Estudos e Pesquisas em Psicologia
2025, Vol. 25. e85202, doi:10.12957/epp.2025.85202
ISSN 1808-4281 (online version)
PSICOLOGIA SOCIAL
Discriminações na Educação Superior: Vivências de Docentes e Estudantes de uma Instituição Pública
Discrimination in Higher Education: Experiences of Teachers and Students at a Public Institution
Discriminación en la Enseñanza Superior: Experiencias de Profesores y Estudiantes en una Institución Pública
Maria Aparecida Alves Sobreira Carvalho a, Verônica Morais Ximenes b
a Instituto Federal da Paraíba, Sousa, PB, Brasil
b Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
O perfil dos estudantes da Educação Superior mudou a partir das políticas que ampliaram o acesso de pobres, pretos, quilombolas e com deficiência. Considerando a herança elitista deste nível de ensino e os desafios da sua democratização, temos como objetivo compreender os processos de discriminação vivenciados por docentes e estudantes da Educação Superior de um Instituto Federal do Nordeste brasileiro. Participaram da pesquisa 60 docentes, 211 estudantes e 5 gestores em uma metodologia mista. A fase quantitativa utilizou um questionário online, analisado pelo software Statistical Product and Service Solutions 21.0, e na fase qualitativa foram realizados grupos focais e diários de campo, analisados pela hermenêutica crítica, com o suporte do software Atlas.ti. Os resultados indicaram que 70% dos docentes e 88,6% dos estudantes passaram por discriminação, decorrente do nível econômico, da imagem corporal e do gênero, principalmente casos de assédio, marcados pelo silêncio e vergonha. A cor/raça como motivo de discriminação foi pouco referida, apesar do grande número de pardos entre os participantes, invisibilizando o seu impacto na subjetividade. Destacamos a necessidade de uma política de formação docente continuada para a Educação Superior que promova o letramento em Direitos Humanos, contribuindo para o enfrentamento das desigualdades e opressões.
Palavras-chave: ensino superior, discriminação social, estudantes universitários, professores.
ABSTRACT
The profile of students in Higher Education has changed as a result of policies that have increased access for the poor, the black community, quilombolas and people with disabilities. Considering the elitist heritage of this level of education and the challenges of democratizing it, our aim is to understand the processes of discrimination experienced by teachers and students in Higher Education at a Federal Institute in Northeastern Brazil. In total, 60 teachers, 211 students and 5 managers took part in the research using a mixed methodology. The quantitative phase used an online questionnaire, analyzed using the Statistical Product and Service Solutions 21.0 software, and the qualitative phase involved focus groups and field diaries, which were analyzed using critical hermeneutics, with the support of the Atlas.ti software. The results indicated that 70% of teachers and 88.6% of students had experienced discrimination due to their economic status, body image and gender, especially cases of harassment, marked by silence and shame. Color/race as a reason for discrimination was barely mentioned, despite the large number of brown people among the participants, making its impact on subjectivity invisible. We highlight the need for a policy of continuing teacher training for Higher Education that promotes literacy in Human Rights, contributing to tackling inequalities and oppression.
Keywords: higher education, social discrimination, university students, teachers.
RESUMEN
El perfil de los estudiantes de Enseñanza Superior ha cambiado como resultado de políticas que ampliaron el acceso de estudiantes pobres, negros, quilombolas y discapacitados. Considerando la herencia elitista de este nivel de enseñanza y los desafíos que plantea su democratización, nuestro objetivo es comprender los procesos de discriminación experimentados por profesores y estudiantes de enseñanza superior en un Instituto Federal del Nordeste de Brasil. Participaron en la investigación 60 profesores, 211 estudiantes y 5 gestores, utilizando una metodología mixta. En la fase cuantitativa se utilizó un cuestionario en línea, analizado mediante el programa Statistical Product and Service Solutions 21.0, y en la fase cualitativa se realizaron grupos de discusión y diarios de campo, analizados mediante hermenéutica crítica, con el apoyo del programa Atlas.ti. Los resultados indicaron que el 70% de los profesores y el 88,6% de los alumnos habían sufrido discriminación por su situación económica, imagen corporal y de género, especialmente casos de acoso, marcados por el silencio y la vergüenza. El color/raza como motivo de discriminación apenas se mencionó, a pesar del gran número de personas morenas entre los participantes, lo que hace invisible su impacto en la subjetividad. Insistimos en la necesidad de una política de formación continua del profesorado de Enseñanza Superior que promueva la alfabetización en Derechos Humanos, contribuyendo al enfrentamento de las desigualdades y la opresión.
