EDITORIAL

Da criação da escrita à sua virtualização em e-books e chats de bate-papo, somam-se infinitas transformações sociais e culturais, novos modos de percepção e de registro da vida e, junto destes, diferentes maneiras de aprender e de ensinar. Com as inovações tecnológicas presentes na deste século, a leitura e a escrita adquiriram um grau de universalidade ímpar, ao mesmo tempo em que sua hegemonia passou a ser relativizada frente à cultura da imagem e dos audiovisuais. Nesse denso e complexo processo em que as técnicas transformam-se em cultura, que desafios se apresentam para a escola e para a formação dos educadores? Em que medida a leitura e a escrita afiguram-se como desafios para quem aprende e também para quem ensina? De que formas a universidade é afetada em face à demanda pela construção de bases teóricas comprometidas com a complexidade dessas transformações? Como o leitor de livros torna-se, também, fruidor de imagens – e vice-versa?

Teias – Revista da Faculdade de Educação da Uerj, em seu quinto número, traz para o debate estas e outras questões em torno do eixo temático “Leitura, Escrita, Formação de Professores”. Abrindo a discussão, na sessão Em Pauta, Marlene Carvalho, com o texto “A leitura dos futuros professores: por uma pedagogia da leitura no ensino superior”, sistematiza questões fundamentais já presentes no trabalho de outros pesquisadores, tendo por foco o contexto universitário: Para quem escrevemos? O que pretendemos ao propor a leitura de textos acadêmicos? Como estes dialogam com os demais gêneros textuais? Tais questões ganham novos significados ao serem tratados por Cristina Carvalho no cotidiano da escola normal. Com o texto “A leitura e a escrita na formação de professores”, a autora denuncia as limítrofes que unem/separam a perspectiva instrumentalizadora da efetiva formação de leitores e escritores, as diferenças entre a didatização da leitura e da escrita e as políticas públicas de formação, indagando a respeito de quais leituras e escritas fazem sentido aos olhos das normalistas, futuras educadoras, cuja profissão inclui a arte de ensinar a ler e a escrever.

Deslocando o foco dos cursos de formação para as modalidades de formação continuada, Carmi Santos principia a sessão de Artigos com o texto intitulado “O ensino da leitura e a formação em serviço do professor”, no qual aborda a insuficiência dessa modalidade de formação, motivada, muitas vezes, pela descontinuidade. Como os professores de Língua Portuguesa tornam-se leitores e assumem sua formação como desafio permanente? O que se lê? Por que se lê? O que e para quem se escreve? Como assumir a formação como uma prática continuada frente à fragilidade das experiências de leitura nos próprios cursos de graduação? Andréa Pavão, em seu texto “Do leitor imaginário à imagem de leitores em uma universidade ”, dá continuidade às análises sobre as práticas de leitura na Universidade, agora sob a ótica dos estudantes. Para tanto, contrapõe a unívoca e burguesa imagem do leitor prostrado e absorto com o livro em suas mãos à diversidade das condições em que os estudantes universitários relacionam-se com os textos escritos. No foco de sua visada destacam-se as diferenças sociais, econômicas e culturais dos estudantes e seus desdobramentos nas práticas de leitura e escrita e, ainda a possibilidade de o conceito de formação abarcar essas diversidades. As preocupações de Andréa, postas acima, encontram ressonância no texto “Formação e mudança: reflexões compartilhadas”, onde Ana Lúcia Heckert e Eveline Algebaille colocam em discussão o tema da formação, postulando a necessidade de incluir nesse conceito aspectos como a memória e a história de vida dos educadores. É em torno da sua história de vida e de formação, segundo as autoras, que os educadores compartilham sentidos e estabelecem formas de resistência frente às relações de poder estabelecidas. Dando continuidade ao debate, Maurício Mojilka analisa o tema da formação, em suas perspectivas ética e política. Seu texto, “Ensinar e educar: processos diferentes, mas não antagônicos”, recoloca a questão sobre o sentido mesmo da educação. Suas reflexões tecem um instigante contraponto aos artigos “A pesquisa escolar em tempos de internet”, de Alessandra Bernardes e Olívia Fernandes, e “Pelo discurso de adolescentes usuários da Net: o uso de gêneros discursivos e textuais no contexto escolar”, de Glória Tonácio. Nestes textos as autoras apontam, com clareza, o modo como as inovações tecnológicas cobram dos seus contemporâneos novos sentidos e questões, por exemplo, de como articular a recusa da “cópia”, tornada freqüente nas pesquisas escolares feitas na internet, à prática costumeira do copiar lições do quadro-negro, que tanto tem marcado o contexto da escola. O que os jovens escrevem na escola e fora dela? Em que medida o écran transforma-se em espaço privilegiado de produção textual? O que, de fato, está posto em questão? Em que medida uma nova tecnologia ajuda a transformar em questão tão antigas concepções?

