Estudos e Pesquisas em Psicologia
2025, Vol. 25. e86204, doi:10.12957/epp.2025.86204
ISSN 1808-4281 (online version)
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Relato de Experiência: Oficinas para Promoção de Saúde Mental e Prevenção do Suicídio com Estudantes
Experience Report: Workshops for Mental Health Promotion and Suicide Prevention with Students
Informe de Experiencia: Talleres para la Promoción de la Salud Mental y Prevención del Suicidio con Estudiantes
Vanessa Barbosa Romera Leme a
, Amanda Ferreira da Silva a
, Ana Carolina Fagundes dos Santos a
, Damares Moreira de Carvalho a
, Kathyllen Bezerra dos Santos a
, Victor de Lima Rosa a
a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
A escola é um espaço propício para a prevenção do suicídio em adolescentes. Contudo, poucas pesquisas com essa finalidade são desenvolvidas no contexto escolar. Este estudo analisou as percepções de adolescentes sobre sua participação em oficinas para a prevenção do suicídio e promoção de saúde mental. A atividade focou o autoconhecimento, expressão de emoções, habilidade social de empatia e identificação de violências interpessoais. Teve duração de 1 hora e utilizou exposição dialogada e debates em pequenos grupos a respeito de situações-problema. Participaram 211 estudantes, com idade entre 14 e 20 anos, sendo 108 (51,1%) do sexo masculino, do ensino médio de uma escola pública. As 11 oficinas foram avaliadas por meio de uma ficha para verificar a satisfação e a aplicabilidade da ação. Os dados foram analisados quantitativamente e com uso de inteligência artificial para a análise qualitativa. Os resultados indicaram que as oficinas aumentaram as percepções positivas dos estudantes sobre empatia, acolhimento de amigos e reconhecimento de violências. Aspectos como proximidade com adultos e manejo do estresse demandam mais atenção. Conclui-se que as oficinas promoveram empatia, suporte social e percepção de benefícios ao grupo. As descobertas implicam intervenções e políticas públicas para prevenção do suicídio e saúde mental escolar.
Palavras-chave: habilidades sociais, adolescentes, suicídio, prevenção, saúde mental.
ABSTRACT
The school is a favorable space for suicide prevention among adolescents. However, few researches with this purpose are conducted in this context. This study analyzed adolescents' perceptions of their participation in workshops aimed at suicide prevention and mental health promotion. The activity focused on self-awareness, emotional expression, empathy social skill, and interpersonal violence identification. The workshop lasted one hour, using dialogical exposition and small group discussions on problem-based scenarios. A total of 211 students aged between 14 to 20 years participated, with 108 (51.1%) being male, all from a public high school. Eleven workshops were evaluated using a form designed to assess satisfaction and the applicability of the intervention. The data were analyzed quantitatively, and for qualitative analysis, artificial intelligence was used. The results indicated that the workshops enhanced students' positive perceptions about empathy, welcoming friends, and recognizing violence. Aspects such as proximity to adults and stress management require further attention. It was concluded that the workshops promoted empathy, social support, and a perception of benefits to the group. The findings imply interventions and public policies for suicide prevention and mental health in schools.
Keywords: social skills, adolescents, suicide, prevention, mental health.
RESUMEN
La escuela es un espacio propicio para la prevención del suicidio en adolescentes. Sin embargo, se realizan pocas investigaciones con este propósito en el contexto escolar. Este estudio analizó las percepciones de los adolescentes sobre su participación en talleres dirigidos a la prevención del suicidio y la promoción de la salud mental. La actividad se centró en el autoconocimiento, la expresión de emociones, la habilidad social de la empatía y la identificación de violencias interpersonales. El taller tuvo una duración de una hora y utilizó exposiciones dialogadas y debates en pequeños grupos sobre situaciones problemáticas. Participaron 211 estudiantes de entre 14 y 20 años, de los cuales 108 (51,1%) eran hombres, todos de una escuela secundaria pública. Los once talleres fueron evaluados mediante un formulario diseñado para verificar la satisfacción y la aplicabilidad de la acción. Los datos fueron analizados cuantitativamente y mediante inteligencia artificial para el análisis cualitativo. Los resultados indicaron que los talleres aumentaron las percepciones positivas de los estudiantes sobre la empatía, la acogida de amigos y el reconocimiento de violencias. Aspectos como la cercanía con adultos y el manejo del estrés requieren mayor atención. Se concluyó que los talleres promovieron la empatía, el apoyo social y la percepción de beneficios para el grupo. Los hallazgos tienen implicaciones para intervenciones y políticas públicas dirigidas a la prevención del suicidio y la salud mental escolar.
Palabras clave: habilidades sociales, adolescentes, suicidio, prevención, salud mental.
O suicídio é um fenômeno complexo e multifacetado, resultante da interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, políticos e ambientais (Barbosa & Teixera, 2021; Carneiro & Lima, 2022; Ribeiro & Moreira, 2018). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022), o suicídio é uma das principais causas de morte entre adolescentes e jovens de 15 a 29 anos, configurando-se como um problema de saúde pública global. O Brasil apresenta índices relativamente baixos em relação ao suicídio (6,5 a cada 100 mil habitantes), quando comparado a outros países, porém observa-se um crescimento nas taxas na faixa etária da adolescência (OMS, 2022).
