inversão dos valores e
símbolos culturais tem que acontecer, mais cedo ou mais tarde.
Nas manifestações
do afrocarnaval, os brincantes carnavalizados afro-americanos
brasileiros apresentam um universo de simbologias, de significados presentes na
dinâmica cultural da sociedade, que, na concepção antropológica
de Geertz (2008, p. 24), representa uma “teia
de significados”, inserida no mundo simbólico das
metáforas,
Como sistemas
entrelaçados de símbolos interpenetráveis (...) não
é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os
acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os
processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser
descritos de forma inteligível, isto é, descritos com densidade (geertz, 2008, p. 24).
Nos sistemas
entrelaçados de símbolos também percebo que as
metáforas estão ligadas às experiências corporais
comuns, transmitindo não um movimento pronto, mas as conexões que
levam ao movimento (lakoff; johnson, 2002). Nesse sentido, foi preciso entender
de que maneira as metáforas “encarnam” nos brincantes do afrocarnaval. Assim, a habilidade simbólica (forma
de os brincantes corporificarem um conteúdo estético) é
conquistada e organizada estabelecendo relações de
semelhança e aproximações. Os enredos estabelecidos nessa
relação são capazes de vínculos em contextos
variados, se configurando numa passagem de níveis de menos para mais
complexidade, numa mudança de combinações entre
símbolos (peirce, 2008). Através de
expressões corporais carregadas de intersubjetividade pelos brincantes,
foi possível observar durante o carnaval de 2011, nos caboclos de
lança do Maracatu Rural Cambinda Brasileira,
em Nazaré da Mata, seus papéis, seus lugares, seus procedimentos
de relação e suas estratégias de ação.
Como linguagem de
ação dramática, dançando esses brincantes ativam o axé com seus cordões em fileiras e
filas de caboclos de lança formando um paredão de
proteção para os demais personagens. Geralmente o maracatu
é puxado por cinco caboclos de frente: um puxa o cordão do lado
direito (que representa os eguns/orixás), outro
puxa o cordão esquerdo (que representa os inquices/Jurema),
outros dois caboclos – boca de trincheira – puxam um arreiamar de cada lado, e o caboclo mestre, que puxa todos
os caboclos, dá o comando para as cortadas e as manobras com as guiadas,
através de sinais aos puxadores de cordões. O caboclo mestre faz
algum gesto discreto com a bengala (bastão) para o lado, ou roda, ou
aponta, indicando, assim, o que fazer para puxar o maracatu. Às vezes
ele para, e os quatro caboclos de frente puxam o maracatu e dominam todo o
conjunto, apontando sua intenção de mistério, de
irmandade, de militante, atento às transformações do mundo
para ganhar visibilidade. Pude passar pela experiência como caboclo de
lança nos dois lados dos cordões, e também na frente e
atrás, percorrendo toda a sua circularidade.
A dupla
superposição de presença em situações
complexas mais visíveis (objetividade), sensíveis e
perceptíveis pelo comparecimento efetivo de uma pessoa, de um objeto,
numa imagem como a dos cordões serve de porta-voz de uma realidade que
não pertence ao campo da apreensão direta, mas ao do
invisível (subjetividade). A visão conceitual do plano
invisível, dos sentimentos, passa a ser uma linguagem valorizada como
escritura desvelada, intersubjetiva, de entrelinhas camufladas.
O campo da apreensão
não direta (invisível) ocorre no nível simbólico
pela incorporação de uma lei ou convenção
instaurada na falta que produz demanda. Ela abre, para a linguagem e para o registro
do intercâmbio, novas situações que revelam e despertam no
brincante a necessidade de reatualizar vivências de crises anteriores sob
condições de acompanhamento, expressadas em metáforas corporificadas.7
As metáforas
corporificadas são elementos que apresento para analisar
configurações no campo da educação e dos estudos
sobre a diversidade. Elas dão vida e sentido ao que se traduz em formas
e gestos culturalmente compartilhados. Nosso corpo é atravessado e
marcado pelos mais íntimos e sigilosos desejos de onde vazam conteúdos
subjetivos inscritos, lidos e interpretados a partir do olhar do Outro, que
dá sentido, compreende e interpreta como gesto portador de um dizer,
estruturado nas relações vividas pelo sujeito com o ambiente que
o cerca.
