Escola, cidadania, exclusão social. Em torno destes temas se entrelaçam as muitas questões presentes. Que significados têm hoje a escola e, de maneira mais ampla, a educação? Como se constituíram ao longo de suas histórias? Que exigências demandam frente ao cenário descortinado pelas novas tecnologias? Em que medida esses significados engendram e são ressignificados pelas mais diferentes concepções de sociedade, política e cidadania? Como conjugam educação e cidadania? Onde precisar os limites entre diferenças e desigualdades? De que modo articular unidade e diversidade, resguardando uma perspectiva alteritária?
Cotejando essas questões, apresentamos na seção Em pauta o texto “Sucesso/fracasso escolar: uma revisão de pressupostos”, de Jailson de Souza e Silva, que traz uma revisão crítica dos pressupostos teórico-políticos que orientaram a análise do fenômeno das desigualdades no desempenho escolar e as conseqüências éticas destas análises, em um contexto social e cultural mais amplo. O autor revisita o tema buscando compreendê-lo em uma nova perspectiva que incorpora a heterogeneidade dos setores populares e as múltiplas estratégias por eles construídas para se relacionarem com as escolas.
Na seção Artigos, em “Modelos de cidadania e discursos sobre a educação”, Lílian do Valle propõe uma reflexão sobre o conceito de cidadania e a dimensão educativa que o constitui – uma vez que, originalmente, o conceito remete à formação de uma sociedade em constante devir. Tendo como referência dois contextos distintos – a Antigüidade grega e a Revolução Francesa – e suas respectivas concepções de formação, analisa alguns desdobramentos que o conceito de cidadania assume na contemporaneidade, evidenciando-se os discursos sobre a escola pública.
“A outra face da inclusão”, de Eneida Oto Shiroma, tece uma análise das políticas sociais da década de 1990, seus discursos de inclusão – feitos, segundo ela, de “papel” –, cuja efetivação, contrariamente, toma existência em práticas de exclusão social. Os discursos do new labour e da “terceira via” recebem atenção especial da autora, em virtude da influência que exerceram nas políticas européias e nos demais continentes.
“Brizoletas: a ação do governo de Leonel Brizola na educação pública do Rio Grande do Sul (1959-1963)”, de autoria de Claudemir de Quadros, apresenta uma análise da política educacional desenvolvida pelo governo Brizola no estado do Rio Grande do Sul, bem como suas interfaces com o desenvolvimentismo e com o populismo. O autor focaliza o projeto “Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul”, que tinha por objetivo a ampliação quantitativa do sistema de ensino público do estado por meio das “brizoletas”: denominação popular dos prédios escolares construídos sob orientação desse projeto.
Em “Educação das classes populares: o que mudou nas últimas décadas”, Lílian Maria Paes de Carvalho Ramos traz para o debate as políticas públicas expressas na forma da lei – em especial a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a LDB de 1996 – e seus descompassos frente às mudanças educacionais no que se refere à efetiva democratização da educação e às práticas cotidianas dos educadores.
O tema da formação de professores é trazido por Vera Maria de Almeida Corrêa, no artigo “A ressignificação do papel do Estado na educação pública: imagens compartilhadas por professoras”. O texto apresenta uma análise das representações dos professores sobre as responsabilidades do Estado com a educação – com professores, alunos, escola pública – e aponta, ainda, alguns desafios para a construção da cidadania.
A temática da alteridade, vinculado às questões indígenas, faz-se presente em duas seções. Em Ensaio, José Ribamar Bessa Freire propõe uma reflexão que visa, na contramão das pesquisas que investigam a imagem do índio construída pela escola, fomentar um debate acerca das imagens de escola construídas sob a perspectiva dos índios. Tendo como referência um mito andino que conta a origem da escola e os sentimentos que o ingresso nela suscitam nas crianças, o autor aponta para a necessidade de diferenciação entre o que se pode chamar de “escola de índios” e “escola para índios”. A temática encontra resposta no texto de Armando Martins de Barros, “Educação, interculturalidade e democracia: a escola diferenciada indígena e a formação dos professores guarani-mbyá no estado do Rio de Janeiro”, na seção Em foco. Ele aponta questões relevantes acerca da construção de políticas públicas para o ensino fundamental e para a formação de professores no ensino médio, fundadas em reivindicações de lideranças indígenas ainda em curso, que envolvem desde a estrutura e o sistema de ensino até problemas de ordem epistemológica mais específicos das aldeias guarani-mbyá. Os destaques vão para a legislação que norteia a implantação da escola diferenciada indígena, o processo de constituição das escolas, os cenários de formação do professor indígena e as implicações de tais questões nos cursos de Pedagogia, em âmbito universitário, no que se refere à necessária “re-invenção do índio” num contexto de formação de profissionais “não-índios”.