O impacto do suicídio é profundo, afetando não apenas as vítimas, mas também suas famílias, amigos e comunidades. É importante entender o suicídio não apenas como um ato isolado, mas como um desfecho de uma série de fatores e circunstâncias sociais, políticas e econômicas (Barbosa & Teixera, 2021). O estigma social, a falta de acesso a serviços públicos de saúde mental adequados, a solidão, o desemprego, o abuso de substâncias e a violência interpessoal são apenas alguns dos elementos que podem contribuir para o surgimento do comportamento suicida (Carneiro & Lima, 2022). Portanto, a prevenção dessa problemática requer uma abordagem integral, que considere os indivíduos em sua totalidade, incluindo seus aspectos biopsicossociais e as influências do contexto social e ambiental (Barbosa & Teixeira, 2021).
Diante desse panorama alarmante, a campanha do Setembro Amarelo emerge destacando a importância de falar abertamente sobre o suicídio, reduzindo preconceitos associados a ele e promovendo recursos e estratégias de prevenção (Setembro Amarelo, 2022). Contudo, embora essa iniciativa seja relevante para conscientizar sobre a prevenção do suicídio, sua concentração em um único mês pode criar a falsa impressão de que o cuidado com a saúde mental seja sazonal (Baptista et al., 2021). Essa limitação pode resultar na negligência de ações contínuas e integradas, especialmente em ambientes como escolas, que têm papel central na formação de redes de apoio. Estratégias sustentáveis ao longo do ano são fundamentais para consolidar uma cultura de prevenção efetiva do suicídio (OMS, 2022).
O suicídio pode ocorrer devido a uma combinação de diferentes fatores como histórico de diferentes formas de violências no curso de vida, tais como discriminações, abusos sexuais e negligência, estressores da vida e transtornos mentais (Barbosa & Teixeira, 2021; Santo & Dell'Aglio, 2022; Silva & Marcolan, 2022). Nessa perspectiva, Melo et al. (2022) ressaltam a importância de ambientes acolhedores para a expressão de emoções e redes de apoio consistentes. Estes elementos, quando presentes, podem favorecer a formação de laços de solidariedade, promovendo o bem-estar mental e reduzindo a vulnerabilidade ao suicídio.
A adolescência é um período na vida caracterizado por mudanças físicas, emocionais e sociais significativas (Santo & Dell'Aglio, 2020). Durante esse momento, os adolescentes podem estar vulneráveis a diversas formas de violências interpessoais, como bullying, cyberbullying, abuso sexual e discriminação (OMS, 2020). A OMS (2002) caracteriza a violência interpessoal como um comportamento prejudicial, intencional e danoso, direcionado de uma pessoa para outra, com o objetivo de causar sofrimento físico, psicológico ou emocional, sendo uma das formas de violência que se apresentam com maior frequência entre os crianças e adolescentes.
O estudo de metanálise de Richardson et al. (2024) sobre comportamento suicida e automutilação em adolescentes evidenciou que as violências interpessoais (por exemplo, bullying e cyberbullying), jovens pertencentes a grupos LGBTQIA+ e com transtornos mentais, reprovação e uso de psicotrópicos aumentam o sofrimento psicológico e constitui-se como um fator de risco para o suicídio. Como a escola é contexto recorrente na presença dessas diferentes formas de violências, os dados do estudo sinalizam que estratégias de prevenção devem promover a conectividade entre estudantes e combater a intimidação de modo presencial ou online. No contexto nacional, a revisão de literatura de Sganzerla (2021) mostrou que o ambiente escolar é fundamental para identificar e prevenir tentativas de suicídio e autolesões por meio de ações realizadas com diferentes atores da comunidade escolar, incluindo estudantes, familiares e professores. Os resultados do estudo também destacaram a importância da presença de psicólogos nas equipes escolares para intervenções eficazes e sinaliza que é preciso haver políticas públicas mais amplas para abordar a prevenção do suicídio. A Lei 13.935/2019 estabelece a presença obrigatória de psicólogos e assistentes sociais nas escolas públicas, destacando seu papel na promoção da saúde mental e prevenção de violências. Essa diretriz destaca a necessidade de políticas públicas para equipes multiprofissionais combaterem violências e o suicídio infantojuvenil. Alinhada às diretrizes da OMS (2022), a lei enfatiza abordagens intersetoriais e intervenções escolares que podem reduzir violências interpessoais e risco de morte por suicídio entre adolescentes.
Neste contexto, as habilidades sociais emergem como uma ferramenta na prevenção do suicídio, especialmente durante o ensino médio (Leme et al., 2019). As habilidades sociais, como expressar sentimentos, demonstrar empatia, ser assertivo e buscar ajuda, são competências aprendidas e valorizadas em diferentes contextos culturais e históricos (Machado et al., 2020). Quando desenvolvidas e praticadas durante o ensino médio, essas habilidades podem melhorar significativamente as relações interpessoais entre alunos, professores e funcionários, criando um ambiente escolar mais acolhedor, inclusivo e menos propenso a manifestações de violências interpessoais (Tallamini et al., 2022).
As habilidades sociais fortalecem a capacidade dos alunos de estabelecer metas, aumentando seu engajamento nas atividades escolares e contribuindo para o sucesso acadêmico (Mihalec-Adkins et al., 2020). Ao promover o desenvolvimento socioemocional dos estudantes, essas habilidades também os ajudam a enfrentar os desafios escolares com maior autocontrole, autoestima e relacionamentos positivos com os colegas (Harume & Galvani, 2023). As habilidades sociais, tais como empatia, assertividade e resolução de problemas, capacitam os jovens a lidar com os desafios da vida de forma mais eficaz, promovendo uma cultura de apoio mútuo e respeito dentro e fora da sala de aula (Leme et al., 2019). Em resumo, investir no desenvolvimento das habilidades sociais dos alunos durante o ensino médio não só fortalece seu bem-estar emocional, mas também desempenha um papel relevante na prevenção do suicídio.