A leitura da máscara no
corpo dos caboclos de lança revela seu saber brincante enquanto
expressão de desejos e tensões. Não se trata apenas de um
corpo orgânico de funções vitais, que possui encadeamento
sensório-motor entre suas imagens, mas sim de um corpo sociocultural, um
corpo investido pelo desejo do Outro mediatizando relações, e,
dessa forma, um corpo simbólico visual-sonoro. Sendo assim, as
metáforas corporificadas se processam de forma inter-relacional,
incorporando informações culturais no corpo não como poder
e verdade, mas percebendo que são registros e mudanças nas
dinâmicas corporais, como nas danças dos brincantes em estudo, que
fazem vir à tona memórias subterrâneas, fortalecidas nesse
movimento dinâmico indisciplinar, fundante da
comunicação. Para Foucault (1997, p. 41),
O corpo e tudo o que
está em contato com ele é o lugar da proveniência: no corpo
está o estigma dos acontecimentos passados; dele provêm
também os desejos, as impotências e os erros (...) o corpo
é uma massa que se desfaz sem cessar. Portanto, a genealogia
está, como análise da proveniência, onde o corpo se
entrelaça com a história.
Os aspectos apresentados com
perfil histórico que não busca origem única e causal, mas
que se baseia nas multiplicidades e nas lutas, apontam nesta pesquisa para
elementos de estudos indisciplinares,8 segundo
proposição de Greiner (2005), que
revelam pontes invisíveis através das metáforas do
pensamento tendo como táticas de persistência o movimento
corporal, fundante da comunicação. Para a mesma autora, o fluxo
de imagens na dramaturgia do corpo leva a processos de criação,
reconstruindo no corpo que dança novos objetos e gestos, organizando uma
diversidade de estados corporais sem os fragmentar, entendidos de modo
inseparável e a partir de suas formas interna e externa de organização
sensorial dispersiva no corpo. Sendo assim, considero que a sensorialidade
no corpo dos caboclos de lança acontece como mecanismo para atrair ou
afastar os indivíduos de seus interesses, pois a “dor e
metamorfose têm sido os principais geradores de conceitos no mundo
contemporâneo” (greiner, 2005, p. 20).
No dispositivo imagético
da máscara desses brincantes, vários elementos simbólicos
imprimiram sua linguagem visual de corpo-máscara expressa em
arte-movimento, e aponto os seguintes elementos de inspiração
africana nela inscritos: 1. os
caboclos de lança avançam no cortejo pelos canaviais da zona
rural e pelas ruas e praças da zona urbana, criando seus jogos de
guiadas, anunciando seu “grito organizado” e dispersivo com seu surrão,
em que os badalos dos sinos que batem mais grosso nas extremidades se igualam
aos que batem fino no centro, combinam com o som do terno, a partir das
passadas também combinadas para as pancadas, e assim evocam suas
tensões, depois expressas através das loas tiradas no
improviso quando configuram suas caídas no apito; 2. outros
elementos são: o cone de cabeça (referência à cor do
orixá de cabeça do brincante), o cravo (mistério
sensível da mãe terra), a zarcão (fruta da qual o
brincante tira a tinta vermelha para pintar o rosto, camuflando-se), a
lança (metáfora para a determinação humana de
revelar o que está escondido na natureza), os cordões
(deslocamentos em filas e fileiras), o preparo do azougue (bebida em que,
antes, se misturava azeite de dendê e que, agora, inclui cachaça,
jurema), e do banho de ervas, para transe e proteção.
Toda essa cosmovisão
corporificada em máscara insiste criativamente em permanecer na
memória dos brincantes. Seja de forma defensiva, ofensiva ou jocosa, as
ideias são geradas para explorar os mistérios da vida como metáforas
corporificadas, invisíveis aos olhos daqueles que não querem ver
ou que, de maneira discriminatória, sem considerar a diversidade humana,
ainda rejeitam o que está fora de um padrão dominante na
sociedade.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O cotidiano dos brincantes
mantém estável a estrutura de seu sistema simbólico de
saber, nas dimensões visível e invisível; porém, em
sua ação dramática seu sistema simbólico de saber
institui mudanças descontínuas que, ampliadas, originam a
emergência de uma estrutura diferente, um novo padrão
organizativo, tais como as mudanças associadas à
transição das etapas do ciclo vital, que se configuram na
competição de guerra, no passado dos brincantes, para sua
competição estética, na atualidade. Essa guerra bonita
transformada no tempo das redes sociais apontou configurações
como suas caídas, seus cordões, sua forma de organizar seus
objetos no corpo-máscara.
O ato de atuar atualizado no
corpo que contém a semente da criatividade é o que enriquece o
axé no brincante, permitindo-lhe retornar todos os anos ao
convívio dessa manifestação cultural. Sendo assim, os
africanos trouxeram para o carnaval suas tradições, seus
festivais com cores... vestidos à moda de egungun (ancestrais que já morreram)
configurados na memória através das sátiras que vão
dando as dicas e reconhece todas as contribuições de homens e
mulheres na sociedade, que depois são homenageados através de
representações nas máscaras. Dar corpo a uma ideia
colocando-a em movimento é o que dá maior ligação
da arte com a vida. O propósito da arte em movimento, em
ação, é criar o axé.