Palabras clave: enseñanza superior, discriminación social, estudiantes universitarios, profesores.
A Educação Superior tem sofrido transformações importantes a partir de uma política de ações afirmativas, desde 2003, com a criação do Programa Universidade para Todos (Prouni), com o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), com a modificação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), com a plataforma digital Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e com a Lei de Cotas, dentre outras ações. Essa política favoreceu o aumento do número de instituições educacionais de nível superior, de cursos ofertados, bem como a ampliação do acesso de estudantes. De acordo com o Censo da Educação Superior 2023 (Instituto Nacional de Educação Superior, 2024), o Prouni e Fies também favoreceram o aumento da taxa de conclusão de estudantes cotistas, de 2014 a 2023, em 10 %, taxa maior do que a de não cotistas.
Um novo perfil de estudantes, antes excluído desse nível de ensino, começa a ter acesso, como negros, pardos, quilombolas, indígenas aldeados, pobres e com deficiência (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, 2019), criando uma oportunidade de mobilidade social para aqueles de primeira geração, isto é, os primeiros sujeitos a cursar o nível superior dentre seus familiares (Caregnato & Miorando, 2023). Porém, essa mudança na configuração do corpo discente não garantiu uma efetiva democratização do ensino superior quando as instituições ainda reproduzem o pensamento da ciência positiva, a pedagogia tradicional e a visão elitista do ensino, sendo esses elencados em uma perspectiva arraigada na cultura do nosso país há mais de 300 anos (Cunha, 2018). Nesse sentido, aborda uma colonialidade que afeta as estruturas e as mentes, impondo um pensamento único e monocultural (Quijano, 2005), em relações que favorecem a discriminação de determinados grupos sociais.
A discriminação representa o tratamento injusto, podendo ocorrer de forma mais aberta e ofensiva ou camuflada, como rejeição pessoal, de depreciação da pessoa (Williams et al., 1997). Para Allport (1979), a discriminação faz parte de um comportamento preconceituoso, em que estereótipos negativos favorecem várias violências como a evitação de contato, as oportunidades de participação, os insultos, o impedimento do acesso a bens e serviços ou agressões físicas. As situações de discriminação estão presentes no cotidiano e se tornam rotineiras, muitas vezes invisibilizadas por acontecerem de forma sistemática (Williams et al., 1997), atingindo a formação do autoconceito pelo impacto negativo na autoimagem e autoestima (Siqueira & Cardoso Júnior, 2011), diminuindo na Educação Superior a qualidade das relações, o desempenho e o sentimento de pertencimento ao meio acadêmico (Abreu & Ximenes, 2021). Reconhecendo que a discriminação reproduz situações injustas que desumanizam e negam a vida do outro, temos como objetivo, neste artigo, compreender os processos de discriminação vivenciados por docentes e estudantes da Educação Superior do Instituto Federal da Paraíba - Campus Sousa (IFPB-Sousa).
Método
Foi desenvolvido um trabalho de metodologia mista com triangulação de dados qualitativos e quantitativos (Minayo et al., 2005), realizada no Instituto Federal da Paraíba, localizado no município de Sousa, oriundo de uma Escola Agrotécnica, com história ligada à cursos técnicos de Ensino Médio, passando a oferecer cursos superiores após a ifetização (Brasil, 2008). A pesquisa se iniciou com a coleta de dados quantitativos, seguindo para a etapa qualitativa após aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, CAAE no. 388228 20.4. 0000. 5054. As duas fases foram realizadas de forma remota, em virtude do isolamento social decorrente da pandemia da Coronavirus disease, a COVID-19.
Participantes
Da etapa quantitativa participaram 60 docentes e 211 estudantes da Educação Superior. Foram incluídos os docentes que eram servidores efetivos e ministravam disciplinas na Educação Superior há, no mínimo, um ano, e estudantes matriculados em algum curso da graduação na instituição. O perfil dos docentes pesquisados lista adultos jovens, com mediana de 38 anos, com pouca diferença entre os sexos (feminino 51,73%; masculino 48,3%) e cor/raça branca e parda (branca 48,3%, parda 45%, preta 6,7 %), considerando que as pessoas negras incluem pretas e pardas. Esses são graduados, em sua maioria, na área do conhecimento das Ciências Agrárias (41,7 %) e Ciências Exatas e da Terra (21,7%), com maioria de licenciados (53,3%) e a quase totalidade com pós-graduação stricto sensu (96,7%). O perfil dos(das) estudantes especifica uma maior participação de jovens e adultos jovens (Md = 22, DP= 6,70), com maior percentual do sexo feminino (57,3%), raça/cor parda e preta (64,9%), ingressantes, em sua maioria, pelas cotas (60,7%), sendo a primeira pessoa da família a ter acesso a esse nível de ensino um total de 38,9% (n=82).