Ao abordar as violências interpessoais em ambientes de ensino, não apenas protege-se os estudantes de danos imediatos, mas também se investe em seu bem-estar mental a longo prazo, reduzindo o risco de comportamento suicida (OMS, 2022). Ao promover a saúde mental, diminuir o estigma e investir em estratégias de prevenção, pode-se fomentar ações para preservar vidas e construir comunidades mais diversas e inclusivas (Richardson et al., 2024). Contudo, pesquisas prévias (Baptista et al., 2021; Richardson et al., 2024) evidenciaram uma lacuna na literatura acerca de ações implementadas em contexto escolar para prevenção do suicídio e promoção de saúde mental com adolescentes.
Assim, este estudo analisou as percepções de adolescentes sobre sua participação em oficinas para a prevenção do suicídio e promoção de saúde mental. Ressalta-se que estratégias preventivas focam o aumento de fatores protetivos e redução de risco (por exemplo, presença de bullying/cyberbullying e discriminação), que aumentam a probabilidade da morte por suicídio. Já intervenções de promoção de saúde mental fortalecem habilidades e recursos (por exemplo, autoconhecimento e empatia) para as pessoas enfrentarem adversidades. Assim, de acordo com a OMS (2022), as oficinas implementadas nesse estudo adotaram uma proposta integrativa, na qual foram utilizados aspectos da prevenção e promoção, diferenciando-se de outras abordagens psicoeducativas em escolas, que muitas vezes focam a prevenção (Baptista et al., 2021).
Método
Participantes
O presente estudo caracteriza-se por um relato de experiência e adotou uma abordagem quantitativa e qualitativa. Participaram 211 estudantes, com idade entre 14 e 20 anos (M=17,05; DP=1,00), sendo 108 (51,1%) do sexo masculino do ensino médio, matriculados em uma escola pública estadual, localizada na cidade do Rio de Janeiro. A maioria dos estudantes eram pardos (n=98, 46,4%), seguidos de negros (n=55, 26,0%) e brancos (n=58, 27,4%). A escola atende majoritariamente alunos de nível socioeconômico médio e baixo (entre 1 e 4 salários-mínimos). Do total de participantes, 69 cursavam o primeiro ano (32,7%), 73 o segundo ano (34,6%) e 69 o terceiro ano (32,7%).
Descrição das Oficinas
No presente estudo, oficinas como proposta de intervenção foram definidas, conforme Fonseca e Amaral (2012), enquanto uma prática de intervenção psicossocial que pode ocorrer em contexto pedagógico, clínico, comunitário ou de política social, caracterizado por um processo estruturado com grupos, visando a elaboração de reflexões, aquisição de conhecimentos individuais e construção coletiva sobre alguns temas abordados. As oficinas foram desenvolvidas no âmbito do Projeto de Desenvolvimento Interpessoal para a Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde Mental ao Longo da Vida (PRODIN), que é um projeto de extensão, em atividade desde 2015 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Seu propósito é fomentar relações interpessoais positivas, contribuindo para a promoção da saúde mental e a prevenção de indicadores de risco associados à maior incidência de suicídio em diferentes fases da vida. O programa oferece uma variedade de atividades, como oficinas, cursos, palestras e intervenções, destinadas tanto a estudantes universitários, docentes e funcionários técnicos-administrativos da universidade, quanto a alunos, professores, coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais e gestores de escolas públicas de ensino básico. A equipe do projeto é composta por alunos de graduação e pós-graduação. Todas as ações do projeto visam mitigar violências interpessoais por meio do desenvolvimento de habilidades sociais (como empatia, assertividade e resolução de problemas) e de habilidades de vida, tais como, lidar com o estresse e fomentar o pensamento crítico entre os participantes e solidariedade. A projeto é embasado na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano e utiliza técnicas da Teoria Cognitivo-Comportamental.
Foram realizadas 11 oficinas com estudantes do 1º ao 3º ano do ensino médio, divididas em três dias. No primeiro dia, foram realizadas oficinas com quatro turmas do 1º ano, no segundo dia, foram implementadas oficinas com quatro turmas do 2º ano e, no terceiro dia, ocorreram oficinas com três turmas do 3º ano. As oficinas foram realizadas nos meses de setembro e outubro de 2023, durante o horário regular de ensino, na mesma sala em que as turmas tinham suas aulas convencionais. A duração média de cada oficina foi de uma hora, sendo conduzidas por 10 graduandos de psicologia (facilitadores), que se dividiram em três ou quatro pessoas por turmas. Todos os facilitadores passaram por treinamento prévio, envolvendo participação de grupo de estudo, com discussões de textos sobre saúde mental, condução de oficinas e atuação em outras atividades de extensão, como grupos psicoeducativos e palestras com estudantes e demais profissionais da educação.
