ARTIGOS

 

As políticas que incidem sobre a vida

 

Policies that focus on life

 

 

Leila Domingues Machado I,*; Maria Cristina Campello Lavrador I,**

I Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Vitória, ES, Brasil

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RESUMO

Trata-se de discussao acerca das políticas que incidem, no contemporâneo, sobre a vida, mais especificamente, sobre os modos de subjetivaçao, a partir da obra de Michel Foucault. Nomeamos poder a uma correlaçao de forças que se faz por combates, por enfrentamentos, por lutas. Nesse sentido, o poder nao é algo exterior que vem incidir sobre nós. Esta imanencia do poder nos solicita sempre análises do que estamos colocando em funcionamento: estratégias de dominaçao e estratégias de resistencia. A resistencia é o limite permanente do poder ou seu ponto de inversao. Desta forma, pode-se pensar que as políticas que incidem sobre a vida abarcam tanto dispositivos de poder quanto exercícios de resistencias. Tensao que se faz na gestao cotidiana de cada uma de nossas vidas. Assim, coloca-se uma necessidade incessante de avaliarmos o quanto se contribui para a mortificaçao ou para a expansao da vida.

Palavras-chave: Ética, Subjetividade, Poder, Resistencia, Biopolíticas. 


ABSTRACT

This is the discussion about the policies dealing in contemporary, about life, more specifically, on the modes of subjectivity, from the work of Michel Foucault. We name power as a correlation of forces that is by fighting, by confrontation. Accordingly, the power is not something outside that is focused on us. This immanence of power in the analysis of the calls when we are putting into operation: strategies of domination and strategies of resistance. The resistance is the limit of the permanent or the point of reversal. Thus, one can think that the policies that affect the life span of both devices as power of resistance exercises. Tension that is present in the daily management of each life. Thus, there is an incessant need to assess how it contributes to the mortification or the expansion of life.

Keywords: Ethics, Subjectivity, Power, Strength, Bio-politics.


 

 

Os textos de Félix Guattari, solo ou acompanhados de Gilles Deleuze, sempre foram portadores de uma videncia. O termo videncia é aqui utilizado no sentido presente no trecho:

[...] se nossos esquemas sensório-motores se bloqueiam ou se quebram, entao pode aparecer outro tipo de imagem: uma imagem óptico-sonora pura, a imagem inteira e sem metáfora, que faz surgir a coisa em si mesma, literalmente, em seu excesso de horror ou de beleza, em seu caráter radical ou injustificável, pois ela nao tem mais de ser 'justificada', como bem ou como mal. (DELEUZE, 1990, p. 31)

Poderíamos chamar de uma perspicácia sensível que faz com que questoes de uma época, que ainda se anunciam, ganhem visibilidade e dizibilidade em alguns textos. Como, por exemplo, no trecho a seguir quando afirma que o que "permitirá a cada um assumir plenamente sua potencialidade processual e fazer, talvez, com que esse planeta, hoje vivido como um inferno por quatro quintos de sua populaçao, transforme-se num universo de encantamentos criadores" (GUATTARI, 1993, p.188). Propomo-nos a transformar essa afirmaçao de Guattari em questao disparadora para a escrita desse artigo: o que permitirá a cada um assumir plenamente sua potencialidade processual?

O autor nos sugere a necessidade de uma reapropriaçao existencial (GUATTARI, 1993, p.191) que nos impulsione a desejar que nossas palavras, nossos olhares, nossas vidas sejam diferentes do que sao. Diferentes no sentido de menos capturadas, menos servis, menos coadunadas aos padroes, menos reprodutoras de esquemas sutis e cotidianos de micro-fascismos, menos apaixonadas pelo poder, pelos títulos, pelos cargos, pela produtividade academica, pela produçao de discípulos. Que políticas de subjetivaçao temos posto em funcionamento em nossas práticas de produçao de conhecimento, ou seja, em nossas práticas academicas?  Como temos lidado com essa "[...] imensa extensao dos campos de investigaçao técnico-científicos e estéticos evoluindo num contexto moral de insipidez e desencanto"? (GUATTARI, 1993, p.177).

Temos trabalhado sob a perspectiva de políticas de subjetivaçao como processos contínuos de produçao de modos de vida, que tanto podem estar referidos a potencia quanto a mortificaçao da vida humana em sua integralidade. Política e subjetivaçao se entrelaçaram. Todas as políticas que se encontram em curso no campo social produzem e ressoam, ao mesmo tempo, processos de subjetivaçao.

Vamos explicitar abaixo o que entendemos por políticas de subjetivaçao, para tanto vamos utilizar pontualmente alguns conceitos, como: singularidade, imanencia, ética, liberdade que contribuam com o entendimento do que chamamos políticas de subjetivaçao.

Antonio Negri (1996), em uma entrevista sobre a questao da política no pensamento de Deleuze, afirma:

[...] hoje é impossível definir o político senao como a forma em que a integralidade da vida humana se dá.  [...] política nao é nem mais e nem menos do que processos de subjetivaçao, como processos globais e coletivos. [...] O político é o momento mais alto da ética. O político em Deleuze é a capacidade de afirmar a singularidade como absoluta. (p.13)

Podemos dizer que a singularidade é primeira, é pura imanencia, indeterminaçao de "uma vida", de singularidades que nos atravessam e nao determinaçao de um indivíduo que, entretanto, a um só tempo nao pode ser confundido com qualquer outro.