A segunda etapa, a coleta de dados qualitativos, envolveu cinco gestores(as) e 13 docentes que ministravam disciplinas relacionadas ao conteúdo de Direitos Humanos ou envolviam-se em ações relacionadas à temática, ou eram coordenadores(as) de curso. No grupo de gestores, 4 foram pessoas do sexo feminino, com graduação na área de Educação e tempo de serviço no IFPB - Sousa entre 6 e 12 anos. No grupo de docentes, foram 6 participantes do sexo masculino e 7 do sexo feminino, com tempo de serviço no IFPB - Sousa entre 1 e 12 anos e 6 com curso de licenciatura.
Instrumentos
Na etapa quantitativa utilizamos um questionário online que identificou o perfil dos participantes e as discriminações vivenciadas. Faz parte do questionário a Escala de Discriminação Cotidiana - EDC (Williams et al., 1997), adaptada ao contexto brasileiro (Abreu et al., 2022), composta por 11 itens, em que as respostas variavam de 0 (Nunca) a 5 (Quase sempre/Quase todos os dias), demonstrando a frequência da discriminação. Para a etapa qualitativa foram realizados 4 grupos focais online, sendo um grupo com gestores e três com docentes.
Análise dos Dados
Nesta etapa, a análise foi realizada com o suporte do software Statistical Product and Service Solutions (SPSS) 21.0 para obtenção e avaliação de frequências descritivas e Teste t de Student (Student's t-test) para amostras independentes; bem como análise de covariância (ANCOVA) para avaliar a diferença entre grupos. Os dados qualitativos, provenientes dos grupos focais, foram transcritos e analisados pela hermenêutica crítica (Minayo et al., 2005), com o suporte do software Atlas.ti. Para garantir o anonimato, identificamos na análise de dados apenas a função exercida (Gestor ou Docente) e o número do grupo focal. O material foi lido, repetidas vezes, de forma minuciosa, destacando frases e fragmentos de texto que foram interpretados a partir de duas categorias: a discriminação sofrida e motivos para ser discriminado.
Resultados e Discussão
A Discriminação Sofrida
Para avaliar se o instrumento escolhido para medir a discriminação era confiável para o contexto pesquisado, com boas qualidades psicométricas, foi analisada a validade estrutural da EDC por meio da Análise Fatorial Exploratória - AFE, com 229 participantes, 42 docentes e 187 estudantes. Foram excluídos 42 participantes (15,5%), que nunca ou raramente perceberam alguma situação de discriminação, seguindo a recomendação de Freitas et al. (2015) e Abreu et al. (2022) por estarem, possivelmente, em maior condição de privilégio, que não reconhecem ter passado por discriminação, sendo 30% (n=18) do total de docentes e 11,37% (n=24) da totalidade de estudantes. A análise de confiabilidade da escala resultou no Alfa de Cronbach de 0,84, os testes de esfericidade de Bartlett (1062,2, gl =55; p <0,001) e KMO (0, 80). A análise Paralela de Timmerman e Lorenzo-Seva (2011), sugeriu uma estrutura unifatorial como sendo a mais adequada para representar os dados. Neste sentido, os(as) docentes e estudantes do IFPB - Sousa não fazem separação entre a discriminação mais sutil e a discriminação direta, mais ofensiva.
A média de discriminação entre docentes e estudantes é de 1,33 (DP= 0,79, Min.= 0, 18 e Máx. = 4,27), o que é considerado baixo, em termos estatísticos. Porém, o grande número de pessoas que passaram por situações de discriminação em algum momento de sua vida, 70% dos(das) docentes (n=42) e 88,6% (n=187) dos(das) estudantes, demonstra como tem se tornado corriqueira essa vivência de desqualificação. A experiência de discriminação que afeta os estudantes do IFPB - Sousa apresenta um percentual similar ao encontrado na pesquisa de Abreu et al. (2022), com estudantes do Ensino Fundamental e universitários de instituições públicas brasileiras, de 90,8%.