As oficinas seguiram uma estrutura comum, começando com um acolhimento e apresentação dos facilitadores, além da exposição dos objetivos e das regras da atividade, como o respeito ao tempo de fala do outro e a garantia do sigilo. Nesse momento, foi entregue uma cartilha produzida pelos autores, contendo os conteúdos que seriam trabalhados. Na sequência, os temas e objetivos das oficinas foram divididos em quatro partes. A primeira parte apresentou uma introdução sobre a campanha do Setembro Amarelo e discutiu alguns fatores de risco (por exemplo, exposição ao bullying/cyberbullying, depressão e ansiedade) e proteção ao suicídio (por exemplo, autoconhecimento, expressão de emoções, empatia e presença de rede de apoio), promovendo reflexões sobre cuidados com a saúde mental. A segunda parte abordou a qualidade das relações interpessoais para a saúde mental, destacando a necessidade da construção de redes de apoio que transcendam as interações estabelecidas nas redes sociais. Focou no autoconhecimento, na expressão de emoções e na empatia para a manutenção, criação e proteção de relações positivas, além de contribuir para a identificação do sofrimento psicológico em si mesmo e nos outros. A terceira parte tratou das violências interpessoais (bullying e cyberbullying) e suas relações com a saúde mental. Buscou contribuir para a identificação dessas violências, adotar estratégias coletivas para manejar conflitos, ajudar amigos que estejam passando por problemas ou sofrimento e facilitar a formação de laços de solidariedade. Ao final, os participantes foram convidados a fornecer feedback oral e preencher a ficha de avaliação.
As estratégias de ensino incluíram entrega de material didático (cartilha), feedback, exposição dialogada, debates em pequenos grupos a respeito de situações-problema, encenação e discussão coletiva. Por exemplo, na terceira parte da oficina, os estudantes foram divididos em quatro grupos, cada um recebendo uma situação-problema sobre bullying/cyberbullying. Um exemplo de situação-problema foi: "Pedro Henrique (nome fictício) pratica bullying, implicando e perturbando vários alunos da sua turma por diversos motivos. Ele usa xingamentos e até imitações caricatas dos colegas para humilhá-los. Como é maior e mais velho, nenhum de seus colegas o confronta. Hoje ele resolveu implicar justamente com sua amiga, Lúcia, que pintou o cabelo recentemente. Vocês deverão seguir os passos da resolução de problemas para pensar em uma estratégia coletiva de resolver a situação com Pedro Henrique, de modo que ele pare de implicar com Lúcia e com os demais colegas. É importante expressar empatia por Lúcia, acolhendo seus sentimentos e seguir os passos da resolução de problemas, praticando a empatia descrita na cartilha." Após as discussões nos grupos, um deles era convidado a encenar a situação para os demais, seguido por uma discussão geral. Essa estratégia teve por objetivo operacionalizar os conteúdos tratados anteriormente, como identificar uma situação de violência, expressar empatia, manejar conflitos e resolver problemas interpessoais. Além disso, visava produzir reflexões críticas e ações coletivas de enfrentamento das violências presentes no cotidiano escolar.
Instrumentos
Ficha de Avaliação das Oficinas. É um instrumento elaborado para este estudo e adaptado de Mann et al. (2015), com o intuito de investigar as percepções dos alunos que participaram das oficinas sobre a satisfação e a aplicabilidade da atividade em contribuir com relações interpessoais com pares, professores e demais atores da comunidade escolar. Consiste em quatro partes: (1) informações sobre idade, gênero, cor e ano escolar dos estudantes; (2) 18 itens dispostos em uma escala tipo Likert que vai de 0 (Discordo fortemente) a 4 (Concordo fortemente), por exemplo: "Expressar empatia para os colegas que estão passando por sofrimento"; (3) cinco itens, em formato de pergunta fechada que questiona se a oficina foi (1) "útil", (2) "bom para mim", (3) "bom para os alunos em geral", (4) "divertido", (5) "todas as opções acima; (4) duas perguntas abertas, a saber: "Por que você marcou a opção acima"; (2) "O que você gostaria de falar para nós". Este instrumento foi aplicado ao término das oficinas.
Procedimentos
Coleta de Dados. A coleta de dados ocorreu em parceria com uma escola pública, vinculada a uma Universidade Pública. Inicialmente, a direção da escola entrou em contato com a primeira autora para solicitar uma atividade com estudantes do ensino médio, visando a promoção de saúde mental e prevenção do suicídio. Posteriormente, foram realizadas três visitas na escola para conversar com a equipe de acolhimento pedagógico (psicólogas e assistentes sociais) sobre possíveis demandas, temas e agendar as atividades. Na sequência, a primeira autora visitou as salas de aula para apresentar a proposta das oficinas para os estudantes, sendo que àqueles que manifestaram interesse em participar foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e solicitada a assinatura dos seus responsáveis. No dia agendado para a realização das oficinas, os alunos entregaram uma cópia do TCLE para a pesquisadora, que retomou os objetivos do estudo e solicitou que eles assinassem o Termo de Assentimento (TA). O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), CAAE: 49261221.5.0000.5282.