Por isso liberar a singularidade - como uma potencia impessoal e anônima que nao se confunde com o eu consciente de si mesmo que é um efeito e nao um disparador do processo pelo qual os fluxos se agenciam - de um padrao que a achata e a aprisiona pode ser entendida como uma política de "encantamentos criadores" que escapa a insipidez.  

Uma política que afirma a singularidade como força de existir, que forja e expressa, ao mesmo tempo, modos de vida libertos das amarras dos interesses de um Eu e de um dever moral que transcende a vida. "A imagem do pensamento em Deleuze é já um atuar, dado que justamente nao existem estas mediaçoes platônicas ideais e representativas entre açao e pensar" (NEGRI,1996, p.12).

Foucault enfatiza a noçao de liberdade como condiçao e objeto da ética ao afirmar que "a liberdade é a condiçao ontológica da ética. Mas a ética é a forma refletida assumida pela liberdade. [...] A liberdade é, portanto, em si mesma política" (2004, p.267 e 270).

Desse modo, entendemos que a política é indissociável do pensamento/açao, da liberdade e da ética. A política afirma a singularidade, forja e expressa, ao mesmo tempo, modos de vida. Estamos falando de um sentido da política que envolve os processos de subjetivaçao que afirmam a positividade criadora, do devir outro em nós, das intensidades que pedem passagem, das diferenciaçoes que nos constitui. Uma política de criaçao de si e do mundo, políticas de resistencia que afirmam a potencia alegre da vida como obra de arte.

Hannah Arendt nos brinda com essa frase 'otimista': "[...] os homens, enquanto puderem agir, estao em condiçoes de fazer o improvável e o incalculável e saibam eles ou nao, estao sempre fazendo" (2004, p.44). Como suportaríamos esse mundo, essa vida se nao o fizéssemos, mesmo quando nao percebemos, mesmo quando sao minúsculos acontecimentos? Acreditar no improvável e no incalculável, "[...] acreditar nisso como no impossível, no impensável, que, no entanto, só pode ser pensado: 'algo possível, senao sufoco'" (DELEUZE, 1990, p.205).

Cada época suscitará a necessidade vital de invençao de potencias de possíveis e essa invençao precisará ser forjada em imanencia com um dado contexto histórico. A idéia de contexto histórico, tao recorrente nos trabalhos academicos, entretanto, nao pode ser confundida com uma história da origem ou com uma história do passado. Quando se trabalha sob a perspectiva da origem, costuma-se buscar uma "exterioridade" ou uma "anterioridade" explicativa. Recorre-se ao estabelecimento de entidades transcendentes, ou melhor, elege-se algo que ocorreu antes ou que está fora como elemento elucidativo.

A análise da constituiçao de um campo problemático, como é o caso das políticas que incidem sobre a vida na atualidade, se faz a partir de um contexto que envolve os atravessamentos, os desdobramentos das séries que percorrem essa temática. Nesse sentido, nao se trata de uma história do passado antes sempre de uma história do presente mesmo quando por meio dela se reinventa o passado. Talvez, seja importante nos determos um pouco mais sobre a noçao de história afirmando que "cada formaçao histórica ve e faz ver tudo o que pode assim como diz tudo o que pode em funçao das condiçoes de enunciado e de visibilidade" (DELEUZE, 1988, p.68).

 

História: condiçoes de enunciaçao e de visibilidade

A história ressoa diferentes facetas com que valores, saberes, crenças se efetivam em uma determinada época. Formas de humanidade, de política, de conhecimento, enfim, formas de vida se engendram nesse processo. Os contornos dessas transformaçoes nos assinalam para a impossibilidade de naturalizarmos um momento histórico que se metamorfoseia no embate de forças que, no presente, reverberam variaçoes na subjetividade. Mas, o que chamamos de história? De que tipo de história se trata?

Poderíamos ser tentados a dizer que a história seria um encadeamento de fatos, uma sucessao de fatos distribuídos em uma linha reta e contínua do tempo: passado, depois presente e depois futuro. Partindo de um ponto de origem, seguiríamos acompanhando um fato após outro em direçao a um suposto ponto de chegada, determinado e inscrito ao infinito. A história seria definida como um conjunto de fatos verdadeiros que vao sempre se sucedendo e que vao sempre sendo superados. O passado passou, o presente já está passando e o futuro já vai chegar. O passado explica o presente e no futuro se localiza o ponto de chegada previamente determinado. Numa sucessao contínua de fatos, os conceitos despontariam como descobertas de algo já dado, já existente e que ainda nao conhecíamos. Assim, partindo de um ponto de origem, que transcende a própria história, e em direçao a um ponto de chegada, que também a transcenderia, o conhecimento seguiria uma evoluçao linear, neutra, universal e obstinada pela verdade, pelo seu aperfeiçoamento.

Essa concepçao caracteriza uma visao de história asséptica em que deixam de aparecer muitas histórias, muitos nomes, acontecimentos, amores e desamores, acertos, equívocos, errâncias, entretanto tudo isso faz parte da história que envolve a todos nós e que construímos em nosso cotidiano.