Na seção Elos, a reflexão sobre a intolerância ganha forma no artigo do professor Jurjo Torres Santomé, que nos apresenta os caminhos percorridos pelo pensamento conservador, que busca transformar cidadãos em consumidores, e aponta para a conseqüente mercantilização progressiva da vida cotidiana. O favorecimento da dimensão competitiva da sociedade e as múltiplas estratégias credencialistas significam, de fato, a redução das possibilidades de cidadania e democracia. Qual o papel da família e da escola nesta nova ordem? Como modificar as instituições escolares numa perspectiva solidária? Desburocratizar o ensino e instaurar uma “democracia dialogante” nos chegam como alternativas originais que valem ser conhecidas.
José de Sousa Miguel Lopes nos põe a par de algumas estatísticas impactantes: de cada dez mil alunos matriculados na primeira série em Moçambique, apenas setenta completam sete anos de escolaridade (escola básica). Língua portuguesa como imposição? Obstáculo à construção da cidadania? A tensão entre o uso do português e as chamadas línguas autóctones nos é apresentada desde o estabelecimento daquele Estado: o desaparecimento de idiomas implica empobrecimento cultural. A opção pelo letramento tendo como única referência o idioma europeu, numa sociedade onde apenas 24% da população domina completamente seu significado, representa uma vigorosa forma de exclusão das crianças da escola. Uma política lingüística que contemple a diversidade (bilingüismo ou multilingüismo) é, nessa análise, uma exigência da democracia.
Entrelaçando pobreza, gênero e educação, Patricia Redondo examina as práticas educativas em contextos de pobreza, na Argentina, na última década do século XX, procurando compreender como são produzidos os posicionamentos de professoras sobre suas alunas crianças e adolescentes. Trazendo para o centro do texto a discussão sobre a “nova pobreza”, a “cultura da pobreza”, as “novas fronteiras de exclusão”, e atenta às histórias de vida das alunas, seu texto possibilita refletir sobre as imagens por elas construídas sobre a escola, a realidade e o presente, rompendo com a “fatalidade automática”, hegemonicamente estabelecida em relação ao gênero, à educação e à pobreza.
Ira Maciel conversa com Paulo Pavarini Raj e Rodrigo Baggio, tendo como tema central a democratização da informática. A implantação de tecnologias de informação e comunicação no sistema escolar, as questões legais e éticas da difusão destas tecnologias e as possibilidades de construção de políticas de inclusão digital são alguns dos tópicos abordados nesta instigante Entrevista, que conta também com a participação de Mauro Sá Rego.
Finalmente, apresentamos um abreviado convite à leitura, escrito por José Geraldo Silveira Bueno, Andréa Pavão, Leni Palmira Piacitelli Vendramini e Arlete Dias, sob a forma de resenhas de quatro livros: Uma professora muito especial, de Tânia Mara Pedroso e Rosana Glat; Teia de autores, de Pedro Benjamim Garcia e Tania Dauster (orgs.); A saga de meu filho Marcos P. S. de Arruda, de Lina Penna Sattamini; e Como me fiz professora, de Geni Vasconcelos (org.).
Neste momento de incerteza, em que todos tentam refletir sobre a importância de respeitar a diversidade cultural, acreditamos que estes textos possam contribuir para o debate sobre escola, políticas públicas e práticas pedagógicas comprometidas com a tolerância e a solidariedade entre povos – único caminho possível para a re-invenção da paz.
Ana Chrystina Venancio Mignot
Luiz Cavalieri Bazílio
Rita Marisa Ribes Pereira