Análise de Dados. As informações coletadas por meio da ficha de avaliação foram analisadas quantitativamente e qualitativamente. As informações referentes à idade, sexo, cor, ao ano escolar dos estudantes, aos 18 itens em escala tipo Likert e aos cinco itens, em formato de pergunta fechada, foram digitadas em um arquivo do Microsoft Excel e seus dados foram analisados por meio de frequências e percentuais. Por fim, as respostas dos estudantes em relação às duas perguntas abertas da ficha de avaliação das oficinas (1- "Por que você marcou a opção acima"; 2- "O que você gostaria de falar para nós", foram digitadas num documento do Microsoft Word. Para analisar qualitativamente as falas dos participantes, foi utilizado o software requalify.ai. Esse recurso é uma ferramenta de inteligência artificial (IA) que utiliza Large Language Models (LLMs) com a estrutura Generative Pre-trained Transformer (GPT) para auxiliar a análise (Martins et al., 2024). O software utiliza a técnica de processamento de linguagem natural (PLN), em conjunto com técnicas clássicas de análise de conteúdo para tratar dados qualitativos (Thirunavukarasu et al., 2023). A estrutura GPT é uma aplicação de IA que gera respostas a partir de comandos inseridos por texto (Thirunavukarasu et al., 2023).
Nesta pesquisa, o arquivo do Microsoft Word com os dados qualitativos foi inserido no requalify.ai, junto com os objetivos das oficinas. A partir disso, o software gerou 14 categorias e subcategorias para a primeira pergunta e 10 categorias e subcategorias para a segunda pergunta. A partir dessa primeira pré-análise, o material gerado pelo software foi investigado pelos pesquisadores por meio da análise temática, com método indutivo e dedutivo de categorização (Braun & Clark, 2006), conforme as seguintes etapas: (a) revisão dos dados e anotação de ideias iniciais para codificação; (b) releitura das falas; (c) criação de temas, que visa compreender o significado subjacente do texto a partir das características do conteúdo que se relacionavam; (d) definição das categorias e subcategorias, identificando novamente se não havia sobreposição de temas. Nesta etapa, categorias e subcategorias geradas pelo software foram agrupadas e refinadas a partir da homogeneidade interna e heterogeneidade externa. Assim, a análise final contemplou um tema, com três categorias e duas subcategorias para a pergunta 1 e três temas, com cinco categorias e quatro subcategorias para a pergunta 2. Todas as etapas foram realizadas a partir de discussões entre os autores.
Resultados e Discussão
O presente trabalho, realizado como parte de um projeto de extensão universitária, analisou as percepções de estudantes do ensino médio em relação à satisfação e à aplicabilidade das atividades desenvolvidas nas oficinas. A necessidade de explorar essa temática surgiu da lacuna na literatura sobre intervenções específicas para a prevenção do suicídio e promoção de saúde mental em adolescentes dentro do ambiente escolar (Baptista et al., 2021; Richardson et al., 2024).
Em relação à avaliação sobre a satisfação com as oficinas (Figura 1), os resultados indicaram que os participantes avaliaram positivamente a atividade, pois a maioria das respostas que receberam percentual de concordância foi "Concordo fortemente" e "Concordo". Os itens como "expressar empatia para os colegas que estão passando por sofrimento (F=666, 38%), "identificar e oferecer ajudar para as pessoas próximas quando elas precisam" (F=658, 37%), "identificar situações que envolvem bullying, cyberbullying e outras formas de violências e discriminação (F=637, 34%)" se destacaram com respostas majoritariamente positivas. Tais achados sugerem que a participação dos estudantes com a oficina pode contribuir para aumentar suas percepções positivas sobre suas habilidades sociais de expressar empatia, acolher amigos em sofrimento e identificar situações de violências interpessoais (Carneiro et al., 2022). Essas competências ajudam os adolescentes a fortalecer suas redes sociais próximas e promover um ambiente mais solidário e seguro, sendo importante para a prevenção de comportamentos de risco e para o fortalecimento do bem-estar dos adolescentes (Leme et al., 2019).
Em contraste, os itens que receberam um menor número de concordância foram "estar mais perto dos adultos da escola" (F=387, 12%), "buscar ajuda dos professores" (F=454, 14%) e "aprender a lidar com estresse" (F=484, 13%), sinalizando áreas de menor satisfação relativa ou percepções variadas entre os alunos. Esses itens com menores frequências de concordância indicam desafios em habilidades sociais relacionadas com figuras de autoridade e à regulação emocional. Assim, as percepções dos estudantes sugerem lacunas na habilidade de comunicação e construção de confiança com adultos da escola, podendo ser prejudiciais para a saúde mental dos adolescentes (Carneiro & Araújo, 2022). Portanto, os resultados demonstraram que há aspectos das interações sociais que precisam ser focalizados em futuras ações, especialmente aquelas relacionadas à proximidade dos estudantes com adultos na escola e lidar com o estresse.
De fato, as violências interpessoais são fontes de risco para o comportamento suicida, em que a escola pode auxiliar na prevenção dessas (Baptista et al., 2021; Richardson et al., 2024). Segundo Sganzerla (2021), ações preventivas para o suicídio no contexto escolar devem contemplar toda a comunidade, tais como estudantes e suas famílias, professores, diretores e a equipe de psicólogos. Nesse sentido, o professor por ter convívio diário com os estudantes tem um papel muito importante na identificação e encaminhamento de situações de violências, devendo ser alvo de formações para a prevenção do suicídio.