A partir de outra perspectiva, seria possível pensar a história como um emaranhado de linhas tortuosas, que vem e que vao, que se misturam, que se tocam e se afastam. Passado, presente e futuro se embaralham. O passado nao explica o presente, ele nos mostra aproximaçoes e, sobretudo, diferenças. Nao porque evoluímos ou retrocedemos e sim porque sempre ocorrem transformaçoes.  "A história nao é, portanto, uma duraçao; é uma multiplicidade de tempos que se embaralham e se envolvem uns nos outros" (FOUCAULT, 2000, p.293).

Uma história sempre localizável, sempre pontual, e que exatamente por isso nao pode nunca ser tratada como uma história universal e neutra, generalista e totalizante. A análise histórica só se torna possível a partir das desnaturalizaçoes, ou melhor, a partir do momento em que todo um contexto sócio-histórico-político-cultural-econômico oferece suporte para a sua compreensao.

Foucault faz uma história das condiçoes - que nao sao universais - em que emergem objetos, sujeitos, conceitos, que variam com a história, com as configuraçoes de determinados dinamismos espaços-temporais, analisando o que é dito, como é dito e porque é dito.

Determinadas condiçoes históricas possibilitam a emergencia de certos jogos de saber e de certas relaçoes de poder. Saberes e poderes que se produzem no emaranhado de muitas histórias, que constituem corpos, que incitam paixoes, onde se travam lutas, onde há acertos e desacertos, há dúvidas e se ensaiam respostas e onde questoes se proliferam.

O conhecimento deixa de ocupar o lugar de verdade-absoluta para assumir a conotaçao de uma resposta-provisória para as questoes que emergem em uma dada época e em um dado lugar. Os conceitos sao invençoes, sao instrumentos de análise, também provisórios e também datáveis. Isto porque o mundo muda, porque as pessoas mudam, porque mudam seus problemas, mudam suas indagaçoes. Como um conceito que permaneceria imutável poderia dar conta das transformaçoes que ocorrem? Pode-se fingir que as mudanças nao ocorreram ou pode-se ficar repetindo a mesma explicaçao para o que já se tornou diverso.

Compartilhamos da idéia de pensar o presente historicamente, nem antes e nem fora do tempo, com seus limites e possibilidades. Até porque o possível nao é o que está dado e sim nossa ousadia de inventar sonhos e torná-los atuais. Isso implica arrancar a história de si mesma para dar visibilidade aos devires, para experimentar a relaçao com a alteridade, com o mundo, com a vida. Experimentar, neste caso, assume o sentido de um devir outro, percorrido por "uma névoa nao histórica [...] sem a qual nada se faria na história" (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.144), um expresso que está em vias de se fazer, o que nao tem começo e nem fim, mas que se faz no 'entre', que nao é oposiçao e nem complementaridade de dois opostos, mas diferença entre duas coisas distintas. História e experimentaçao sao distintas uma da outra, porém sao indissociáveis. A história aponta para as condiçoes pelas quais emergem as experimentaçoes que, por sua vez, fogem, desviam da própria história. Pode-se dizer que uma depende da outra, ou melhor, é a história que torna a experimentaçao algo vivido, este vivido depende das condiçoes históricas que, por sua vez, dependem da própria experimentaçao. "O a-histórico é similar a uma atmosfera que nos envolve e na qual a vida se produz sozinha, para desaparecer uma vez mais com a aniquilaçao dessa atmosfera" (NIETZSCHE, 2003, p.12).

Como passear na história produzindo desvios e devindo novas possibilidades de existencia? História e devir, um duplo que "nao é uma reproduçao do Mesmo, é uma repetiçao do Diferente. Nao é a emanaçao de um Eu, é a instauraçao da imanencia de um sempre-outro ou de um Nao-eu" (DELEUZE, 1988, p.105). Um dobrar a própria história. Entao, pode-se dizer, ao mesmo tempo, que o devir nao é histórico, mas que só pode ser pensado na história, senao permaneceria indeterminado. Em outras palavras, o devir irrompe e é atualizado na história, mas a desloca ao agir pelo 'meio' e com isso escapa a história, aquela capaz de captá-lo em seu estado vivido.

O "devir" nao é história; hoje ainda a história designa somente o conjunto das condiçoes, por mais recentes que sejam, das quais nos desviamos para um devir, isto é, para criarmos algo de novo. (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.125)

Uma história do presente, no sentido de uma atualidade, que nao se volta ao passado para pensar o presente, mas para delimitar a diferença dos modos de existencia em determinadas formaçoes históricas. O que levou a cada coisa? Quais devires? Que movimentos? Quais condiçoes?

O que interessa a Foucault é a nossa atualidade, "como" e "o que" temos conseguido ver, dizer, sentir, pensar, pois a forma como conjugamos esses verbos constitui nossos modos de existencia. Trata-se sempre de uma história do que se passa entre o que estamos deixando de ser e o que vamos nos tornando.

