EDITORIAL

O lançamento de Teias se dá em um momento de recentes mudanças na legislação, mudanças que afetam as faculdades de educação, provocando perplexidades, dúvidas e descontentamentos. A publicação coincide ainda com os 50 anos da UERJ, em um tempo de muitas comemorações. Como trabalho coletivo e plural, Teias fia a festa do diálogo pois em todo o seu percurso procurou reunir, aglutinar, articular diferentes sujeitos. Comemorar é trazer à memória, fazer recordar, lembrar, solenizar. Comemoração é festa, celebração. Ao se eleger magistério–memória–história como eixo temático, partilha-se a compreensão de que comemorar é relembrar, é fazer o balanço do vivido, pensar o presente e refletir sobre um futuro melhor.

Desde dezembro de 1998, a construção da revista vem mobilizando a Faculdade de Educação/UERJ, como atividade do Núcleo de Comunicação e Educação (Nucom), criado pelos diretores da unidade, professor Isac João de Vasconcelos e professora Maria Luiza Pontes. Coordenado inicialmente pela professora Ira Maciel, visando a disseminação das produções resultantes de projetos de pesquisa, de ensino e de extensão na área, o projeto contou com a participação, além daquelas que ainda o integram, das professoras Isabela Frade e Rosana Glat, esta última atual diretora da Faculdade de Educação.

Da definição do projeto à explicitação de critérios para a organização de Conselhos, do projeto acadêmico ao conceito gráfico, privilegiou-se o envolvimento de professores/as da Faculdade de Educação em uma ampla rede de participação e comunicação nas diretrizes da revista. Essa metodologia determinou um modo mais democrático de perceber e incorporar pensamentos e concepções e exigiu, ao mesmo tempo, um prazo mais longo de desenvolvimento.

Um concurso para a escolha do nome da revista iniciou importante trabalho de parceria com outras unidades, outros professores e profissionais de toda a universidade e de outras tantas. A vencedora desse concurso, em meio a cerca de 3.500 inscrições, foi Elizabeth Fernandes de Macedo, professora da Faculdade de Educação, que captava o sentido da publicação e dava o tom, pelo próprio título.

A chegada de Teias pretende celebrar o diálogo necessário entre profissionais da educação de diferentes tradições disciplinares, instituições e regiões. Em meio à falta de verbas para a educação, Teias reuniu esforços de pesquisadores, seja por intermédio de seus textos ou em seus Conselhos Editorial e Consultivo, procurando tecer possíveis respostas sobre quem somos nós, os professores, e o que pretendemos ser. Iniciava-se assim a urdidura de um novo espaço no Rio de Janeiro que contribuirá para fortalecer o diálogo entre as faculdades de educação e com profissionais de outros campos do conhecimento.

Alinhavou-se o primeiro número colocando na seção “Em Pauta” textos que abordam questões atuais e enriquecem o debate sobre os rumos da educação brasileira. Margarida de Souza Neves formula instigantes questões sobre as relações entre magistério, memória e história, e toma como pretexto as comemorações dos "500 anos do Brasil" para examinar a memória como arte e trabalho e também a pedagogia que encerram. Clarice Nunes discute as recentes propostas para a formação de professores que ao criar novas agências formadoras esvaziam as faculdades de educação das finalidades para as quais foram pensadas.

Entre os fios que tecem Teias estão “Artigos” que lançam um olhar para o passado com inquietações e abordagens diversas. Tania Bessone da Cruz Ferreira trata da produção, circulação e consumo dos livros no século XIX no Brasil a partir da criação da Imprensa Régia do Rio de Janeiro, em 1808. Em outro artigo, Lúcia Maria Paschoal Guimarães apresenta a experiência do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) para a formação dos professores inspirada no modelo da Escola Normal Superior de Paris, projeto este que ainda não foi objeto de estudo da historiografia da educação brasileira. Adônia Antunes Prado examina propostas específicas para a formação do professor primário rural debatidas no VIII Congresso Brasileiro de Educação, realizado durante o Estado Novo. Angela Maria de Souza Martins analisa a formação do professor primário no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, no contexto do otimismo que acompanha o pós-guerra. Inês Barbosa de Oliveira, a partir dos depoimentos de uma professora, discute as diferentes redes em que os professores se formam, para além daquelas vivenciadas nos cursos regulares das “escolas normais” .

O centenário de Anísio Teixeira é tematizado em duas seções distintas que constituem um convite para revisitar, nesse momento de indefinição das faculdades de educação, o pensamento do educador que defendeu de forma intransigente a escola e a universidade públicas. José Gondra, na seção “Entrevista” conversa com Anna Christina Teixeira Monteiro de Barros - Babi Teixeira, filha de Anísio - e com Jader de Medeiros Britto - um de seus últimos colaboradores – e faz um inventário cuidadoso das iniciativas de preservação da memória do educador. Em “Ensaio”, Paulo Ghiraldelli analisa o trabalho de Anísio Teixeira "Filosofia e educação", publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, em 1959, e defende a importância e atualidade do pensamento deste educador.

A seção “Elos” pretende estimular o intercâmbio com pesquisadores/as estrangeiros/as que contribuam para a reflexão sobre a educação brasileira. Neste primeiro número, o espanhol Antonio Viñao analisa o universo escritural autobiográfico e discute o recente interesse por essas fontes no campo da história da educação. A argentina Sílvia Alicia Martínez examina, no período 1968-1976, as experiências universitárias argentinas inovadoras que tentavam superar um modelo elitista e autoritário. Carlota Boto, pesquisadora brasileira que tem investigado a educação portuguesa, estuda o projeto de escola veiculado em jornais e revistas no século XIX.

As “Resenhas” trazem a análise sobre três obras importantes para o momento atual. Libânia Nacif Xavier investiga o trabalho de Zaia Brandão em A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da escola nova no Brasil, que discute a construção e desconstrução da memória da educação na historiografia brasileira sobre o movimento renovador. O livro Pedagogo ou professor: processo de reestruturação dos cursos de educação no Rio de Janeiro, organizado por Donaldo Bello de Souza e Jonaedson Carino, é resenhado por Isabel Lélis que ressalta a relevância do tema no difícil momento político em que o governo federal traça as leis, desconsiderando as discussões da sociedade e dos educadores. Em Armadilhas da sedução: os romances de M. Delly, de Maria Teresa Santos Cunha, Rita Marisa Ribes Pereira destaca que o livro chama atenção para a dimensão formadora da literatura entre as futuras professoras - leitoras nas décadas de 1930 a 1960 - ampliando a compreensão sobre a história da educação feminina.

Com este conjunto de textos, iniciamos uma trajetória que pretendemos se constitua em um espaço de discussão plural entre os profissionais da educação e áreas afins. Teias, ao privilegiar o diálogo e a parceria, tece a resistência à falta de recursos públicos para as universidades, às mudanças que não levam em conta a discussão acumulada nas faculdades de educação e também à competitividade instituída e estimulada entre as instituições universitárias. Juntos, esperamos estar contribuindo para a urdidura do amanhã, como propõe o poeta João Cabral de Melo Netto, em "Tecendo a manhã":

 

Um galo sozinho não tece a manhã:

Ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe um grito que um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

 

Ana Chrystina Venancio Mignot • Jane Paiva
Maria de Lourdes Rangel Tura • Siomara Borba Leite
Comissão Editorial – Julho de 2000