EDITORIAL

O movimento de produzir o editorial de Teias com esta tematização não passa ao largo dos caminhos metafóricos. Inclui um passeio pelos dicionários, mesmo sabendo das limitações que constrangem os significados neles contidos, em busca de pistas para o trabalho simbólico que constitui a revista a ser apresentada. Teias e sentidos, sentidos e teias. O sentido primeiro é o dos fios finíssimos que formam uma espécie de rede elástica, produzida pelas aranhas a fim de capturar os insetos de que necessitam para sua alimentação. São os fios que a aranha tira de si mesma, instintivamente, representados nas capas desta revista.

Neste sentido, a tessitura das teias é uma forma de parto. Chevalier e Gheerbrant (1996), no seu Dicionário de símbolos, registram que, na África do Norte, a prática da tecelagem é comum a todos os lares e, quando um tecido está pronto, o tecelão corta os fios que o prendem ao tear e pronuncia a fórmula de benção da parteira ao cortar o cordão umbilical do recém-nascido. Um ritual que sugere a articulação das dimensões natural e cultural da criação.

A articulação das teias também remete ao Homem Aranha, filme campeão de bilheteria. Se, nas histórias em quadrinhos, ele era picado por uma aranha radioativa, agora o é por uma aranha modificada geneticamente. Adequado às novas condições contextuais, continua aprendendo a lançar sua teia, como possibilidade adquirida, para ganhar aderência em sua movimentação freneticamente ímpar. Sua teia é um gancho capaz de prendê-lo a qualquer ponto, mantendo-se como que suspenso no ar.

Teias de aranha, também são crendices ou fantasias que se metem na cabeça de "certas" pessoas, aponta o Aurélio. Teia, na agricultura, também se refere a uma espécie de cotão que se cria em volta de cachos de uva, brotos etc., prejudicando seu desenvolvimento, documenta o Houaiss . Ambos os dicionários registram as teias como antiga separação de pessoas em espaços como igrejas e tribunais. E ainda há a teia de Penélope, simbolizando o trabalho que recomeça indefinidamente, em sentido diferente do trabalho de Sísifo, na condição de um faz-desfaz intencionalmente tecido pela resistência.

A teia, desde o seu formato original, é feita de fios que sugerem riscos. Um deles é a ilusão de transparência, já que está a alguns fios de permitir uma suposta visibilidade total. Como a teia está na raiz de tela e de texto, pode ser uma metáfora para a aproximação da linguagem mesma, nas suas contradições fundadoras: unir, separar, capturar, prender-se, movimentar-se, demarcar.

Nestas Teias, abraçamos estas contradições de muitos modos, sob o título PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, LINGUAGEM E SENTIDOS. Tomamos as "práticas pedagógicas" no sentido mais amplo da expressão: das práticas de ensino específicas às diversas práticas curriculares, passando pelas de linguagem. Pensamos que se o título contivesse linguagens, no plural, poderia soar chocante aos que não romperam com os parâmetros da Lingüística para atribuir (ou não) este estatuto às diversas práticas e matérias significantes. Ficou "linguagem", no singular, sem deixar de abranger outras formas de semiose ou distintas ordens de materialidade. Quanto aos "sentidos", seriam mesmo inescapáveis no trabalho simbólico. Assim, podemos pensar estas Teias como percursos de sentidos que se movimentam entre os discursos "das" práticas e os discursos "sobre" as práticas, para a produção de sínteses que superem ambos.

Para produzir estas Teias, sem a pretensão de sistematizar a produção na área, mas querendo oferecer aos leitores um conjunto de textos representativos de tendências temáticas e teórico-metodológicas, recorremos a trabalhos apresentados em eventos científicos realizados em 2006:

1. XIII ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, realizado em Recife (PE), de 23 a 26 de abril de 2006, com o tema: “Educação, questões pedagógicas e processos formativos: compromisso com a inclusão social”;

2. VII Colóquio sobre Questões Curriculares (III Colóquio Luso-Brasileiro), realizado na Universidade do Minho (Braga, PT), em fevereiro de 2006, cujo tema foi: “Globalização e (des)igualdades: os desafios curriculares”;

3. III Seminário Interno Educação e Imagem, realizado na UERJ, em novembro de 2006, com destaque para a mesa redonda: “O trabalho com imagens em universidades do Rio de Janeiro”;

4. 29ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em Caxambu (MG), em outubro de 2006, tematizando: “Educação, cultura e conhecimento na contemporaneidade: desafios e compromissos”.

Em Pauta, está Paula Vicentini, com uma análise dos "dispositivos de construção da imagem sócio-profissional do magistério". Com base em fotografias publicadas nos jornais em matérias relacionadas ao Dia do Professor, questiona a "permanência de elementos que representam a profissão de maneira fortemente idealizada, privilegiando a dimensão afetiva da relação pedagógica e a nobreza da missão educativa, relegando a um segundo plano as condições de trabalho". Assume o par "celebridade e anonimato" como ponto de entrada para a constituição histórica das formas pelas quais têm sido construídos os significados que identificam socialmente os (as) professores (as). Nestas Teias, seu texto é assumido como chamada para os Ensaios .