Ressoar da luta constante entre as forças. Tensao que marca as relaçoes de poder e as linhas de resistencia. Poder sobre a vida e potencia de vida. Os conceitos de poder, de biopoder e de resistencia, propostos por Foucault, mostram-se fundamentais para pensarmos sobre políticas de subjetivaçao. Dito de outra forma, para pensarmos as correlaçoes de força, os jogos de poder e saber que constituem os processos de subjetivaçao ou que criam modos de vida.

 

Poder e vida

Uma situaçao estratégica complexa nomeada poder, que nao coincide com algo que se possua ou que se doe, nem que se troque ou que se adquira, nem que se retome ou que se perca ou que se guarde. Enfim, o poder nao se refere a propriedade e nem a algo substancializado. É poder sem rei, é poder anônimo ou estratégias sem sujeito, que geram, entretanto, um emaranhado de políticas de subjetivaçao. Poderíamos dizer até que o poder em 'si mesmo' nao é nada: o poder funciona. Misturando-se a Nietzsche, Foucault afirma que nomeamos 'poder' as correlaçoes de forças que se fazem por combates, por enfrentamentos, por lutas. Assim, o poder deve sempre ser pensado como relaçoes de poder.

Por ser relaçoes de forças, o poder nao tem forma e nem é uma relaçao entre formas. A relaçao de forças se faz por afetos, por 'estados de poder' locais, mas nao localizáveis, por serem móveis, difusos e instáveis. Pelo poder de afetar e de ser afetado, por afetos ativos (suscitar, incitar etc.) e afetos reativos (ser incitado, ser suscitado) presentes em cada força. "O poder de ser afetado é como uma matéria da força, e o poder de afetar é como uma funçao da força" (DELEUZE, 1988, p.79). Embora essa 'matéria' e essa 'funçao' nao tenham ainda uma forma. Somente quando as relaçoes de força se atualizam, quando se encarnam, é que assumem formas, percorrendo todo o campo social nas formas do dizer e nas formas do ver. O poder nao ve e nao fala, mas faz ver e falar.

Enquanto o poder é relaçao de forças, é exercício, o saber é relaçao de formas, é regulamento. Entre ambos há heterogeneidades, pressuposiçoes entrecruzadas, capturas recíprocas e imanencia mútua. O poder envolve matérias nao formadas e funçoes nao formalizadas, enquanto o saber envolve funçoes formalizadas e matérias formadas. As relaçoes de forças desestabilizam as formas, alteram suas direçoes e contornos. Enquanto os saberes conferem formas as relaçoes de forças.

Pensar o poder como anônimo ou como estratégias sem sujeito nao se refere a uma ausencia de pessoas, grupos ou instituiçoes envolvidas nesse exercício. O anonimato se refere a um deslocamento da questao 'quem tem o poder?' para 'como um poder se exerce?'. Quem tem o poder seria antes uma questao labiríntica. Isso porque o poder é onipresente e ao mesmo tempo um nao lugar fixo ou central. Está em tudo e em toda parte, se produz a cada instante, no entanto, nao engloba tudo sob uma invencível unidade. A resistencia é primeira. Ela nao é poder, nem contra-poder, nem recusa. É mais uma permanente insistencia. Sendo assim, o poder 'nao é tudo' embora precise nos fazer continuamente crer em sua onipotencia.

[...] começar a análise pelo 'como' é introduzir a suspeita de que o 'poder' nao existe; é perguntar, em todo caso, a que conteúdos significativos podemos visar quando usamos este termo majestoso, globalizante e substantificador; é desconfiar que deixamos escapar um conjunto de realidades bastante complexo, quando engatinhamos indefinidamente diante da dupla interrogaçao: 'O que é o poder?' 'De onde vem o poder?' (FOUCAULT, 1995, p.240)

Nao importa tanto 'quem' e sim 'o que faz funcionar', isso porque o 'quem' é contingente ou numa dada situaçao poderia ser qualquer um de nós. "Todos nós temos fascismo na cabeça; e mais fundamentalmente ainda: todos nós temos poder no corpo". Tal deslocamento traz a cena a pertinencia da análise de nossas diversas práticas, de quais regimes elas instauram. Parece-nos mais familiar eleger viloes, entretanto, é preciso pensar sobre o poder como algo que se exerce, que circula e forma redes, algo que cria e transita pelo que criou, colocando em xeque os maniqueísmos.

E se nos apaixonamos pelo poder é porque ele funciona escamoteando sua face intolerável. Trata-se de seduçao. Quanto mais acreditamos dominar e controlar, mais nos deixamos capturar por dispositivos de dominaçao e controle. O desejo de ser dominado ou a suposta aquiescencia ao domínio ou a servidao seria a dupla face do desejo de dominar. Em outras palavras, quanto mais desejamos controlar mais estamos submetidos ao poder do controle, mais o reverenciamos.

Imanencia do poder que solicita sempre análises do que fazemos funcionar por diferentes vias, mas que nao coincide com transcendentes. O poder nao é algo exterior que vem incidir sobre nós. Nem, tampouco, é fixo, imutável ou se exerce de cima para baixo. O poder circula e, assim, torna-se inconcebível pensá-lo como um fenômeno de dominaçao maciço e homogeneo. Muitas vezes o dizem hegemônico, contudo, há que se ter certo cuidado, pois hegemônico pode significar preponderância, mas, também, pode significar supremacia. As relaçoes de poder sempre irao implicar exercícios de resistencia, linhas de fuga, por isso o hegemônico só cabe se for pensado como uma forma provisória e fugaz. Os regimes de dominaçao funcionam em cadeia, ou melhor, a dominaçao nao é de 'um' sobre 'todos', mas de todos sobre todos e cada um. Mesmo que possamos eleger num dado momento certo foco, nos equivocamos ao concebe-lo como central e permanente.