Analisando a diferença entre os grupos (docentes; estudantes), o teste t de Student, para amostras independentes, demonstrou que, em média, os(as) estudantes sofrem mais discriminação do que os(as) docentes, com tamanho de efeito dessa diferença considerado médio (d de Cohen = 0,65). Os(as) docentes do IFPB - Sousa ocupam uma identidade social dominante, sendo em sua maioria heterossexuais e católicos, com melhores condições financeiras para acesso a bens e serviços por serem professores efetivos da Rede Federal de Educação, com pós-graduação, em um contexto de empobrecimento e desigualdade social que caracteriza o sertão paraibano.
Dentre os 11 itens da EDC, cinco apresentam diferenças estatisticamente significativas entre esses grupos, demonstrando a extensão da discriminação vivenciada. No item 1 (as pessoas insultam você), uma forma mais explícita de violência, demonstra que os estudantes sofrem mais discriminação, quando comparados com docentes, com tamanho de efeito dessa diferença considerado alto (d de Cohen = 0, 82). Também sofrem uma discriminação mais camuflada, de representação negativa mais sutil, dado obtido por meio do item 2 (as pessoas agem como se pensassem que você não é inteligente), com tamanho de efeito dessa diferença entre os grupos considerado médio (d de Cohen= 0,62). Esse item sugere uma discriminação por desempenho, muitas vezes naturalizando uma ideologia do mérito, em uma lógica de competição.
Os(as) estudantes também sofrem mais discriminação, como demonstra o item 3 (você é tratado/a com menos simpatia do que as outras pessoas), com tamanho de efeito dessa diferença entre os grupos considerado pequeno (d de Cohen = 0,39); o item 6 (as pessoas agem como se houvesse algo de errado com você), com tamanho de efeito dessa diferença entre os grupos considerado médio (d de Cohen=0,51); e o item 11 (as pessoas tratam você de forma negativa por acharem que você parece com uma pessoa do sexo oposto), com tamanho de efeito dessa diferença entre os grupos considerado pequeno (d de Cohen = 0,34).
Motivos para ser Discriminado
Nos resultados da pesquisa, um total de 42 docentes (70%) e 187 estudantes (88,6 %) apresentou um motivo de discriminação, mesmo que ocorresse de forma rara (menos de uma vez por ano). Esse sofrimento afetou diretamente a vida dos participantes da pesquisa, em sua maioria (75,6% docentes; 72,1% estudantes), em seguida amigos próximos (14,6% docentes; 17,5% estudantes) e depois as suas famílias (9,8% docentes; 10,4% estudantes). Um total de 71, 83% (n=181) participantes apresenta mais de um motivo para a discriminação, mostrando a intersecção de discriminações que potencializam o sofrimento de determinados grupos sociais.
O nível econômico é o maior motivo de discriminação (22% docentes; 40% estudantes), que associamos ao motivo da pessoa ser da zona rural (0,5% docentes; 19% estudantes), em um processo de desvalorização cultural que se vincula à pobreza, reforçando a segregação de grupos historicamente desfavorecidos que passam a ter acesso à educação de nível superior. Para Abreu e Ximenes (2021), os estereótipos decorrentes da situação de pobreza, de ser cotista, do local de origem e do rendimento acadêmico, afetam a permanência dos estudantes na Educação Superior, abalando o sentimento de fazer parte e se desenvolver com competência nesse nível de ensino.
Apesar da situação econômica ser o motivo mais referido na etapa quantitativa, esse tema não apareceu nos grupos focais, sendo isso caracterizado por Souza (2021) como uma miopia produzida pela sociedade brasileira por meio da indústria cultural e de uma pregação supostamente científica, para criar uma indiferença ao sofrimento e naturalização das desigualdades, atingindo a maior parte dos intelectuais e pessoas comuns.
Os motivos que se vinculam à imagem corporal foram amplamente referidos, como o peso (0,8% docentes; 29% estudantes), outros aspectos da aparência física (15% docentes; 25,6% estudantes), altura (0,5% docentes; 17% estudantes), a idade (10% docentes; 13% estudantes) e a condição ou problema físico (0,2% docentes; 0,2% estudantes). Em uma sociedade que celebra o corpo "normal", saudável e belo, a corporeidade ocupa lugar central em que o preconceito, "impede de obter o desempenho social e cultural considerado desejável e legítimo" segundo Marinho (2021, p. 262), dificultando a participação dos indivíduos em práticas sociais e culturais valorizadas socialmente. Essas discriminações, muitas vezes, são interpretadas como "naturais" em relações de dominação, que, ao aparecerem em sala de aula, precisam de intervenção pedagógica, nem sempre percebidas pelos(as) docentes. Vejamos o fragmento de relato do Docente 9 (GF 3): "[…] aqui tem muito preconceito em relação a imagem corporal, as habilidades. Dependendo de uma aula prática, instantaneamente, assim, é dividido em grupos daqueles mais habilidosos com aqueles que já não são habilidosos, né? E infelizmente, é algo natural". Nesta pesquisa, a imagem corporal foi o segundo motivo mais citado, como causa de discriminação, dado diferente dos achados de Abreu et al. (2022), selecionando a aparência física como principal motivo de discriminação, seguido pelo nível socioeconômico.
