Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares,
v. 10. n. 1, mai. 2013
Katja Pryscilla Cunha Martins
Augusto (Univ. de Coimbra)
Este
artigo visa refletir sobre as origens da literatura de cordel e os motivos
pelos quais chegou à internet. Tendo em vista a
globalização e os meios de comunicação de massa,
procura-se aqui analisar de que forma esses fenômenos incidiram sobre as
identidades locais, se positiva ou negativamente. O texto discorre sobre os
mecanismos encontrados pelas instituições, em geral, e pelos
poetas, em particular, para que o cordel, símbolo da cultura da Região
Nordeste do Brasil, persista na sociedade fragmentada e multimidiática.
CORDEL; IDENTIDADE;
INTERNET.
Katja Pryscilla
Cunha Martins Augusto (Univ. de Coimbra)
This article aims at reflecting
upon the origins of the
pamphlet literature
(cordel) and the reasons why it has reached the
internet. Given the globalization and means of mass
communication, we intend to
analyze how these phenomena affected local identities, whether positively or negatively. The text discusses
the mechanisms encountered by institutions in general, and poets in particular, so that the cordel, symbol of the
culture of the Brazilian Northeast,
can endure in a fragmented and multimidiatic society.
CORDEL; IDENTITY;
INTERNET.
Introdução
Chegamos a um momento em que
qualquer informação que busquemos, seja lúdica ou
científica, está à distância de alguns cliques. A
internet, como meio de comunicação, sobressai dos demais tanto
por sua capacidade infinita de armazenar dados quanto por ser um veículo
multimidiático. Devido a suas características, entre elas o
controle do internauta sobre a informação que recebe,
diferentemente do que acontece com a mídia de
massa, os grandes veículos comunicacionais sentiram-se obrigados a
migrar para a grande rede, já que esse novo meio passou a atrair mais
público e mais receitas publicitárias. Diante desse
cenário, cabe indagar se a passagem da literatura de cordel nordestina,
inicialmente um veículo de comunicação das classes
populares, foi fruto de uma migração com vistas à
sobrevivência.
Uma vez que não foi
encontrado qualquer trabalho publicado que respondesse a essa questão,
tornou-se oportuna a realização deste artigo. O método de
pesquisa utilizado foi a elaboração de
um questionário, enviado por e-mail a algumas personalidades do
mundo do cordel, além da busca de bibliografia sobre esse tipo de
literatura e sobre cultura e identidade. Responderam ao questionário
Maria do Rosário Pinto, do Centro Nacional de Folclore e Cultura
Popular/Iphan/MinC
e membro da Academia Brasileira da Literatura de Cordel; César Obeid, escritor, educador e contador de histórias;
Chico Salles, cordelista e forrozeiro; e Paulo Barja, professor universitário, músico e cordelista. Seus contributos e a orientação
da professora doutora Maria Aparecida Ribeiro, da Universidade de Coimbra,
foram fundamentais para o resultado desta exposição.
Os primórdios da
globalização e a chegada do cordel ao Brasil
O processo de
globalização ao qual o mundo está submetido teve seu
início com as grandes navegações europeias do
século XV e a respectiva expansão marítima, com vistas
à busca de novas rotas comerciais e novos mercados. Ao longo do caminho
por onde as frotas iam passando, territórios
foram conquistados, e colônias fundadas não só para
estabelecer trocas de mercadorias com os povos locais, mas também para
submeter os nativos e as terras à exploração. Dessa
atuação, entre outras consequências, resultou uma das
maiores diásporas de sempre, com a instauração do
tráfico de africanos, em especial para o continente americano.
Paralelamente a essa
migração forçada, houve a saída de europeus em
direção às colônias que seus países estabeleciam
pelo mundo, ou em busca de riquezas ou apenas à procura de uma vida
melhor. A América portuguesa, que mais tarde foi batizada de Brasil, foi
uma das regiões em que o impacto da conquista territorial foi intenso
não só pelo encontro de índios, africanos e europeus,
principalmente portugueses, mas também pela escravização e
cristianização dos nativos e dos negros. Segundo os
colonizadores, esses processos eram considerados fundamentais para a
civilização daqueles povos.