O poder coloca em jogo relaçoes entre indivíduos, entre grupos, e sao essas relaçoes de poder que precisam ser analisadas. No entanto, a idéia de relaçao nao deve ser pensada como uma açao direta sobre o outro. "[...] é preciso distinguir as relaçoes de poder como jogos estratégicos entre liberdades [...] e os estados de dominaçao, que sao o que geralmente se chama de poder" (FOUCAULT, 2004, p.285). A violencia sim é uma açao direta sobre o outro, sobre seu corpo. Uma situaçao de violencia implica a supremacia de um sobre o outro e nao se coloca a possibilidade de escapar. O evento terá um fim, mas ao longo de sua ocorrencia haverá a partiçao entre os que dominam e os que estao subjugados.

O poder, ao contrário, envolve uma açao sobre uma açao. É preciso que entre os indivíduos envolvidos haja um espaço de liberdade, ou melhor, que a açao nao se faça sobre um alvo inerte e sim que nessa açao sobre açao se abram campos de resposta, reaçoes, efeitos, invençoes. "Mesmo quando a relaçao de poder é completamente desequilibrada, [...] um poder só pode se exercer sobre o outro a medida que ainda reste a esse último [alguma] possibilidade" (FOUCAULT, 2004, p.277). A coaçao seria uma forma de relaçao já saturada ou a interrupçao da própria relaçao. Só há relaçoes de poder onde há possibilidade de resistencia. O poder ordena as probabilidades e o eventual, é da ordem do governo (poder de afetar) mais do que do afrontamento.

[...] é um conjunto de açoes sobre açoes possíveis; ele opera sobre o campo de possibilidade onde se inscreve o comportamento dos sujeitos ativos; ele incita, induz, desvia, facilita ou torna mais difícil, amplia ou limita, torna mais ou menos provável; no limite, ele coage ou impede absolutamente, mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou vários sujeitos ativos, e o quanto eles agem ou sao suscetíveis de agir. (FOUCAULT, 1995, p.243) 

Estados de poder - disposiçoes, modos de se estar - localizáveis e instáveis, pois engendrados nas correlaçoes de forças, em seus desequilíbrios. A correlaçao de forças nao é um jogo entre forças mais fortes e forças mais fracas, há diferença, heterogeneidade, instabilidade, mobilidade. Correlaçao de forças sao processos. Quando se configuram distribuiçoes de poder e apropriaçoes de saber é porque ocorreu um corte no processo, uma parada no processo como diriam Deleuze e Guattari (1972, p.9-10). Nao em funçao das forças serem heterogeneas e sim da desigualdade transfigurar-se em coágulos de dominaçao. E assim os dispositivos de dominaçao assumem ares de hegemonia, contudo, a dominaçao pode ser global e nao totalizadora e estável, ou seja, regimes de dominaçao estao por toda parte tanto quanto linhas de resistencia que instauram deslocamentos, que quebram modelos, que rompem unidades.

É preciso estar atento para as formas com que cada um de nós faz funcionar uma estratégia de dominaçao, através de diversas técnicas e táticas, a tornando global. Duplo condicionamento entre estratégias globais e táticas locais, nenhuma descontinuidade, porém nenhuma homogeneidade. Nao se trata de procurar por culpados, mas de indagar como se constituem súditos, ou ainda, como corpos, desejos, pensamentos sao capturados. Percorrer os exercícios de poder em suas extremidades, em suas formas mais regionais e locais, em sua capilaridade, lá onde investe instituiçoes, onde forja instrumentos de intervençao. Pois ao mesmo tempo em que se retira de cena a unidade e o centro, também se retira a culpa, os maniqueísmos, os dualismos ontológicos, ou melhor, esses nao sao fundamentos do poder e sim alguns dos seus possíveis efeitos. 

A noçao de poder em Foucault (1985; 1999), nao se confunde com um modo de sujeiçao que se faça sob a forma da lei ou de um sistema global e hegemônico de dominaçao localizado num Estado, num estabelecimento, numa classe, num grupo, num indivíduo ou em qualquer outro ponto. Nao se trata do modelo do direito e nem do modelo da soberania. Tais formas regulamentadas sao efeitos de conjunto dos diversos mecanismos de poder e de seus instrumentos.

Um regime de dominaçao se configura por múltiplos mecanismos de poder que vao constituindo formas de Estado, de classe, de individualidade. E ao mesmo tempo em que essas configuraçoes sao efeitos desses múltiplos mecanismos também sao seus intermediários, ou seja, o poder transita pelo que constitui ou tudo o que constitui também o faz funcionar. Em suma, cada um de nós, em cada um de nossos atos, pode reforçar mais ou menos muitos dispositivos de poder.