Outros motivos de discriminação foram referidos por 17,85% dos(das) docentes e estudantes, como a forma de vestir, não querer ser mãe, estar em um segundo casamento, ser envergonhado ou introvertido. Consideramos que a forma de se vestir relaciona-se com o preconceito econômico, ser mãe e estar em um segundo casamento, referido por mulheres, relaciona-se com a desigualdade de gênero. Os sentimentos de vergonha e introversão só poderiam ser compreendidos em uma análise qualitativa dos dados.
A raça ou etnia como motivo de discriminação foi referida por poucos docentes (6,7%) e estudantes (15,6%), sendo demonstrado pela análise de covariância (ANCOVA), que a cor autodeclarada (branca, não branca) não tinha efeito significativo no modelo (F (2, 268) = 0,21, p > 0,05; η 2 = 0,001), quando controlado pela categoria (docentes e estudantes). Nos grupos focais, o tema aparece pela marca da invisibilidade do corpo dos(das) estudantes, como destaca a Docente 12 (GF 4): "[…] a presença de alunos negros na sala não é uma presença que se mostra consciente. Então, a maioria deles está ali, né? Ocupa aquele corpo preto, mas eles não, não é algo de que eles têm consciência" e do Docente 7 (GF 3): "[…] se eu morresse aqui pelo racismo, não ia dar em nada, algum ou outro ia lamentar, no dia seguinte iriam seguindo sua vida normal. Então é um sentimento que você não tem apoio, de desamparo quase que absoluto".
Quando poucos docentes e estudantes não enxergam o racismo é sinal de que esta discriminação impactou as suas subjetividades, diminuindo o incômodo gerado pelo sofrimento e violência contra o outro por meio de justificativas racionais, chegando a considerar normal e natural a distinção entre brancos e não brancos (Almeida, 2020). Nesse sentido, torna-se normal olhar cotidianamente pessoas negras em trabalhos precários e insalubres, em presídios, fora da educação de nível superior, em trabalhos domésticos, sem se importarem ou se indignarem pela injustiça. Mascarado por discriminações institucionais e relações de cordialidade, o racismo opera em várias dimensões da vida cotidiana, como denunciado pelo Docente 7 (GF 3): "[…] a minha proposta era fazer o doutorado sanduíche em Angola, mas quando eu cheguei na universidade, não tinha bolsa, viu, da CAPES! E você ouvir: rapaz, você até que é um negro inteligente, viu?".
O Docente 7 (GF 3), relata que a escola faz parte dessa institucionalização do racismo, em todos os níveis de ensino, vejamos: "[…] a escola foi feita na Casa Grande e para a Casa Grande. A escola não foi feita pra pobre, pra indígena, pra negro, né? Não são eles que estão nos lugares de prestígio, né?". O racismo produz imagens estereotipadas sobre o outro, generalizando identificações morais, religiosas, físicas, que impedem o reconhecimento da sua individualidade: "[…] o fato de eu ser negro e ser da Bahia, né? E assim pessoas que nunca me viram, que não me conhecem, me associam ao candomblé, entende?" ainda, Docente 7 (GF 3). Reproduz também estereótipos sexuais da mulher negra: "[…] um colega, em uma reunião de professores, foi se referir a uma aluna negra, né? E na eminência de não lembrar o nome dela falou: ah, aquela que parece com a Globeleza, né?", Docente 1 (GF 2). Para Matos e França (2023), o racismo ainda é frequente na escola, em relações de desqualificação religiosa, depreciação das características físicas, silêncio diante de atitudes racistas e estereótipos em documentos e livros didáticos. Para as autoras, o racismo afeta a identidade e os processos de escolarização de estudantes, apresentando maiores índices de evasão e fracasso escolar na Educação Básica, aspecto que dificulta o acesso ao Ensino Superior.