Nas bagagens desses povos que
se transladaram para o Brasil, vieram seus costumes e crenças, que,
depois de terem aportado no Novo Mundo, foram reinventados e adaptados
àquilo que o local oferecia. Um desses itens foi a
literatura de cordel, trazida pelos portugueses, cujo nome deve-se antes
à forma como esses folhetos eram vendidos, pendurados num barbante, do
que propriamente ao estilo literário. Era, portanto, uma fórmula
editorial, comum na Europa, para a divulgação de textos de
variadíssimos gêneros, de preço acessível aos
setores da população menos intelectualizados e com menos recursos
financeiros.
O cordel em Portugal não
tinha forma textual específica. Ao contrário, sua tipologia era
bastante heterogênea, uma vez que reunia tanto textos em prosa ou em
verso quanto peças teatrais, e, no que tange ao
conteúdo, podiam ser traduções ou adaptações
de grandes obras literárias estrangeiras ou publicações de
autores nacionais populares ou eruditos. Quanto à materialidade, não
passavam de folhetos de poucas páginas e feitos com papel barato. Esses
folhetins foram levados pelos emigrantes portugueses para o Brasil e lá
comercializados. Entretanto, em terras tupiniquins, os textos escritos em
prosa, construídos “com períodos longos, com sintaxe
distinta da fala coloquial, sem apoios para a memória, como
recorrências sonoras ou ritmos marcados” (abreu, 1999, p. 72), foram
sintetizados e transformados em versos com o intuito de facilitar a
assimilação pela população analfabeta e,
consequentemente, a transmissão entre gerações.
As histórias vindas da
Europa eram assim contadas no Nordeste brasileiro pela figura do cantador
– um nômade, quase sempre analfabeto ou semianalfabeto, que havia
abandonado a família para percorrer os sertões. Paralelamente,
tendo em vista que a informação, àquela época, era
também transmitida oralmente, cabia a essa personagem a
incumbência de divulgar, também em forma versada,
versões coloridas de fatos e
“causos”, versões que respondem aos instintos de revolta ou
às esperanças da população desassistida e ignorante
de hinterlândia: estórias de
“milagres” de beatos e penitentes, de aparições de
almas de outro mundo recomendando que se faça isto ou aquilo, de mortes
cometidas em defesa da honra da família ou em retribuição
a injustiças e roubos de que são vítimas os pequenos
proprietários rurais, a distribuição dos bens dos ricos
com os pobres por cangaceiros e “santos”, que criam fama de
heróis, como Antônio Silvino, como Lampião, como Padre
Cícero do Juazeiro (beltrão, 1971, p.
48).
Dadas a popularidade e a
notoriedade dos cantadores entre o público daquela região,
não foi preciso muito para que seus versos e improvisos fossem
transpostos para o folheto impresso. Essas pequenas brochuras, de oito a 32
páginas, começaram a ser comercializadas em mercados e feiras, e
o folheteiro, para estimular a venda, aproveitava os
momentos de maior concentração de pessoas, que o rodeavam para
ouvir suas histórias. E “quando [a assistência] gosta do
romance ou quando o acontecimento lhe chama a atenção, compra o
folheto, leva-o consigo para soletrá-lo à família ou pedir
que alguém alfabetizado o leia de novo, até decorar as
sextilhas” (beltrão,
1971, p. 67).
Com o passar do tempo, os
poetas cordelistas nordestinos foram aprimorando a
forma, estabelecendo regras quanto à estrutura, à métrica
e à rima. Por esse e outros motivos, há quem conteste que a
literatura de cordel daquela região tenha origem na que já era
produzida na metrópole, pois
Nada nesse processo parece
lembrar a literatura de cordel portuguesa. Aqui [no Brasil], havia autores que
viviam de compor e vender versos; lá [em Portugal], existiam adaptadores
de textos de sucesso. Aqui, os autores e parcela significativa do
público pertenciam às camadas populares; lá, os textos
dirigiam-se ao conjunto da sociedade. Aqui, os folhetos guardavam fortes
vínculos com a tradição oral, no interior da qual criaram
sua maneira de fazer versos; lá, as matrizes das quais se
extraíam os cordéis pertenciam, de longa data, à cultura
escrita. Aqui, boa parte dos folhetos tematizavam o
cotidiano nordestino; lá, interessavam mais as vidas de nobres e de
cavaleiros. Aqui, os poetas eram proprietários de sua obra, podendo
vendê-la a editores, que por sua vez também eram autores de
folhetos; lá, os editores trabalhavam fundamentalmente com obras de
domínio público (abreu,
1999, p. 104).