Em meados do século XVIII, a populaçao emerge como um problema político, econômico e científico das cidades, enfim, como um problema de poder, criando a necessidade do estabelecimento de uma regularidade através de mecanismos globais de controle. Foucault (1999) nos fala da emergencia de um poder de regulamentaçao que funciona fazendo viver e deixando morrer, nomeado como biopoder. Este nao diz respeito a um poder soberano de fazer morrer, nem a um enfrentamento e sim a uma relaçao pautada no biológico. O que significa que a morte assume o sentido de preservaçao da própria vida. É uma morte que se justifica pela vida. Poderíamos dizer que seria uma espécie de 'fazer morrer para fazer viver' ou 'fazer viver fazendo morrer'.

Deixar morrer ou fazer morrer, esse excesso do biopoder que geri, gera, e também cessa, cansa, priva de vida, faz funcionar muitas formas de morte. Tirar a vida nao é somente "o assassínio direto, mas também tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor a morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a expulsao, a rejeiçao etc" (FOUCAULT, 1999, p.306). Seu alvo é a regulamentaçao da vida, o controle de seus acidentes, de suas eventualidades, de suas deficiencias, ou melhor, de uma partiçao constante entre o que deve viver e o que pode morrer, entre o que é vida e o que é perigo, o que ameaça a vida. Ao mesmo tempo, todas as biotecnologias visam prolongar a vida, pois o poder tomou posse da vida.

O biopoder somente pôde se constituir em funçao de uma tecnologia de poder que já se disseminava, ou seja, o poder disciplinar. Estas tecnologias de controle sobre o corpo individual criaram um campo de possibilidade para a emergencia de um poder que incide sobre a vida da populaçao.

[...] tecnologia de poder que nao exclui a primeira, que nao exclui a técnica disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utiliza-la implantando-se de certo modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia. (FOUCAULT, 1999, p.288-9)

E o maior poderio sobre a vida, ou melhor, a maior eficácia do biopoder ao fabricar modos de vida, se coloca exatamente através da maior naturalizaçao de seus dispositivos. O poder realiza uma eficaz política sobre a vida cada vez que cada um de nós reforça, incita, vigia, majora, organiza, ordena, multiplica, qualifica, mede, avalia, hierarquiza ou faz funcionar uma complexa rede de dispositivos de controle. Há uma proliferaçao de tecnologias políticas que vao investir todo o espaço-tempo da existencia, redundando em diferenciadas políticas de subjetivaçao.

Contudo, se as tecnologias de poder tem incidido cada vez sobre a vida e sobre as subjetivaçoes, é também por elas que passam as maiores forças de resistencia. A vida insiste em escapar continuamente. Quanto mais se é alvo de controle tanto mais podemos acionar em nossas vidas focos de resistencias: "as forças que resistiram se apoiaram exatamente naquilo sobre o que ele [poder] investe - isto é, na vida e no homem enquanto ser vivo" (FOUCAULT, 1985, p.186).

Os processos de poder se caracterizam menos por uma potencia sem limites e mais por uma ineficácia constitutiva. Pois o poder é cego e produz cegueira, faz ressoar impotencias, é onipresente e nao onisciente. Por isso a necessidade de produçao de tantas tecnologias de dominaçao e de controle. O poder freqüentemente está em um impasse ou frente a frente com o que lhe escapa.

[...] a resistencia vem primeiro, na medida em que as relaçoes de poder se conservam por inteiro no diagrama, enquanto as resistencias estao necessariamente numa relaçao direta com o lado de fora, de onde os diagramas vieram. De forma que um campo social mais resiste do que cria estratégias, e o pensamento do lado de fora é um pensamento da resistencia. (DELEUZE, 1988, p.96).

Em contrapartida, cada um de nós, em cada uma de nossas práticas cotidianas, pode fazer expandir múltiplas resistencias, enfim, criaçao de ilimitadas linhas de fuga aos regimes de dominaçao que se configuram em nossos dinamismos espaço-temporais.

Só podemos falar em relaçoes de poder quando sao possíveis deslocamentos, limites, escapes, reaçoes imprevisíveis. Entre poder e resistencia há uma incitaçao recíproca e uma provocaçao permanente. Nao se trata de confronto ou de exclusao entre poder e resistencia e sim de um jogo complexo: a resistencia é condiçao de existencia do poder e seu suporte permanente, enfim, se nao há resistencia resta apenas a coerçao pura e simples da violencia A resistencia seria o limite permanente do poder ou seu ponto de inversao. Poder e resistencias sao irredutíveis e, ao mesmo tempo, indissociáveis.

[...] no centro das relaçoes de poder e como condiçao permanente de sua existencia, há uma 'insubmissao' e liberdades essencialmente renitentes, nao há relaçao de poder sem resistencia, sem escapatória ou fuga, sem inversao eventual; toda relaçao de poder implica, entao, pelo menos de modo virtual, uma estratégia de luta, sem que para tanto venham a se superpor, a perderem sua especificidade e finalmente a se confundirem. Elas constituem reciprocamente uma espécie de limite permanente, de ponto de inversao possível. [...] Instabilidade, portanto, que faz com que os mesmos processos, os mesmos acontecimentos, as mesmas transformaçoes possam ser decifrados tanto no interior de uma história de lutas quanto na história das relaçoes e dos dispositivos de poder. (FOUCAULT, 1995, p.249)

Linhas de resistencia, espalhadas por toda a rede de poder, criam imprevisibilidades no que parecia previsível, incertezas no que parecia certo, possibilidades no que parecia impossível, fugas no que estava capturado. Pontos móveis e transitórios, mais ou menos densos, no entanto, seu roçar por corpos e almas criam regioes irredutíveis, pois incitam uma arte de viver.