As questões de sexo/gênero como motivo de discriminação (8,3% docentes; 10,9% estudantes) foram pouco referidas nos dados quantitativos, outras violências que podem estar diluídas em outros motivos, como a orientação sexual real ou presumida/atribuída por outros/as, o peso, outros aspectos da aparência física, altura e a idade. Pelo teste t de Student para amostras independentes, foi demonstrado não existir diferença, estatisticamente significativa, entre os sexos/gênero (feminino, masculino) na percepção de discriminação entre os grupos (estudante, docente) (t (269) = -1,43, p = 0,15). Entretanto, em todos os grupos focais aparecem narrativas de sofrimento envolvendo gestoras, estudantes e docentes do sexo feminino. A Docente 12 (GF 4) narra situações de assédio em sala de aula: "[…] já escutei piada dos meus alunos. Quando eu virava, falava da minha bunda, falava de questões minhas. Eu percebia que durante período que fui casada, eu era respeitada. Eu não era respeitada por quem eu era".
O assédio vivido por estudantes do sexo feminino é trazido nos relatos, narrativas de silêncio e medo de denunciar pelo receio da desqualificação e represálias: "[…] uma aluna disse: professora, ele pode inventar uma história. Vão deixar de ser pelo professor e ser pela gente? Outra disse: "ah, vão dizer que eu, porque tenho esse comportamento, vão dizer que eu fui dar em cima", Gestora 1 (GF 1). Nas questões relacionadas ao gênero, existe uma tendência do entendimento da violência como uma bobagem ou algo de menor importância (Martínez-Lozano, 2019), como se fossem questões pessoais. Sendo comum no assédio, para Zanello e Richwin (2022), que a pessoa assediada duvide de sua percepção, desencadeando reações recorrentes de medo, paralisia e submissão. Quanto mais implícita a violência, mais difícil é o dar-se conta de sua nocividade, sobretudo quando o assédio é cometido em uma linguagem aparentemente cortês ou romântica, em uma relação desigual de poder entre docente e estudante (Zanello & Richwin, 2022).
Como a Educação Superior não está desvinculada da sociedade, reproduz relações desiguais e violentas do patriarcado, "banalizando o exercício de pequenas brutalidades diárias ou individualizando os casos de assédio, ou assédio que são evidenciados, argumentando que se trata de práticas isoladas, comportamentos particulares de certos professores ou estudantes". (Martinez-Lozano, 2019, p. 128). A identificação com o feminino na vivência de alguns estudantes favorece também o descrédito e desqualificação, vejamos no relato do Docente 1 (GF 2): "[…] de professores chegar para o estudante e falar pra ele tomar jeito de homem, escrever com outra letra, porque a caligrafia dele é de mulher. Aluno falar: esse negócio de homossexual é contra a natureza".
A violência de gênero favorece sentimentos de vergonha, limitando espaços de fala, expressão e circulação em espaços sociais, mesmo que as mulheres ocupem espaços de poder como gestoras ou docentes da educação de nível superior: "fico até com vergonha de dizer, mas um colega servidor que olhou pra mim e disse que não me deu carona, porque eu tava no ponto do ônibus, porque ficou com receio de falarem, porque eu estava divorciada", Gestora 3 (GF 1). A Docente 12 (GF 4) também relata constrangimento em uma reunião pedagógica: "[…] ele perguntou se eu tava comendo carne de pavão pra ficar com a bunda desse jeito. Eu tinha 25 anos. Eu só ficava paralisada, constrangida e guardava aquilo pra mim, chorava e depois ia tentar resolver de alguma forma".
A vergonha diminui o acesso a redes de apoio social, como referido pela Gestora 3 (GF 1): "[…] eu fiquei com tanta vergonha que eu não contei pra ninguém", também serve para reafirmar o poder do patriarcado, mobilizando um estereótipo do feminino que funciona como imagens de controle utilizadas como instrumentos de opressão em vários espaços sociais que "aprisionam as pessoas, simbólica e materialmente, a uma certa posição social subalterna" (Bueno, 2020, p. 14). Algumas mulheres não aceitam esse estereótipo feminino de dócil e silenciosa, colocando a necessidade de confronto para desnaturalizar o papel da mulher como sinal de subalternidade, criando possibilidades de existir. A Gestora 2 (GF 1) diz: "[…] eu tô doida pra sentir esse peso. Doida! (Risos) Diferentemente dela, a minha reação seria outra, né? Ela tem esse jeito muito pacato, muito dócil, menina, né? Eu pelo contrário, eu tenho meio esse jeito de onça". A Docente 13 (GF 4) diz que faria diferente em situação de assédio: "[…] eu pensando: meu Deus! Como eu sou atrevida, porque eu olhava e já perguntava: o que é que tá olhando? Uma piada, eu já retrucava: Ah bicha gostosa! É bonita, é gostosa, mas não é pro seu bico!".