Maria Teresa Freitas traz as indagações acima expostas para a Entrevista que realiza com Sonia Kramer: “Leitura, escrita, formação de professores: velhos temas de pesquisa numa ‘e-ntrevista’ em novo formato”. Trata-se de um diálogo – construído à distância (via e-mail), no qual as pesquisadoras, fazendo uso da tecnologia, reinventam a tese socrática da autonomia da escritura que jamais se faz acompanhar de seu escritor, numa entrevista em que recobram os sentidos originários dos atos de escrever e de ler: registrar a vida para, por meio da escrita, nos descobrirmos humanos.

Enquanto isso, o fotógrafo alemão Jochen Dietrich, na sessão Elos, aborda o tema da formação numa perspectiva marcadamente cultural. A concepção de museu é revisitada pelo autor em seu texto “A oficina do olhar – a abordagem histórico-cultural na construção de uma pedagogia dos museus”. Tendo como referência seu trabalho no Museu da Imagem em Movimento, em Portugal, Jochen coloca em discussão os atravessamentos da tecnologia nos processos cognitivos, apresentando uma nova concepção de museu: um espaço que não se restringe apenas à guarda de objetos sacralizados e alienados do toque humano, mas que inclua a experimentação destes como meios tecnológicos – cinematógrafos, câmeras obscuras etc –, como forma de compreender os novos conceitos por eles deflagrados.

Nos Ensaios, “A educação da mulher e a produção literária feminina na transição entre os séculos XIX e XX”, de Vera Kessamiguiemon, expõe as vicissitudes da produção literária sob o recorte das diferenças de gênero e, conseqüentemente, das relações de poder estabelecidas num delimitado contexto histórico, pautando-se em questões como: O que era dado a ler às mulheres? Que escritos eram por elas produzidos? Como esses escritos foram tornando-se espelhos do feminino? Em que aspectos apontavam para uma outra perspectiva de formação? Em seguida, Maria Angélica Alves articula a formação do leitor com a presença necessária e instigante de um mediador, ponderando que a prática da leitura toma forma num processo que é histórico e social. “Um certo professor Rivadávia: a escola e a formação do leitor” mostra a maneira como Rivadávia, pela forma de conduzir suas práticas de leitura em sala de aula e pela vivacidade que conferia aos textos lidos coletivamente, transformou-se em referência na formação de seus alunos.

Encerrando o presente número de Teias, Ralph Bannell, Jane Paiva e Andréa Caruso convidam, com suas Resenhas, à leitura dos livros “O professor e a pesquisa”, organizado por Menga Lüdke e sua equipe de pesquisadores, “Psicologia e educação: novos caminhos para a formação”, organizado por Ira Maciel, e “O olhar que não quer ver: histórias da escola”, de autoria de Maria de Lourdes Tura.

 

Donaldo Bello de Souza
Rita Ribes
Comissão Editorial