Figura 1
Avaliação da Satisfação com as Oficinas em Porcentagem

Sobre a avaliação da utilidade de modo global das oficinas, o item "Bom para os alunos em geral" (n=64, 31,3%) teve o maior percentual de respostas. Esse achado indica que a maioria dos participantes considerou que a oficina foi benéfica para o grupo como um todo, promovendo relações interpessoais positivas e um ambiente mais colaborativo, fortalecendo o senso de pertencimento e apoio entre os alunos, um aspecto essencial para a eficácia das estratégias de prevenção ao suicídio (Ribeiro & Melo, 2018; Sganzerla, 2021). Os demais itens frequentes, em ordem decrescente foram: "Todas as opções" (n=64, 30,3%); "Útil" (n=39, 18,5%); "Divertido" (n=18, 8,5%); "Bom para mim" (n=14, 6,6%); "Sem resposta" (n=10, 4,7%). Esses resultados evidenciaram uma percepção majoritariamente positiva dos participantes, corroborando a funcionalidade de que oficinas implantadas em contexto escolar podem ser uma parte eficaz de estratégias de prevenção de suicídio em adolescentes (Baptista et al., 2022; Sganzerla, 2021).
No que diz respeitos aos resultados sobre a aplicabilidade das oficinas, a Figura 2 apresenta os resultados da pergunta "Por que você marcou a opção acima?", que compõe a análise qualitativa, realizada com suporte do software requalify.ai. O tema "Benefícios atribuídos à realização da atividade" contemplou 192 segmentos de texto, que expressavam como ideia central a promoção de espaços de diálogo que fomentem relações saudáveis na comunidade escolar. Esse tema gerou três categorias, analisadas a seguir.
(1) Necessidade de discussões e promoção de saúde mental na escola, que abordou o reconhecimento dos estudantes sobre a importância de discutir sentimentos e emoções, construir redes de apoio e dialogar sobre saúde mental no contexto escolar (por exemplo: "Porque é um assunto muito importante e que tem que ter mais visibilidade, e um lugar bom para esse começo é a escola"; "Acho que todos passam por situações que guardam e não falam sobre, então foi importante tocar nos assuntos"). As percepções dos estudantes nessa categoria expressam que a escola é um espaço essencial para tratar sobre sofrimento mental, que muitas vezes pode levar ao suicídio. Ainda indicou que muitas vezes os alunos têm dificuldades em expressar seus problemas. Portanto, alinhadas às pesquisas prévias, as informações dessa categoria evidenciam a necessidade de criar espaços seguros nas escolas para que os estudantes possam expressar suas emoções e experiências (Baptista et al., 2022; Leme et al., 2019).
(2) Utilidade da conversa em grupo, que destacou a pertinência dessa prática metodológica para a troca de experiências vividas na escola (por exemplo: "Porque eu sempre acho essencial falar sobre nossos problemas para achar uma solução para eles"; "Porque é importante discutir isso em coletivo"). Essa categoria enfatizou a importância de compartilhar problemas e buscar soluções coletivas, valorizando a discussão em grupo para promover o entendimento e apoio mútuo. Essas percepções podem ter sido promovidas a partir das discussões em grupos das situações-problemas, guiadas pelas habilidades de resolução de problemas apresentadas na terceira parte das oficinas. Assim, essa estratégia de ensino por meio de conversas em grupo foi eficiente e permitiu que os estudantes se sentissem compreendidos, facilitando o desenvolvimento também de empatia e solidariedade entre eles.
(3) Impactos da oficina, com a maior frequência de respostas, se desdobrou em duas subcategorias: (a) Na promoção de relações saudáveis e compreensão de si, que se referiu a influência positiva da oficina na percepção dos alunos sobre a relação com os colegas (por exemplo: "Com essa oficina, posso entender melhor como lidar com os meus problemas e ajudar as pessoas"; "Porque esse tipo de discussão traz reflexões muito boas para os alunos em sala, tanto sobre si mesmos quanto sobre os outros"); (b) Nas atitudes e comportamentos dos alunos, que ressaltou a importância da oficina como facilitadora da reflexão sobre atitudes e comportamentos, do entendimento mútuo e da resolução de conflitos interpessoais, de modo a promover um ambiente escolar acolhedor (por exemplo: "Foi útil porque vai me ajudar a reconhecer certas situações de bullying que eu não reconheceria antes"; "Pois creio que orientou os alunos sobre como agir em uma situação desconfortável e como ajudar o próximo").
Na primeira subcategoria, os alunos reconheceram que as oficinas os ajudaram a desenvolver habilidades de resolução de problemas, apoio aos colegas, além de gerar reflexões sobre as relações interpessoais e o autoconhecimento. Em sentido complementar, a segunda subcategoria demonstrou que as oficinas contribuíram para orientações práticas sobre como lidar com conflitos e ajudar os colegas. Tais achados corroboram outras pesquisas que indicam efeitos positivos individuais, com ganho em autoconhecimento, e coletivos, promovendo relações saudáveis e um ambiente escolar positivo e solidário, após o desenvolvimento de habilidades sociais (Harume & Galvani, 2023; Tallamini et al., 2022). Portanto, a promoção da saúde mental nas escolas por meio de oficinas ajuda os alunos a entenderem e lidarem melhor com suas próprias emoções.
Figura 2.
Análise Temática da Pergunta "Por que Você Marcou a Opção Acima?"

A análise da pergunta "O que você gostaria de falar para nós?", resultou na Figura 3, que compõe a análise qualitativa realizada com suporte do software requalify.ai. Foram gerados três temas: (1) "Avaliações positivas", com 113 segmentos de texto (74,84%); (2) "Avaliações negativas", com 26 segmentos (17,21%); (3) "Bem-estar e saúde mental dos estudantes", com 12 segmentos (7,95%). Em seu conjunto, os temas apresentaram como ideia central o reconhecimento da importância da promoção da saúde mental dos alunos, do desenvolvimento de habilidades sociais e da construção de redes de apoio.