Para concluir este estudo
reporto-me às ideias de Babatunde Lawa (2011), que aponta o mundo como o recado; o céu
é a casa, e os homens entram nesse mundo através das
máscaras. Ela é um meio. O mascarado é o triunfo do
espírito humano, conceito que faz da vida uma performatividade.
Sendo assim, os brincantes vivem fazendo apresentação
performativa.
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NOTAS
1 Termo utilizado para designar genericamente
os indivíduos que brincam e representam algum personagem nos folguedos (benjamin, 1989). Eles transitam e interagem no mundo
lúdico das manifestações culturais.
2 Griô
é palavra abrasileirada que vem de griot,
da língua francesa, que traduz Dieli (Jéli ou Djeli),
cujo significado é o sangue que circula, na língua bamanan, do território do antigo
império Mali, hoje dividido entre vários países do
noroeste da África. Trata-se de caminhante, cantador(a),
poeta popular, contador(a) de histórias, comunicador(a), mediador(a)
político(a) da comunidade. Ele(a) é o
sangue que faz circularem os saberes e histórias, mitos, lutas e
glórias de seu povo, dando vida à rede de transmissão oral
de sua região e seu país, como todo(a) cidadão(ã)
que se reconheça e/ou seja reconhecido(a) por sua própria
comunidade como: mestre das artes, da cura e dos ofícios tradicionais,
líder religioso(a), brincante, tocador(a) de instrumentos tradicionais,
que, através de pedagogia que valoriza o poder da palavra, da oralidade,
da vivência e da corporeidade, se torna a biblioteca itinerante e a
memória viva de seu povo. “A palavra é sagrada e, portanto,
valorizada num processo ancestral como fio condutor entre as
gerações e culturas” (SCC-MINC,
2010).
3 “Estão inclusos aqueles em
que a musicalidade, os instrumentos musicais, as danças, a
indumentária, as máscaras, as alegorias... são de
inspiração africana” (freitas,
2007, p. 112).
4 Cantos que retratam o momento dos
brincantes, tirados muitas vezes no improviso durante a brincadeira e quem o
faz é o mestre de cabocaria do maracatu rural
de Pernambuco, Brasil.
5 A artificialidade essencial de um
objeto ocorre porque o homem precisa interferir para manter o objeto existindo,
protegendo-o contra o mundo natural e dando a ele uma forma separada de
existência (simondon, 1969, p. 46-7)
6 O “baque solto” refere-se
à batida solta das baquetas no tarol.
Diferencia-se do maracatu nação ou de baque virado por suas performances
e características musicais próprias, com orquestra formada por
zabumba, surdo, tarol, cuíca, gonguê, ganzá, sendo já ampliada nos
maracatus mais modernos com trompete, clarinete e trombone. O baque solto
é imbuído de forte essência e mistério refletidos no
sincretismo de seus personagens. Ele retrata a mensagem, o recado dos
antepassados. Eram conhecidos no passado como “troças”, tudo
era troça. (guerra-peixe, 1980).
7 As “metáforas
corporificadas” são “dinâmicas corporais”.
Informações organizadas no corpo com simbioses de sínteses
mutáveis reafirmadas e não afirmadas conectando memórias,
ora no exercício da dominação cultural, ora da natureza do
ser (biológico). Informação aberta
inserida em uma visão de mundo como forma de conhecimento.
Metáforas associadas a sensações corporificando o
significado de ampliação da força vital e da
ocupação do território (lakoff
& johnson, 2002). São saberes brincantes.
8 É a
desestabilização de objetos de estudos para além dos
guetos teóricos, assim como a facilidade de suas respectivas teorias no
mundo contemporâneo num campo bem pulverizado, em que ao corpo, o tempo
inteiro, lhe é modificado e lançado em projeções
futuras (greiner, 2005).
José Antonio Carneiro Leão é mestre em gestão de
políticas públicas, doutor em educação pela
Universidade Federal da Bahia e professor efetivo do Departamento de
Educação da Universidade do Estado da Bahia. e-mail:
jleao@uneb.br
Recebido em: 07/09/2012
Aceito em: 21/10/2012
LEÃO, José Antonio Carneiro. Máscara em rede no afrocarnaval. Textos escolhidos de cultura e arte
populares, Rio de Janeiro, v.10, n.2, p. 47-64, nov. 2013.