O questionamento da dificuldade de enfrentamento de algumas mulheres pode, também, gerar mais vergonha pela sensação de inadequação diante do julgamento, sem acolhimento da dificuldade de reação a essa estrutura machista. A estrutura patriarcal de dominação só foi percebida pela Docente 12 (GF 4) quando começou a estudar, se reconhecendo subalterna, como mulher negra: "[…] hoje, eu falaria algo nesse sentido, mas na época né? Poucos recursos, que aí é o que às vezes eu vejo que as alunas da gente têm né?".
Outro mecanismo de produção da vergonha e constrangimento é a piada, como descreve a Gestora 2 (GF 1), diante da discriminação em função da orientação afetivo-sexual: "[...] piadinha infame, olhar infame, assim de docente, sabe? Olhar pra um menino daquele e mensurar o valor daquele menino pela condição da sexualidade dele". A piada, para Moreira (2020), tem servido para reproduzir estereótipos que, muitas vezes, não são punidos porque promovem uma suposta descontração das pessoas ou pela defesa de não ter sido proferido com a intenção de ofender. O mesmo autor fala da circulação de imagens que favorecem o desprezo por minorias sociais na forma de humor "fator que compromete o status cultural e o status material dos membros desses grupos" (Moreira, 2020, p. 31).
A raiva é outro afeto que aparece nos grupos focais diante do assédio: "[…] quando ela me contou essa história, eu passei foi tempo sem conseguir conversar com esse professor. Depois que eu soube aquela história ficou tão difícil, porque era como se eu tivesse uma certa rejeição àquele professor", Gestora 1 (GF 1). A raiva decorrente da impunidade, nos casos de assédio, também favorece o afastamento de atividades da docência: "[…] isso me faz não querer estar perto, ouvir a voz de muitos colegas, eles já não têm meu respeito. Eu deixei de participar de inúmeras comissões, eu já saí de comissões, eu deixo de participar de eventos" relato do Docente 13 (GF 4). Nesse sentido, o sentimento de pertença ao IFPB - Sousa é diminuído, afeto importante por favorecer o sentimento de segurança, sensação de fazer parte de algo, de partilhar intimidade, sensação de importância para o grupo em um espaço de apoio social e ligação emocional (Moura Júnior et al., 2020).
Outro processo de discriminação pela questão de gênero é trazido pela Docente 2 (GF 2), por estar envelhecendo, fato que invisibiliza a sua experiência e qualificação profissional: "[…] quando eu digo, tenho 31 anos de sala de aula, alguns tentam brincar: a professora já deveria tá aposentada, por que que ainda tá aqui? no convívio social, no trabalho, o velho incomoda. É um sentimento de tristeza". O ageismo na carreira acadêmica tem sido uma questão atual com a crescente longevidade e a duração das carreiras profissionais, marcadas por um contexto de produtividade marcado por maiores cobranças, preconceito, conflitos de gerações e segregação social relacionado ao estereótipo de envelhecer (Viana & Helal, 2023). O ageísmo também afetou as estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), fato que foi desconsiderado pelo Docente 3 (GF 2) e pelos colegas de turma: "[…] elas reclamaram muito, que eram excluídas, por serem mais velhas da turma. E eu conversei com a turma, a turma dizia que era coisa da cabeça delas. Acho que essas conversas servem pra aprender, porque eu, fui até omisso".
A discriminação decorrente da orientação religiosa teve pouca visibilidade nos dados quantitativos (3,3% docentes; 11,8% estudantes), mas ganhou importância na análise qualitativa, aparecendo em todos os grupos focais: "[…] na minha sala tinha evangélicos extremamente rigorosos, tradicionais, assim como tive contato também com católicos que demonstram sua religião, assim, de uma forma cativante, outros muito preconceituosos", Docente 13 (GF 4). A identificação religiosa, bem como a intolerância religiosa, não se origina na escola, sendo constructos sociopolíticos que precisam ser problematizados. A Educação Superior não pode relegar esta temática aos espaços privados ou negar o seu valor, precisando legitimar sua expressão e manifestação, pois fazem parte da história e subjetividade que marcam as diferenças e diversidades.
