EDITORIAL

Fernando Pessoa já disse certa vez em um poema que “todas as cousas que há neste mundo têm uma história”. Com os números 9 e 10 da Revista Teias – relativos aos semestres de janeiro/junho e julho/dezembro, respectivamente – não é diferente. O projeto foi retomado agora em uma versão digitalizada, o que obviamente exigiu sua expansão e um outro tratamento. No entanto, é preciso que se registre que essa produção conta com parte do trabalho que já havia sido feito pela Comissão Editorial responsável pela edição impressa de Teias, professores Donaldo Bello de Souza, Lia faria e Rita Marisa Ribes Pereira.

Para esses dois números, cujo tema é “Competências, Saberes e Trabalho”, alguns textos já haviam então sido selecionados e revisados, cabendo a mim providenciar outros, checar o necessário ineditismo dos textos e enfim, continuar o trabalho, continuar essa história.

Com a profusão de discursos sobre a questão das competências tanto no universo social de uma maneira mais geral quanto no campo da educação, muitos estudos foram realizados privilegiando a temática e trazendo à cena trabalhos importantes.

Aqui tentamos selecionar textos que no seu conjunto oferecem um panorama sobre toda essa discussão em torno do modelo da idéia de competência, no movimento dialógico entre esse e os conceitos de saberes e práticas. Estão aqui relacionados textos que nos levam a pensar sobre a formação inicial e continuada de professores, sobre os saberes presentes no cotidiano da Educação Básica, bem como aqueles que circulam fora da escola, mas que no nosso entendimento fazem constituem as redes das quais fazemos parte, tecendo-as e sendo constituídos por elas.

A seção Em Pauta abre as discussões, expondo textos de maior coesão em torno do eixo temático que orienta este número de Teias (Trabalho, Saberes, Competências). No primeiro texto, “A recontextualização do conceito de competências no currículo da formação de professores no Brasil”, Rosanne Evangelista Dias discute o conceito de competência na proposta curricular da formação de professores da Educação Básica produzida pela reforma educacional brasileira. A Educação Básica também é o espaço-tempo escolhido por Roselane Fátima Campos para discutir a formação dos/as professores/as e o conceito de competência em um texto que intitula-se “A formação por competências e a reforma da formação de professores/as”. Marise Nogueira Ramos escreveu “Trabalho, cultura e competências na contemporaneidade: do conhecer ao saber-ser”, texto no qual a autora põe em discussão o modelo das competências como referência normatizadora dos processos pedagógicos. Da normatização também vai tratar Cláudio Fernandes da Costa em “O ENEM e o desenvolvimento de competências no contexto da educação para o trabalho e a cidadania”. Aqui o autor socializa uma importante pesquisa sobre Exame Nacional do Ensino Médio e a aferição do desempenho dos alunos ao final da Educação Básica e das chamadas competências fundamentais para o exercício pleno da cidadania.

A seção Artigos traz 8 textos. Ali se pode ver como a questão das competências se desdobra em discussões relativas aos universos culturais, ao cotidiano das escolas e também aos saberes que ali circulam conhecidos através dos registros das professoras. São artigos que tratam de diferentes segmentos e momentos da formação e de diferentes espaços nos quais esta se dá. No primeiro artigo, “Quando a rotina é o imprevisto, ou o diálogo entre o pré-estabelecido e o contexto dos acontecimentos na sala de aula”, Marisa Narciso Sampaio trata da rotina de um grupo de alfabetizadoras de jovens e adultos, tendo como material de análise os registros diários dessas educadoras, o que contribui para pensarmos sobre as relações entre teoria e prática no “fazer pedagógico” e as distâncias e aproximações entre aquilo que se planeja e o que efetivamente se constrói no cotidiano. No segundo texto, Marisol Barenco de Mello discute os saberes e as lógicas de um grupo de crianças que trabalham em um vazadouro de lixo na periferia de uma cidade no Rio de Janeiro. Entendendo os níveis de complexidade que envolve a questão do trabalho infantil, em “Crianças catadoras e seus saberes: quando o contexto é o lixo” a autora propõe uma discussão a partir dos estudos pós-coloniais sobre um contexto no qual a morte e a miséria rondam os sujeitos a cada dia. A seguir, em “Formação continuada: decisão institucional ou espaço de construção de autonomia?”, Sonia Regina Mendes dos Santos narra uma pesquisa que teve início em 2001 e que se propôs a analisar os processos de formação continuada de professores na região da Baixada Fluminense. Ela nos mostra, dentre outras coisas “os percursos formativos dos professores e seu engajamento nas práticas de formação continuada, de modo a refletir sobre meios mais significativos de desdobramento de novas propostas de formação em serviço.” A preocupação de Heloísa Josiele Santos Carreiro em seu texto “Conhecimentos discursivos no espaço da creche: o caso da Creche Municipal São Francisco de Assis” é em que medida os processos de produção de conhecimento vêm a gerar sentimentos de incompletude e sentimentos de desconhecimento. Esse texto foi escrito a partir de pesquisa realizada em uma creche municipal da cidade de Petrópolis no Rio de Janeiro. Foi na Educação Infantil também que Fabiane Eckard construiu sua pesquisa, que originou seu artigo “Discutindo saberes: a lógica infantil sobre seu processo de socialização” no qual emerge a voz da criança sobre os processos de socialização pelos quais passa nos ambientes em que vive. Em busca de uma aproximação entre os processos formativos e as culturas dos trabalhadores - Suzana Burnier discute as trajetórias de técnicos de nível médio, suas opções e construção identitária no trabalho “Em busca de uma aproximação entre os processos formativos e as culturas dos trabalhadores”. No artigo “Memórias do varejo ou a educação das coisas” Carlos Roberto de Carvalho faz uma reflexão sobre o consumo e a construção das identidades individuais e coletivas que vamos desenvolvendo enquanto consumidores. Encerramos a seção “A questão da intersubjetividade no espaço escolar e os processos de subjetivação contemporâneos”, de Maria Regina Maciel. Partindo do fato de que o campo da educação se tece no entrelaçamento com outros saberes, o texto propõe uma articulação entre Educação, Psicanálise e Ciências Sociais.

Na Entrevista Ángel Díaz Barriga – professor e pesquisador do Instituto de Investigações sobre a Universidade e a Educação e ainda Coordenador da Pós-graduação em Educação da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade Autônoma de Tamaulipas (UAT) – concede entrevista à Professora Alice Casimiro Lopes tratando de currículo e do conceito de competência.

Em Resenhas privilegiamos aquelas escritas a partir de livros que dialogam com os temas dos textos publicados aqui. São livros que discutem identidades, processos culturais, a educação e a formação dos educadores. Ali estão "Contribuições para o estudo e o debate sobre identidades e   formação no trabalho docente", escrita por Marisa Barletto; "Das identidades como formações históricas: uma resenha da obra de Stuart Hall, feita por Sonia Regina dos Santos e, por último, "A escola que temos e a escola que queremos", realizada pela professora Renata Aquino da Silva.

Convidamos assim à leitura destas Teias, registrando nosso imenso prazer em participar dessa história e de poder colaborar para a divulgação de trabalhos tão valiosos para os estudos no campo da Educação.

 

Mailsa Carla Pinto Passos