Se a origem dos cordéis
nordestinos não pode ser atribuída a Portugal, como argumenta
Márcia Abreu em sua tese intitulada Histórias de
cordéis e folhetos, a autora se contradiz não só
quando afirma que as histórias em prosa dos folhetos portugueses foram
“adaptadas” ao estilo normatizado pelos poetas do Nordeste, como
também quando cita que a materialidade foi “mantida” tal e
qual à portuguesa, que por sua vez pode ter sido copiada de outras
regiões. Contestar a posição de Abreu não
significa, entretanto, que o extremo oposto seja o verdadeiro, isto é,
que a literatura dos colonizadores tenha sido aceita passivamente; ao
contrário, foi alvo de antropofagismo, ou
seja, devorada criticamente e transformada em novo produto. As influências
portuguesas, que não podem ser negadas, aliadas à criatividade
dos colonos conferiram, assim, identidade própria à literatura de
cordel produzida no Brasil.
A questão da
identidade
A literatura de cordel e a
forma pela qual é construída refletem a cultura de um povo, a
qual também é moldada pelas condições sociais a que
está submetido. O modo como tal povo relaciona seu interior com o mundo
exterior, ou seja, os sentimentos subjetivos com os espaços objetivos da
sociedade e do mundo, constitui a identidade. À
identidade, cabe, portanto, a função de costurar o
indivíduo à estrutura, “estabiliza[ndo] tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles
habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis”
(hall, 2001, p. 10).
A literatura de cordel
nordestina, cuja função não se restringia à
diversão, pois também era uma forma de transmitir
informação, constitui aquilo que Luiz Beltrão chama de folkcomunicação, isto é, um mecanismo
de comunicação próprio dos menos favorecidos. Era um canal
adaptado à realidade e às demandas locais, de caráter
artesanal e com linguagem própria, que, ao mesmo tempo suprimia a
escassez de outros veículos de comunicação e revelava a
cultura popular.
Talvez caiba aqui diferenciar a
cultura popular da nacional. A cultura nacional, como afirma Stuart Hall
(2001), é um discurso que tem por finalidade unir os diferentes grupos
sociais que constituem uma nação em torno da mesma identidade.
Onde, porém, houve processos de conquista violenta e de
imposição cultural, a construção de identidade
única, que representasse a sociedade como um todo, foi comprometida. O
mesmo aconteceu nas regiões que foram colonizadas e formadas por uma
elite, minoria, e por um povo em condições de vida
precárias, com restrito acesso às necessidades básicas,
como educação, saúde etc. Nestes e naqueles casos, em vez
de uma cultura comum a todos os grupos que compõem a
nação, verifica-se a presença de numerosas culturas e
identidades. O Brasil é exemplo dessa realidade: com suas
dimensões continentais, seu povo bastante heterogêneo e seus
antagonismos, é um híbrido cultural.
Com o fenômeno da
globalização, entretanto, a cultura e a identidade nacionais
são, num primeiro momento, impactadas, principalmente nos países
não hegemônicos, onde, desde os tempos de colônia, a elite
local sempre apreciou e tentou imitar os costumes e as modas da
metrópole. Com a intensificação do processo, “à medida em que áreas diferentes do globo
são postas em interconexão umas com as outras, ondas de
transformação social atingem virtualmente toda a
superfície da terra” (guiddens apud hall,
2001, p. 15), e a sociedade é alvo de um deslocamento contrário a
sua matriz cultural.
Quanto à sociedade, em
geral, e aos grupos sociais mais desfavorecidos, em particular, se, no passado,
o contato com a realidade exterior se limitava à localidade, a
globalização e a universalização dos meios de
comunicação de massa permitiram o acesso a outras e mais
informações, a interação com outras sociedades,
mesmo que a distância, e a expansão do conhecimento individual.
Uma das principais consequências dessa mudança incide sobre a
forma como o sujeito lê o mundo e o concebe, fato que, automaticamente,
afeta a construção de sua identidade. Se antes ela era “unificada
e estável”, o indivíduo de agora, da
pós-modernidade, é “fragmentado”, “composto
não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias ou não resolvidas” (hall, 2001, p. 11).
A identidade torna-se uma
“celebração móvel”: formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É
definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades
diferentes em diferentes momentos, identidades que não são
unificadas ao redor de um “eu” coerente. (...) à medida que
os sistemas de significação e representação
cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das
quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (p.
12-13).