O tema "Avaliações positivas", com a maior frequência de respostas, se ramificou em duas categorias: (1) "Reconhecimento da importância das oficinas", na qual os alunos destacam a relevância da atividade para discussão de temas como empatia e prevenção ao suicídio (por exemplo, "Continuem com esse projeto, pois é extremamente importante trazer essa questão à tona para que se possa ajudar cada vez mais as pessoas e, obviamente, conscientizá-las"; "Acho que oficinas como essas são de extrema relevância, pois apresentam um olhar empático para nós"). Bezerra e Galvão (2024) encontraram que a empatia em adolescentes favorece a disposição para ajudar pessoas em risco de suicídio. Portanto, a empatia juntamente com outras habilidades trabalhadas nas oficinas favoreceu um espaço de aprendizado e uma oportunidade para desenvolver comportamentos importantes para a saúde mental dos estudantes.
(2) "Feedbacks positivos e sugestões". Esta última dividiu-se em duas subcategorias: A primeira, (a) "Para os facilitadores", que se refere a segmentos de texto onde os adolescentes expressam gratidão, apoio e encorajamento para que atividades semelhantes continuem sendo feitas (por exemplo, "Achei a proposta legal, também achei que os estudantes de psicologia foram muito cuidadosos ao conversar conosco, o que possibilitou uma conversa mais profunda e especial"; "Que vocês foram incríveis do início ao fim, aprendemos sobre empatia ao próximo e foi bem legal falar com vocês sobre isso"). As percepções nessa subcategoria sinalizaram que os facilitadores conseguiram criar de um ambiente seguro e acolhedor, onde os alunos se sentiram à vontade para explorar e discutir temas importantes. É importante que os adolescentes possam confiar em adultos presentes no contexto escolar, para encaminhar circunstâncias que transcendem suas capacidades de lidar com situações desafiadoras e causadoras de sofrimento (Bezarra & Galvão, 2024; Sganzerla et al., 2021).
A segunda subcategoria sobre "Feedbacks positivos e sugestões", (b) "Para melhorias escolares", que aborda especialmente a necessidade de mudanças na carga horária escolar, indicando que isso poderia contribuir tanto para o desempenho acadêmico quanto para o bem-estar psicológico dos estudantes (por exemplo, "Embora projetos assim possam ajudar as pessoas em geral, não basta apenas uma aula de 50 minutos sobre isso"; "Acho esse tipo de atividade bastante necessária e na minha opinião deveria ocorrer bem mais na escola. Porque, por mais que a escola frequentemente diga que saúde mental importa, não sinto esse cuidado vindo dela frequentemente"). Os exemplos de falas demonstraram uma percepção de insuficiência nas atuais práticas escolares em relação à promoção da saúde mental dos estudantes. Notou-se uma crítica ao tempo limitado dedicado às atividades com essa finalidade e uma inconsistência nas práticas escolares. Essa desconexão entre o discurso e a prática pode levar à desconfiança e ao sentimento de desamparo entre os alunos. Pesquisas indicam que é preciso haver ações contínuas e integradas de saúde mental no ambiente escolar (Richardson et al., 2024; Sganzerla, 2021).
O tema "Avaliações negativas" resultou nas categorias "Feedback negativo das atividades" e "Sugestões para melhorias nas oficinas". A primeira refere-se às percepções dos alunos em relação à dinâmica da atividade, o que indica a necessidade de ajustes na condução das oficinas (por exemplo, "Não acho que dinâmicas assim vão ajudar, mas foi divertido"; "Eu não me senti totalmente confortável para falar sobre meus problemas, mas a oficina me ajudou a pensar sobre eles"). As falas presentes nessa categoria evidenciam que, apesar de as atividades apreciadas pelos estudantes, elas podem não ter atingido plenamente seus objetivos psicoeducativos. Também pode sugerir uma desconexão entre a metodologia empregada nas oficinas e as expectativas ou necessidades dos alunos.
A segunda categoria abrange as sugestões de melhorias para as oficinas, como aumento dos momentos de interação e abordagem de temas como racismo (por exemplo, "Gostei muito da oficina e seria bom abordar outros assuntos que afetam a saúde mental do que só os mais comentados como bullying, depressão e ansiedade. E trazer assuntos sobre gênero, raça e sexualidade, dentro da saúde mental"; "Acredito que talvez uma roda de conversa que acolha os alunos que se expressarem funcionaria melhor"). As informações dessa categoria sugerem que os estudantes preferem formatos que promovam maior participação e expressão pessoal. Somado a isso, os alunos chamam a atenção para a interseccionalidade e a importância de discutir como diferentes fatores sociais e culturais que impactam a saúde mental (Richardson et al., 2024). Desse modo, os dados de ambas as categorias oferecem bases para a estruturação de futuros projetos e evidenciam a importância da avaliação dos participantes para aperfeiçoamento contínuo das atividades. Futuras ações poderão incluir dinâmicas e a utilização de recursos, como vídeos e músicas que facilitem um ambiente mais inclusivo, onde os alunos se sintam mais à vontade para compartilhar e discutir suas experiências.