Por meio de exercícios de resistencia cria-se a possibilidade de variaçoes nos modos de vida, pois o padecimento dá lugar a potencia de agir. Nesse sentido, resistir nao pode coincidir com julgar, negar, culpar, recusar, se opor. Essas sao formas assumidas pela intolerância, por micro-fascismos cotidianos e sutis. Essas sao formas de dominaçao impulsionadas pela vontade de verdade. As linhas de resistencias precisam transmutar recusas, ressentimentos, indisponibilidades, falta de tempo, afirmando a potencia criadora e alegre da vida. Isto porque, os exercícios de resistencia guardam a força da singularizaçao, sao potencia de (re)invençao de si.

Foucault é um pensador do duplo, ou melhor, um pensador das multiplicidades. Nao há em Foucault proposiçoes de conceitos absolutos ou que funcionem por generalizaçoes. Neste sentido, Foucault busca em Maurice Blanchot (1987; 2001) a idéia de Fora, para falar de um pensamento do Fora ou de um pensamento da resistencia. Onde a palavra Fora assumiria o sentido de algo mais longínquo que toda exterioridade e, ao mesmo tempo, mais próximo que qualquer interioridade. Um Fora que nao nos é exterior e nem tampouco interior. Fora dos diagramas de poder que nos capturam e que ajudamos a difundir. Fora de nossos interesses particulares, de nossas certezas. Fora como abertura a indeterminaçao, ao inimaginável, ao indizível, ao inumano, ao impensável, ao imprevisível, ao intempestivo, enfim, uma potencia dispersa, onde qualquer forma que se ofereça será sempre demasiadamente velha ou nova, demasiadamente estranha ou familiar (FOUCAULT, 1990, p.72). As subjetivaçoes sao processos de composiçao de uma multiplicidade, de forças em devir permanente. Nao sao o Fora, mas uma Dobra do Fora, uma 'invaginaçao' do Fora. Também por isso, as subjetivaçoes guardam essa "potencia astuciosa de resistencia".

"Quando o poder se torna biopoder, a resistencia se torna poder da vida, poder-vital [...]" (DELEUZE, 1988, p.99). Desta forma, podemos pensar que as políticas que incidem sobre a vida abarcam tanto dispositivos de biopoder quanto exercício de resistencias. Biopolíticas que envolvem poder sobre a vida e potencia de vida. Tensao que se faz na gestao cotidiana de cada uma de nossas vidas. Biotecnologias que nao respondem somente aos interesses do capital. Necessidade incessante de avaliarmos o quanto trabalhamos para a mortificaçao ou para a expansao da vida. Necessidade incessante de escolhas que respondam mais a constituiçao de comuns.

 

Na cadencia dos pendulos

Cada um de nós é um espaço-tempo de guerra. E...

[...] essa guerra está presente em todos os verbos freqüentados por esse mim mesmo, como tatear, olhar, ouvir, comer, beber, trabalhar, escrever, dizer, amar, lutar etc. E em cada um deles, com seus problemas próprios e com as questoes que os atravessam, há o risco dos desdobramentos do fazer no vasto pendulo cadenciado pelo liberar e controlar, cadencia perturbada a cada emergencia das circunstâncias. (ORLANDI, 2002, p.236)

Como podemos habitar esse espaço-tempo de guerra com menos controle e captura? Como podemos interferir com suavidade na cadencia dos pendulos constituintes da vida? Como tecer a reapropriaçao existencial que denota um tomar posse da própria vida individual e coletiva?

Guattari mantém um fio de possível quando diz que:

E, no entanto, é possível conceber outras modalidades de produçao subjetiva - estas processuais e singularizantes. Essas formas alternativas de reapropriaçao existencial e de autovalorizaçao podem tornar-se, amanha, a razao de viver de coletividades humanas e de indivíduos que se recusam a entregar-se a entropia mortífera, característica do período que estamos atravessando. (GUATTARI, 1993, p.191)

Talvez seja preciso acreditar mais no possível para que possamos criá-lo, para que possamos inventá-lo, para que se processe uma consistencia. Deleuze (1998) faz uma distinçao entre o possível que se realiza e se estabiliza, e o possível que se cria. O primeiro se refere ao possível como realizaçao de um projeto previamente pensável e dado por determinaçoes e limitaçoes. Já o possível que se cria remete a criaçao de possíveis reais que vem dos acontecimentos, dos afectos e dos perceptos - afetos e percepçoes em devir - nao nomeáveis a priori, mas que se atualizam na singularizaçao, efetivando a criaçao de outros possíveis. Essa tensao aponta para o paradoxo "esgotar o possível/criar o possível" (ZOURABICHVILI, 2000, p.335). Esgotar o possível como atualizaçao de um estado de coisa, como apreensao da atualidade de uma situaçao, para poder criar o possível como potencia.