No aspecto cultural, um dos
grandes contribuidores, senão o maior, para a dispersão das
referências foram – e ainda são – os Estados Unidos,
com a difusão do american way of life
além de suas fronteiras territoriais. O glamour e a virilidade
dos personagens de filmes de Hollywood encantaram e influenciaram
gerações de meados do século XX em diante, para as quais
cinema constituía uma das melhores diversões de fim de semana.
Com a expansão do capitalismo e dos mercados, a transnacionalização
de empresas e marcas fez com que cidadãos de quase todo o mundo, quase
que independentemente do lugar onde estivessem, tivessem gostos iguais,
pudessem consumir produtos iguais, dando a impressão de
aculturação, de homogeneização. A indústria
cultural tem peso significativo nesse processo, pois contribuiu para que o
sujeito simpatizasse e até se identificasse mais intensamente com
culturas diferentes da sua do que com a própria. Como bem sintetiza Néstor Canclini (2005, p.
41), em sua obra Consumidores e
cidadãos, quando se refere ao novo cenário sociocultural,
O que é novidade na
segunda metade do século XX é que estas modalidades audiovisuais
e massivas de organização da cultura foram subordinadas a
critérios empresariais de lucro, assim como a um ordenamento global que desterritorializa seus conteúdos e suas formas de
consumo. A conjugação das tendências desreguladoras e privatizantes com a
concentração transnacional das empresas diminui as vozes
públicas, tanto na “alta-cultura” como na popular.
Por outro lado, ao mesmo tempo que a globalização sugere um
padrão ideal de vida e de consumo, verifica-se também um
fascínio pelo local, pelo característico, pela alteridade
não apenas para preservar a memória antepassada, mas
também, e principalmente, como forma de, em meio à
homogeneização global, nos distinguirmos em face do outro. A
literatura de cordel é um desses elementos que persiste na cultura brasileira,
em especial na nordestina, para que um dos símbolos que marcam a
identidade da região não se perca. Nesse sentido, a par da
criação de instituições e acervos por todo o
país com o objetivo de reunir folhetos e outros materiais que
representam essa cultura, poetas de várias regiões dão continuidade
a essa tradição ao se dedicar à elaboração
de cordéis.
A literatura de cordel em
pleno século XXI
A literatura de cordel no
Brasil, no início, estava ligada aos grupos sociais mais pobres do
Nordeste – ou “marginalizados”, como afirma Alfredo Dias
D’Almeida (2003). Com suas raízes na oralidade, a partir dos anos
40 com Sebastião Nunes Batista e Rogaciano
Leite, entre outros, e mais intensamente nas últimas décadas do
século XX, essa literatura deixou de ficar restrita às camadas
populares; ao contrário, pessoas com formação escolar e
intelectuais passaram a compor cordéis. Segundo Maria Rosário
Pinto, “a literatura cordelística
não tem caráter temporal, visto que atualiza-se
constantemente; é das poucas manifestações que atravessa
os tempos”. Prova disso é sua utilização em
propostas educativas e pedagógicas e em campanhas de alerta. Nas
palavras de Chico Salles,
O cordel Contemporâneo
não caduca, / Antenado no que é cotidiano / O seu tema tem
o tino soberano / Bota a mão no fogo e na cumbuca / Às vezes ele
fere, não machuca / Traz no texto o desejo dos amantes / Sua bandeira
hasteada aos estudantes / Representa também o descontente / O cordel
brasileiro é resistente / Aos descasos culturais dos governantes.
A par das histórias
ficcionais contadas pelo poeta cordelista, os
acontecimentos também captam a sua atenção, sejam eles
regionais, nacionais ou internacionais. Nesse sentido, pode-se dizer que a
universalização dos veículos de comunicação,
ao permitir o aumento de fluxo e recepção de
informação, beneficiou o cordelista,
uma vez que ampliou a temática para elaboração de
cordéis. Se personalidades do mundo de cordel como Costa Leite acreditam
que as produções televisivas de entretenimento podem ter desviado
a atenção do público em benefício próprio (diniz, s/d), outras defendem que
as mídias de massa em nenhum momento afetam negativamente a literatura
de cordel. São vários, aliás, os programas de
televisão e rádio dedicados a essa literatura. De acordo com César
Obeid, “hoje o poeta aproveita, quando pode, os
meios de comunicação para fortalecer a sua arte”.