Por fim, o tema "Bem-estar e saúde mental dos estudantes", gerou a categoria "Experiências de inclusão e exclusão dos alunos", que se dividiu nas subcategorias: (a) "Inclusão", que abrange a pertinência da construção de redes de apoio dentro do contexto escolar (por exemplo, "Acho que na escola a maior rede de apoio são nossos amigos, já que passamos o dia todo aqui e passamos pelas mesmas situações. São eles que nos tornam mais fortes"; "Essa escola é a melhor coisa que aconteceu na minha vida"); (b) "Exclusão", que aborda vivências de solidão, vitimização de bullying e carência de espaços de discussão sobre saúde mental (por exemplo, "Eu não me sinto incluída e respeitada da forma que sou, mas acredito que as pessoas não percebam isso, mas isso é bom, pois os colegas não ajudariam"; "A escola se tornou um vazio, sinto que tenho laços, mas eles não se estendem para fora. Sinto que vivo na falsidade, que não consigo ser realmente eu e que não tenho amigos próximos na minha turma, só poucos. Se pudesse, queria que tudo acabasse logo. Queria/quero começar de novo e apenas selecionar poucas memórias como lembrança").
Alinhado a estudos prévios, o último tema traz categorias que identificam a escola como um espaço protetivo, mas também um local onde há (re)produção de violências presentes na sociedade em geral. Enquanto fator de proteção, a escola fornece a percepção de que os amigos de classe desempenham um papel importante no suporte socioemocional entre pares. A escola, sendo um lugar onde os estudantes passam grande parte de seu tempo, torna-se um espaço propício para o desenvolvimento de laços de amizade que podem atuar como redes de apoio fundamentais. Quando os alunos se sentem valorizados e apoiados, observa-se aumento no bem-estar, o que mostra que um ambiente escolar inclusivo pode ter um impacto positivo na vida dos estudantes (Carneiro & Araujo de Lima, 2022; Harume & Galvani, 2023). Enquanto espaço de exclusão, a escola é um local de experiências de solidão, vitimização de bullying, falta de conexões significativas e de espaços adequados para discutir saúde mental. Esse sentimento de exclusão pode levar a um agravamento dos problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, especialmente quando os alunos sentem que não têm com quem conversar e suas experiências não são validadas. Desse modo, é preciso intensificar ações na escola para promoção de saúde mental dos alunos, para prevenir possíveis desfechos desfavoráveis como automutilação e suicídio (Sganzerla, 2021).
Figura 3.
Análise Temática da Pergunta "O que Você Gostaria de Falar para Nós?"

Considerações Finais
Os achados do presente estudo corroboram pesquisas anteriores, que destacam a importância de oficinas em contextos educativos para melhorar relações interpessoais e promover saúde mental, prevenindo comportamentos suicidas. As oficinas proporcionaram um espaço significativo para expressão emocional e apoio mútuo, facilitando a construção de um ambiente mais empático e solidário. Os resultados indicaram uma recepção majoritariamente positiva dos alunos em relação às oficinas, refletindo a valorização do conteúdo e da abordagem das atividades. A maioria dos participantes considerou as oficinas benéficas para o grupo como um todo, demonstraram valorizar o conteúdo e a abordagem das oficinas e expressaram gratidão em relação aos facilitadores, promovendo interações positivas e um ambiente mais colaborativo, o que é evidenciado pela literatura como um dispositivo na prevenção da morte por suicídio. Além disso, os alunos relataram que necessitam de atividades semelhantes às oficinas na escola, dando destaque a geração de redes de apoio no ambiente escolar.
Apesar dos resultados positivos, este estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, o tempo disponível para a realização das oficinas foi relativamente curto, 1 hora. Estudos futuros devem considerar um período mais longo de intervenção, entre 1 hora e meia e 2 horas e realizar avaliação de follow-up para avaliar o impacto a longo prazo e a sustentabilidade dessas oficinas. Outra limitação foi a quantidade de temas abordados nas oficinas, visto que a inclusão de outros tópicos poderia enriquecer ainda mais as discussões, tais como racismo, gênero e sexualidade, reconhecendo a complexidade e a interseccionalidade das questões de saúde mental. Segundo os alunos, a ampliação dos momentos de interação foi sugerida, assim, é importante implementar atividades com maior participação e expressão pessoal. Terceiro, notou-se respostas negativas e dificuldades dos participantes em se expressar, sugerindo que outras estratégias de ensino e técnicas poderiam ser implementadas em futuras oficinas, como uso de desenhos e caixinhas para se inserir bilhetes anônimos sobre pensamentos, emoções e sentimentos sobre as temáticas. Finalmente, a relação entre alunos e professores foi percebida como distante, indicando a necessidade de fortalecer esse vínculo. Foram encontradas lacunas na habilidade de comunicação e construção de confiança com adultos, o que pode ocasionar problemas na integração dos alunos com a escola gerando um fator de risco no ambiente escolar. Futuros estudos devem explorar estratégias para melhorar a comunicação e a confiança entre estudantes e figuras de autoridade no ambiente escolar, promovendo uma integração mais efetiva e benéfica para a saúde mental dos jovens. Isso pode ser alcançado por meio de ações realizadas com os professores e demais membros da equipe diretiva da escola. Em suma, este estudo reforça a importância da continuidade e a expansão dessas atividades para a construção de comunidades escolares mais diversas e inclusivas.
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Endereço para correspondência
Vanessa Barbosa Romera Leme - vanessaromera@gmail.com
Recebido em: 29/07/2024
Aceito em: 05/12/2024
Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pelo auxílio Programa de apoio à jovem cientista mulher com vínculo em ICTS do Estado do RJ - 2023, (FAPERJ, No. Processo -E-26/210.011/2024).
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