Apresentação

Autores

  • Roberto A. Lourenço

DOI:

https://doi.org/10.12957/rhupe.2014.12573

Resumo

A transição demográfica trouxe para o mundo da ciência este novo ator, o idoso, cada vez mais presente como objeto de investigação científica. Junto com o idoso, veio uma diferenciada especificidade de condições de vida e saúde: uma epidemiologia própria de sua condição, com frequências nosológicas distintas; associações fatoriais extremamente diversas, produzindo uma relação causal extremamente frouxa; critérios diagnósticos distintos das demais faixas etárias, levando-se em conta inclusive apresentações extremamente atípicas das condições de que é portador; prognósticos que sempre incorporam questões éticas - qualidade de vida? Tempo de sobrevivência? - que embaraçam nossas certezas científicas; e, finalmente, evidências de eficácia terapêutica sempre aquém de nossas expectativas, sobretudo porque as pesquisas raramente são delineadas para testar desfechos específicos desta população.

De um ponto de vista biológico, o processo de envelhecimento progride diferentemente entre os indivíduos devido a fatores genéticos, estilo de vida e relacionados ao estado geral de saúde. Porém, do ponto de vista individual, o envelhecimento é, também, um processo único, cuja influência dos fatores acima mencionados, e as alterações fisiológicas a ele associadas, afetam todos os sistemas orgânicos.1

Entre estas condições, a sarcopenia e a síndrome de fragilidade devem sempre ser investigadas em idosos, devido ao potencial destes acometimentos de produzir desfechos adversos de saúde, entre os quais as quedas. Para que isto seja possível, precisamos entender que as próprias definições destas duas condições estão em discussão entre aqueles que estudam o envelhecimento humano. Por outro lado, a relação entre sarcopenia e fragilidade também não parece estar adequadamente resolvida. Para alguns autores,2 as alterações associadas ao envelhecimento na reserva funcional do sistema neuromuscular - tanto quanto dos sistemas imunológico e neuro-humoral - faz parte dos pilares causais da síndrome de fragilidade, criando uma íntima associação entre estas duas síndromes geriátricas.

Até a década de 1980, o termo "fragilidade" raramente era utilizado para se referir a um padrão de comprometimento de saúde de idosos. Outras expressões - "doente crônico", "debilitado", "incapacitado", "institucionalizado" ou "funcionalmente dependente" - eram empregadas quando os autores se deparavam com a necessidade de descrever um tipo especial de idoso, que compartilhava certas características demográficas, epidemiológicas, clínicas e prognósticas. Houve, nos últimos 30 anos, um crescimento exponencial do número de artigos publicados em periódicos internacionais, que incluíram entre os seus indexadores o descritor "fragilidade" ou uma derivada sua.3

A sarcopenia, concebida como perda de massa muscular associada ao processo de envelhecimento, é clinicamente importante e leva a uma redução da força e da capacidade de exercício, sendo ambos necessários às realizações das atividades de vida diária.4 No tratamento da sarcopenia, a atividade física e, particularmente, o treinamento de resistência são as formas mais relevantes para se melhorar a massa, a força e a potência musculares, mas também para alentecer e, talvez, prevenir seu declínio ao longo da vida. Apesar disso, não há ainda estudos que demonstrem que a atividade física previne a incapacidade em fases tardias da vida.

É sabido que o decréscimo na força muscular ocorre antes do decréscimo na massa muscular e que, em idosos, 10 dias de repouso na cama podem levar à perda de pelo menos 1,5 kg de massa magra, principalmente em membros inferiores. Além disso, a imobilização induz a uma redução na síntese proteica, independente da administração de aminoácidos. Essa baixa atividade pode levar a uma disfunção mitocondrial, verificando-se que ela pode ser atenuada pela atividade física.5

Estudos longitudinais sugerem que a perda de massa muscular é um preditor robusto de declínio funcional que pode ocorrer com o envelhecimento, sendo também um atributo importante para a manutenção da mobilidade e eficiência do movimento.

Há forte evidência de que perda de massa muscular é uma causa tratável de incapacidade e que idosos em fase inicial de fragilização são provavelmente os que mais se beneficiam de estratégia de intervenção, no sentido de preveni-la.

Neste fascículo da Revista HUPE, dedicado ao estudo das quedas em população idosa, abordamos no capítulo 1 as alterações na estrutura e função dos órgãos e sistemas que acompanham o envelhecimento humano. Tais alterações serão a base sobre a qual outros fatores atuarão para produzir quedas, que são, sem sombra de dúvida, um produto de múltiplos fatores determinantes e precipitantes. Em vários dos artigos que se seguem (artigos 2, 3 e 4), a associação entre quedas e estes diversos fatores foram extensamente discutidas. Estes fatores podem estar presentes tanto no indivíduo funcional e cognitivamente comprometido, quanto no indivíduo saudável. Particularmente em relação a estes últimos, a presença de condições geriátricas não diagnosticadas, tais como as síndromes de fragilidade e sarcopenia, acima expostas, podem ser um elemento fundamental para o evento queda, tornando-o um fator precipitante de toda a cascata que leva à perda funcional. Por esta razão, a avaliação acurada - pela história clínica com pacientes e cuidadores, o exame físico detalhado, o uso de escalas de avaliação e de exames complementares - deve fazer parte da abordagem do paciente, e foi cuidadosamente discutida nos artigos 5, 6, 7 e 8. A prevenção e o tratamento dos fatores associados às quedas são visitados mediante abordagens e experiências específicas nos capítulos 6, 7 e 9.

Finalmente, como mencionado no Editorial, a partir do presente fascículo, passaremos a publicar artigos em espanhol e inglês. A título de estreia, no capítulo 10, um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Geriatría, Distrito Federal, México, além de discutir aspectos clínicos, epidemiológicos e abordagem das quedas, nos brinda com uma revisão do problema nos países latino-americanos, com ênfase na população mexicana.

Boa leitura!
_____REFERÊNCIAS

1. Kinney JM. Nutritional frailty, sarcopenia and falls in the elderly. Current opinion in clinical nutrition and metabolic care. 2004;7(1):15-20.

2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype 1. J Gerontol A BiolSciMedSci. 2001;56(3):M146-M56.

3. Hogan DB, MacKnight C, Bergman H. Models, definitions, and criteria of frailty. Aging clinical and experimental research. 2003;15(3 Suppl):1-29.

4. Rolland Y, Vellas B. Sarcopenia. In: Fillit HM, Rockwood K, Woodhouse K, editors. Brocklehurst's Textbook of Geriatric Medicine and Gerontology. Seventh ed. Philadelphia: Sauders Elsevier; 2010. p. 587-91.

5. Cruz-Jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Age and ageing. 2010;39(4):412-23.

Biografia do Autor

Roberto A. Lourenço

Departamento de Medicina Interna Faculdade de Ciências Médicas Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, RJ, Brasil

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Apresentação