O mesmo acontece quando se
trata da internet. No lugar de um meio de sobrevivência e
manutenção da arte, essa nova mídia, cuja existência
não deve ser desprezada, fortalece e complementa o próprio
folheto impresso. Na visão de Paulo Barja, os
motivos pelos quais os cordelistas usam a grande rede
residem no fato de esse veículo facilitar a divulgação do
trabalho, ampliar a circulação das obras e permitir o
estabelecimento de contato entre autores, público e demais interessados
na literatura de cordel. A própria internet, além de ferramenta,
é tema de trabalho, como se verifica no seguinte trecho do “Cordel
do Software Livre”, de Cárlisson Galdino
(s/d):
Computador e internet / Vivem
no nosso Presente / Mesmo sendo tão ligados / Cada um
é diferente / Mas toda coisa criada / Não serviria pra nada / Se
não fosse para gente
São vários os
poetas cordelistas que, sem ter aberto mão das
publicações em formato impresso, têm sites próprios
onde publicam suas obras. A web, como janela para o mundo, permite que
qualquer indivíduo, de qualquer lugar, desde que munido dos dispositivos
necessários e de uma conexão, acesse tal conteúdo. O
sucesso da internet deve-se, justamente, não só a esse, mas
também a outros motivos: além da abolição das
distâncias na busca de informação, há o encurtamento
do tempo comparado a outras mídias para divulgação das
notícias, o estabelecimento e a manutenção do contato com
outras pessoas (o que já era possível com o telefone, mas agora
de maneira mais simples) e, principalmente, a possibilidade de qualquer sujeito
ser produtor e difusor de conteúdo.
É especialmente o
último ponto que, aliado aos demais, possibilita a
propagação e o fortalecimento de uma literatura típica da
cultura da região nordestina, muitas vezes mais do que a reunião
das obras num único espaço, pois o acesso a este acaba por ser
condicionado pelo deslocamento. Tendo ciência dessa realidade,
instituições que se dedicam a esse fim, como o Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular, no Rio de Janeiro, o Acervo Maria Alice Amorim, em
Pernambuco, ou a Biblioteca Belmonte, em São Paulo, entre outras,
criaram páginas na internet, com o intuito de divulgar seus acervos e o
trabalho que desenvolvem, o que lhes traz, em contrapartida,
valor e visibilidade.
Conclusão
A literatura de cordel não pode
ser tida como genuinamente nordestina ou uma cópia daquela que era
composta em Portugal. Ao contrário, o cordel foi reinventado no Brasil,
a partir do momento em que foi adaptado à realidade do povo que habitava
aquela região. Foi, portanto, alvo de um processo de
transculturação, cujo resultado se refletiu na
concepção de um dos símbolos da identidade do Nordeste.
A própria ida do cordel
para o Brasil, levado pelos portugueses, é uma das provas de que o
processo de globalização, nesse caso, cultural, não
é fenômeno tão recente quanto se possa pensar. É
certo que sua intensificação se deu com o aumento da mobilidade
das pessoas e, principalmente, com a universalização dos meios de
comunicação, mas seu marco inicial está nas grandes
navegações – ou até mesmo, em escala menor, nas
Cruzadas – com as interações entre os diferentes povos.
Sem dúvida, a rede
mundial de computadores reforça esse processo. Contudo, antes de
favorecer a homogeneização cultural da população
mundial, potencializa as identidades locais, uma vez que, por ser um
espaço livre, permite que símbolos culturais sejam propagados e
divulgados pelo mundo. Por esse motivo, a internet surge como um complemento
das obras dos poetas cordelistas, que, assim, são dadas a conhecer a um público maior
– ao contrário dos folhetos impressos, cuja
circulação é limitada pelo espaço e pela tiragem.
Referências
bibliográficas
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de cordéis e folhetos. Campinas: Mercado das Letras, 1999.
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Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.
COUTINHO, Eduardo F.
“Reconfigurando identidades: literatura comparada em tempos
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http://mundocordel.blogspot.com/search/label/Internet Acesso em: 5.01.2011.
HALL, Stuart. A identidade
cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2001.
Katja Augusto é graduada em
comunicação social – jornalismo (2008) e pós-graduada
em mídias digitais (2010), ambas pela Universidade Estácio de
Sá. Atualmente é doutoranda em ciências da
comunicação na Universidade de Coimbra e graduanda
em história na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Recebido em: 07/04/2013
Aceito em: 01/05/2013
AUGUSTO, Katja
Pryscilla Cunha Martins. O cordel na
contemporaneidade: a perseverança de um símbolo da identidade
nordestina numa sociedade de multimeios. Textos escolhidos de cultura e arte
populares, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p. 7-17, mai. 2013.