EDITORIAL

A imperiosa necessidade de redemocratização política do Brasil pós-ditadura militar irá ocasionar um amplo movimento social, que exige a institucionalização de espaços e mecanismos capazes de possibilitarem a participação e intervenção de setores da sociedade civil, até então excluídos do processo decisório da vida política nacional. Assim é que, ao longo dos anos de 1980 e de 1990, nascem idéias e propostas políticas públicas que buscam a transformação do Estado autoritário brasileiro e, ainda, a superação de traços históricos que remetem à tradição colonialista-escravocrata, expressos nas práticas cartoriais-patrimonialistas das instituições públicas do País. Contra essa tendência histórica excludente, delineia-se a necessidade de (res)significação de conhecimentos, práticas e poderes, visando compreender e identificar possíveis contradições que têm permeado as relações políticas tanto nas disputas pela hegemonia travada no interior do Estado federativo brasileiro, quanto nas tensões entre Estado e os movimentos populares.

Dessa luta emerge uma base jurídico-institucional que serve ao delineamento do novo corpo e do novo caminhar da administração pública, voltada para as áreas sociais e, de modo particular, para as ações dirigidas à Educação.

Ao par dos inúmeros obstáculos presentes no processo de construção da cidadania brasileira, mesmo após a promulgação da Constituição Federal (1988) e sua posterior regulamentação, tem-se registrado uma crescente ampliação da participação popular, em paralelo ao redesenho das responsabilidades e competências entre os três níveis de governo (federal, estadual e municipal).

Os textos reunidos nesta obra desvelam, no entanto, como o atual quadro político nacional ainda se encontra marcado por indefinições na oferta democrática dos serviços públicos essenciais, em particular no que concerne ao direito constitucional à educação. O que se pode então observar ao longo da leitura do conjunto destes trabalhos é que a luta pelo fortalecimento da democracia não passa apenas pelo aumento da criação de suas bases legais mas, principalmente, pela legitimidade e funcionamento, de fato, das instituições públicas mais representativas, que apontem para o pleno exercício da legalidade democrática. Assim, o sexto número de Teias – Revista da Faculdade de Educação da Uerj se move no interior do eixo temático “Políticas Públicas, Movimentos Sociais e Educação”, visando contribuir para o aprofundamento das reflexões nas múltiplas áreas do conhecimento que a perpassa.

Iniciando o debate, a seção Em Pauta apresenta questões que sinalizam para a necessidade de (res)significação dos conceitos de participação e movimento social, intentando apreender possíveis contradições que marcam as relações entre o Estado e a Sociedade civil organizada. Em seu conjunto, estes trabalhos nos levam a refletir sobre, por exemplo, os modos de construção de um novo Estado mais aberto e sensível à organização popular, sobre as prováveis estratégias políticas que facilitariam o resgate do caráter público de nossas instituições, particularmente da escola, e ainda, a respeito das possibilidades de ampliação da integração da universidade com os movimentos sociais organizados. Assim, Jane Paiva, em seu texto “Onde a luta ensina: olhos de aprendiz no movimento social”, nos auxilia à apreensão dos chamados impactos sociais que ocorreram, especialmente a partir dos anos de 1980, em decorrência dos efeitos provocados pela trajetória dos movimentos sociais e de seus desdobramentos políticos, enquanto que os trabalhos de José Clóvis de Azevedo e Sandra Sales – respectivamente denominados “Ensaio sobre uma experiência democrática na educação: o caso de Porto Alegre e a cultura da participação” e “A relação Estado-sociedade civil na formulação das políticas públicas de alfabetização de jovens e adultos” – ao focalizarem as experiências educativas municipais no âmbito dos Estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, contribuem para o aprofundamento das reflexões e dos desafios postos à municipalização dos serviços educacionais.