Um duplo, a um só tempo, acreditar na efetuaçao de "possíveis impossíveis", e desacreditar dos cliches, das idéias prontas, das totalidades, de que tudo já está dado de antemao, de que nao temos nada a fazer, nada em que acreditar. Apreender o possível como potencia, como criaçao de novas possibilidades de vida, de novos modos de existencia. Acreditar que é possível pensar, agir, sentir diferentemente.

Acreditar na constituiçao de processos de singularizaçao ou criaçao de linhas de resistencia. Entendendo que singular nao se confunde com particular. O particular se refere ao que é próprio, íntimo, idiossincrático. O singular se opoe ao particular, entretanto, nao se opoe ao comum. Para Negri (2005) as singularidades sao relativas as diferenças, bem como, o comum, assim, o comum e o singular se intercambiam na multidao como um conjunto de singularidades cooperantes.  Negri (1988) irá trabalhar a idéia de constituiçao do comum a partir da noçao de comum, como processo de produçao ontológico, presente na obra inacabada de Deleuze: La Grandeur de Marx. O comum se opoe ao uno, a unidade, a soberania do poder, a concepçao de poder hegemônico, ele se refere a própria concepçao de comunismo, ao "conceito de comunismo que se constrói no livro inacabado de Deleuze" (NEGRI, 1998, p.41). O comum nao é o igual. O comum é feito de diferenças, ao mesmo tempo, é condiçao das mobilizaçoes produtivas (LAZZARATO, 2007).

Nesse sentido, a concepçao de reapropriaçao existencial se refere a ética, a uma constituiçao ética de si. Entretanto, essa constituiçao de si nao pode ser egóica, pois isso já faz parte do inferno que vivemos. Trata-se de uma nao distinçao entre pensamento e açao. Consonância entre os conceitos que utilizo e as práticas que efetivo. Todo conhecimento já faz parte de uma política.  Toda política é necessariamente, também, de subjetivaçao. Tudo isso implica pararmos de 'lavar as maos', o que significa nos implicamos, de fato, com a constituiçao de comuns, com a "capacidade de assumir nas próprias maos as condiçoes biopolíticas da existencia" (NEGRI, 2005).

 

Referencias Bibliográficas

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____. Em defesa da sociedade: curso no College de France (1975-1976). Sao Paulo: Martins Fontes, 1999.

____.  Retornar a História. In: ____. Arqueologia das ciencias e histórias dos sistemas de pensamento.  Rio de Janeiro: Forense Universitária, Coleçao Ditos & Escritos II, 2000, p.282-295.

____. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: ____. Ética, sexualidade, política.  Rio de Janeiro: Forense Universitária, Coleçao Ditos & Escritos V, 2004, p.264-287.

GUATTARI, F. Da produçao de subjetividade. In: PARENTE, A. (Org.). Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p.177-191.

LAZARATO, M. O papel da cultura e da comunicaçao no capitalismo contemporâneo. Seminário A constituiçao do comum: cultura e conflitos no capitalismo contemporâneo. Vitória, 21 de maio de 2007.

NEGRI, A. Deleuze y la política: entrevista a Tony Negri. In: ENCUENTROS - Revista de la Catedra de Filosofia Contemporanea, n. 4, p. 09-17, jun. 1996.

____. El exilio. Barcelona: El Viejo Topo, 1998.   

____. A constituiçao do comum. II Seminário Internacional - Capitalismo Cognitivo: 'Economia do Conhecimento e a Constituiçao do Comum. Ministério da Cultura, Brasília, 24 de outubro de 2005. Disponível em: <http:www.cultura.gov.br/site/2005/10/24/conferencia-a-constituicao-do-comum-antonio-negri/>. Acesso em: jul.2009.

NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Ed. Civilizaçao Brasileira, 2003.

ORLANDI, L. B. L. Que estamos ajudando a fazer de nós mesmos? In: RAGO, M.; ORLANDI, L. B. L; VEIGA-NETO, A. (Orgs.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.217-238.

ZOURABICHVILI, F. Deleuze e o possível (sobre o involuntarismo na política). In: ALLIEZ, E. (Org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. Sao Paulo: Ed. 34, 2000. p. 333-355.

 

 

Endereço para correspondencia
Leila Domingues Machado
UFES, Departamento de Psicologia, Av. Fernando Ferrari, no 514, Campus Universitário Alaor Queiroz de Araújo, Goiabeiras, CEP 29075-910, Vitória - ES, Brasil 
Endereço eletrônico: leiladomingues@uol.com.br
Maria Cristina Campello Lavrador
UFES, Departamento de Psicologia, Av. Fernando Ferrari, no 514, Campus Universitário Alaor Queiroz de Araújo, Goiabeiras, CEP 29075-910, Vitória - ES, Brasil 
Endereço eletrônico: cristinacampello@uol.com.br

Recebido em: 11/08/2009
Aceito para publicaçao em: 06/11/2009
Acompanhamento do processo editorial: Deise Mancebo, Marisa Lopes da Rocha e Roberta Romagnoli.

 

 

Notas

* Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP
** Doutora em Psicologia pela UFES