Também Em Pauta está o artigo de Ana Maria Falsarella, com a focalização da oralidade e do seu papel fundador nas relações entre humanos para dimensionar o embate entre “o discurso dos professores e o discurso oficial”. A partir do diálogo com Certeau, questiona “o que os anônimos trabalhadores da educação pública fazem com as propostas pedagógicas que lhes são apresentadas através das políticas educacionais”. Para encaminhar esta questão, analisa as condições de produção do “projeto pedagógico da escola”, nas suas relações com a “autonomia”, no enredo das políticas educacionais. Nestas Teias, seu texto é assumido como chamada para os Artigos.

Nos Artigos, os percursos de sentidos são iniciados por Cecília Goulart, com a abordagem das práticas de letramento na educação infantil, apresentando os antecedentes históricos e a discussão teórica das questões envolvidas, bem como a análise do material produzido na Creche UFF.

A noção de letramento também é abordada por Ludmila Thomé de Andrade, em busca de elementos para a articulação das vertentes conceituais dos campos da lingüística e a da formação docente. Com base no discurso de professores em formação inicial universitária, produzido a partir da evocação de “lembranças de leituras formadoras”, suas diferenças e suas recorrências, remete não apenas à reconstrução das trajetórias, mas ao (re)dimensionamento da formação propriamente dita.

Odisséa Boaventura de Oliveira e Silvia Trivelato também focalizam o discurso dos professores em processo de formação. Voltam-se especificamente para as Ciências Biológicas, buscando compreender os fios que entramam o discurso pedagógico a que se filiam, como alunos da disciplina Prática de Ensino e, portanto, também como observadores de práticas pedagógicas realizadas nas escolas de ensino médio em que estagiam.

Severina Érika Morais Silva Guerra, Telma Ferraz Leal e Ana Carolina Perrusi Brandão analisam livros didáticos de “linguagem” destinados às séries iniciais, recortando, entre os gêneros textuais, as propostas relativas à “produção de textos da ordem do argumentar”, quantificando-as e qualificando-as.

Paula Gaida Winch, Edna Falcão Dutra, Maria Eliza Santos e Eduardo Adolfo Terrazzan detalham diferentes aspectos das formas de interação universidade-escola, destacando contradições e obstáculos, com vistas “a subsidiar a proposição de parâmetros para criar mecanismos flexíveis, porém estáveis e consistentes, para a realização de Estágios Curriculares”.

Reflexões acerca do “cenário das reformas educacionais a partir dos anos 1990” constituem o artigo de Ana Ignez Belém Lima Nunes e Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque.Marcam o que pode ser lido como um retorno às questões mais gerais. Entretanto, seu percurso aponta para o mútuo dimensionamento de geral e do específico nestas Teias.
Este movimento de sentidos é amplificado e aprofundado pelo artigo de Débora Barreiros, cujo título remete às “marcas da globalização” para pensar as “as práticas curriculares”, na perspectiva das desigualdades e das diferenças, no hibridismo que as caracteriza como práticas de significação.

As relações entre os níveis macro e micro de análise continuam em jogo no artigo de Edna Abreu Barreto, na abordagem de tensões e ambivalências no contexto da prática, em perspectiva relacional. Assim, situa a recontextualização de formulações políticas em nível municipal na escola incumbida de colocá-las em prática.

Fechando a seção Artigos, Débora Nascimento apresenta uma análise do “discurso pedagógico construído no cotidiano”. Também a partir do conceito de recontextualização, a autora analisa a prática pedagógica dos (as) professores (as) de uma escola pública dos ciclos iniciais do ensino fundamental, como apropriações multifacetadas do discurso oficial, especialmente no que diz respeito às “interações comunicativas nas aulas”.

Como vários dos textos que focalizam a dimensão discursiva das práticas pedagógicas assumem Eni Orlandi como referência, é a própria que nos concede Entrevista sobre análise de discurso. Conversando sobre as formulações apropriadas nos textos que compõem este número e sobre suas pesquisas atuais, a autora trabalha aproximações importantes para pensar a temática destas Teias: as práticas discursivas inscritas nas práticas pedagógicas.

Na seção Elos, Preciosa Fernandes problematiza os paradigmas curriculares que têm sustentado as propostas recentes de organização do currículo do Ensino Básico em Portugal, privilegiando a ênfase discursiva e os sentidos de mudança que as constituem.

Os Ensaios retomam as práticas de linguagem. Marcelo Macedo Corrêa e Castro aborda a articulação de palavras e imagens na produção dos sentidos, enquanto Guaracira Gouvêa discute “imagem e formação de professores” na mudança curricular empreendida no Curso de Pedagogia da UNIRIO. Claudia Ometto evoca a construção de histórias de leituras, situando a escola como “espaço de formação do sujeito leitor”.

As Resenhas arrematam os percursos de sentidos com duas referências importantes. A primeira delas, internacional, é sintetizada por Ligia Karam Corrêa de Magalhães: a análise de Armand Mattelart da dimensão histórica das questões culturais. A segunda, produzida por Elizabeth Leher, se debruça sobre a obra coletiva dedicada a Florestan Fernandes, em sua defesa intransigente da educação pública.

Assim, em uma frase, estas Teias rompem um silêncio com múltiplas práticas de linguagem.

 

Raquel Goulart Barreto