Analisando algumas das políticas públicas voltadas para a área da educação, os autores Adolfo Ignácio Calderón & Vlademir Marim tomam por discussão a problemática em torno da criação e implementação de conselhos locais, trabalho que abre a seção Artigos sob o título “Educação e políticas públicas: os conselhos municipais em questão”. Nesse estudo, entre outros aspectos, os autores destacam que a realidade dos Conselhos Municipais de Educação tem desvelado tendências à adaptação do ensino público ao projeto de modernização emanado pelas políticas federais para o setor. Em seguida, Elionaldo Fernandes Julião aborda, no artigo “Análise da política pública de educação penitenciária”, questões que reafirmam a urgência de se desenvolver pesquisas que enfoquem a função dos sistemas penitenciários no atual quadro de violência do contexto social do Estado do Rio de Janeiro, levando em conta as estratégias e programas alternativos de ressocialização da população carcerária, que garantam o direito à educação enquanto um dos mecanismos utilizados no enfrentamento deste difícil problema. Já o texto de Maria das Graças Braga Botelho, “Novas tendências nas universidades brasileiras”, irá deslocar nosso olhar para as questões pertinentes ao ensino superior e às novas demandas colocadas hoje para a produção do conhecimento, assim como, destacar a tendência cada vez mais presente de adoção do critério de produtividade na avaliação institucional, o que, na opinião da autora, descaracteriza as funções sociais históricas da universidade pública. A partir das colocações da autora, assume relevo o questionamento acerca dos possíveis rumos que poderiam nortear a universidade brasileira, no sentido do fortalecimento das funções sociais que justificam e legitimam a sua existência. Dando continuidade, Zacarias Jaegger Gama, em seu texto “A avaliação do desempenho dos alunos no Programa Nova Escola / RJ – competências, habilidade e exclusão social”, ressalta a natureza condutivista do Programa Nova Escola, situando-o no novo paradigma de administração dos sistemas públicos, a partir do qual o Estado passa a reorientar a qualidade das escolas públicas. Marcos Chagas e Alicia Bonamino trazem também suas indagações a respeito de programas instituídos pelas administrações públicas, a partir dos anos de 1980 e de 1990, ao analisar a trajetória do Programa de Educação Juvenil (PEJ) e suas relações com os novos preceitos da LDB (1996) direcionados a esta modalidade de ensino. Com isto, no artigo “O programa de educação juvenil: projetos, práticas e críticas”, estes autores apontam, entre outros aspectos, para a atual tendência de crescimento do percentual de alunos mais jovens nas matrículas do PEJ, chamando a atenção para o fato de que tal movimento pode estar contribuindo para a exclusão de alunos de faixa etária mais elevada, quadro que se agrava quando levado em conta as desistências notadas junto ao alunos com idade superior a 25 anos. O artigo que encerra essa seção, “A mobilização escolar e comunitária para a implantação de programas de educação ambiental”, de autoria de Antonia Brito Rodrigues e Nadja Maria Castilho da Costa, tem como objetivo discutir o trabalho comunitário junto às populações moradoras em encostas favelizadas, ressaltando a urgência da conscientização ambiental dessa população, visando não apenas a própria melhoria de sua qualidade de vida, mas a necessidade de conservação dos recursos naturais ainda existentes nessas áreas.

Na seção Entrevista, Inês Barbosa de Oliveira articula o diálogo até aqui destacado através de entrevista junto ao professor Boaventura de Souza Santos, realizada juntamente com o jornalista português Ricardo Costa. A conversa gravita em torno de temáticas como a globalização, o papel dos novos movimentos sociais e, ainda, o futuro da educação e da pesquisa na área, considerando as perspectivas de emancipação social e democratização em curso no mundo. Ao longo do colóquio, sobressaem as advertências de Boaventura acerca das perigosas conseqüências advindas do atual processo de comercialização da saúde, da educação e da cultura, que deixam de ser percebidas como “um direito de cidadania e passam a ser um bem de produção e de consumo”. Sublinha, também, a necessidade de reinvenção das atuais instituições políticas, como sindicatos e partidos, assim como a criação de outras formas políticas de atuação, que permitam um enfrentamento mais adequado das novas agendas políticas colocadas, hoje, no cenário internacional.

Por seu turno, Elos apresenta o relato e as reflexões sobre as experiências vividas por Ana Maria Bettencourt ao longo do processo de implantação das Escolas Superiores de Educação Pública, em Portugal. Em seu texto, “As Escolas Superiores de Educação em Portugal: missões e desafios”, a autora toma por alvo de análise o projeto de criação dessas instituições, seus objetivos, estratégias, obstáculos e desafios em face da formação de professores em nível superior, naquele país. Considerando as discussões que ainda se travam no Brasil em torno da criação dos Institutos Superiores de Educação (ISEs), é possível afirmar que o artigo em questão vem também para o exame de seus impasses no cenário educacional atual.

Nos Ensaios, Maurício Rocha Cruz nos apresenta o trabalho “Alternativas para um olhar sobre a indisciplina”, através do qual levanta dados sobre o tema da indisciplina, analisando o quanto a escola atualmente se encontra despreparada para o enfrentamento das demandas trazidas pelo seu alunado. Em seguida, Ana Maria Cavaliere expõe alguns aspectos concernentes à discussão sobre o tempo escolar, em seus escritos “Quantidade e racionalidade do tempo de escola: debates no Brasil e no mundo”, apontando para a direção que vem assumindo esta discussão e algumas das experiências de jornada integral nos sistemas públicos de ensino, buscando ainda dar resposta à indagação: em que sentido a ampliação do tempo escolar conduz, em efetivo, a resultados mais satisfatórios no processo de aprendizagem?

Finalizando esse número de Teias, a seção Resenhas apresenta três recensões: uma primeira, relativa à obra Educação infantil: construindo o presente, realizada por Núbia de Oliveira Santos; uma segunda, o livro Discriminação racial nas escolas – entre a lei e as práticas sociais, efetuada por Vera Lúcia Néri da Silva; e, finalmente, a coletânea Gestão municipal: descentralização e participação popular, resenhada por Lia Faria.

 

Donaldo Bello de Souza
Rita Ribes
Comissão Editorial / Dezembro de 2002