A condição ou problema mental não foi referida por nenhum(a) docente como motivo de discriminação e pouco referida por estudantes (3,8%) nos dados quantitativos, sendo trazida nos grupos focais, como necessária na formação docente, como pontua a Docente 5 (GF 2): "[…] alunas que apresentava desequilíbrio mental, nunca foi feito reunião com professores. Alguns professores faziam o que eu fiz, distanciava o máximo que pudesse, com certo medo. Reproduzi o preconceito. Em momento nenhum cheguei pra conversar, pra entender a pessoa". A imagem de medo e a necessidade de afastamento diante do sofrimento das estudantes reproduz o estereótipo produzido pela psiquiatria, ainda muito presente em nossa sociedade, vinculando o adoecimento psíquico à periculosidade, necessidade de isolamento, degeneração das relações sociais, incompetência e anormalidade. O estigma social decorrente do sofrimento psíquico agrava os sintomas, "levando ao isolamento na tentativa de evitar a rejeição e ao não investimento em capacidades compensatórias ao transtorno, o que produz ainda mais solidão" (Nascimento & Leão, 2019, p. 104). Destacamos que, além do sofrimento das estudantes, as turmas tiveram docentes com menor disponibilidade para interação e expressão de afetos, comprometendo, nesse sentido, o ensino-aprendizagem de toda a turma.
A condição ou problema físico (1,7% docentes; 2,4% estudantes) foi pouco referida no instrumento quantitativo, aparecendo em todos os grupos focais por meio da dificuldade dos(das) docentes em desenvolver estratégicas para garantir a aprendizagem de pessoas com deficiência, vejamos o relato do Docente 13 (GF 4): "[…] foi extremamente difícil. O impacto do professor de chegar na sala de aula e o professor olhar - poxa vida, o aluno não tem uma perna - e aí na minha formação eu não tive esse preparo, essa orientação". Dentre as deficiências, foram também citados o autismo e a surdez como condições discriminadas, sendo destacado pela Docente 11 (GF 4) um caso de violência física com um estudante autista: "[…] ele levou um murro na Educação Física. Você fica na aula e tipo por que era ele? Porque com nenhum, a gente passou a fila inteira, foram todos os alunos, ele era um dos últimos, por sinal".
Essas situações chamam a atenção para a importância da formação inicial docente e a pós-graduação incluírem o debate sobre a inclusão, pois a presença das pessoas com deficiência transforma as interações sociais e o funcionamento da Educação Superior, sendo necessário, segundo Piccolo (2022), adequação e flexibilização dos currículos, mudanças didáticas, adequação dos espaços físicos e mobiliário, reconfigurações didáticas e uma mudança cognitiva que associa a deficiência ao déficit. Ainda Piccolo (2022), essas mudanças se tornam difíceis pela escassez de uma política institucional de formação permanente, movimento importante para todos os(as) estudantes, com e sem deficiência, por dar visibilidade às dificuldades de aprendizagem, muitas vezes, negligenciadas ou invisibilizadas.
Quem são os grupos que mais discriminam na instituição? Segundo os dados quantitativos, os estudantes cometem mais ações de discriminação, de acordo com 33% dos docentes e 97% dos estudantes. Aqueles que ocupam maior poder institucional como docentes, técnicos(as) administrativos(as) e gestores(as) tem menor visibilidade como atores que discriminam. Neste sentido, são os(as) estudantes que mais sofrem discriminação e os que mais discriminam, seja de forma explícita ou sutil, em um processo perverso que se retroalimenta. Freire (1983) explica que os oprimidos hospedam o opressor em si pela imersão em uma realidade cotidiana de opressão, introjetando a sombra dos opressores e suas pautas. Os(as) estudantes, portanto, reproduzem a discriminação vivenciada, processo pouco visto pelos(as) docentes, quando 56,4% nunca ou raramente perceberam alguma situação de discriminação, 76,4% não conhecem ninguém que denunciou e 60% nunca abordaram esses processos de opressão em sala de aula, segundo dados quantitativos. Por esse motivo, é fundamental que os(as) docentes possam refletir sobre as situações de privilégio: "Se você nunca sofreu preconceito, cale sua boca, porque você não sabe falar sobre aquilo. Ouça o que a pessoa tem a dizer", afirma o Docente 7 (GF 3).
As opressões precisam de visibilidade, pois "[…] a branquitude precisa se enxergar como privilégio, os homens precisam se enxergar como privilégio, se não a gente não vai sair do canto. Muitos acham que tá bom, se eu tô sendo privilegiado pela estrutura que se tem" relato do Docente 12 (GF 4). Sobre a visibilidade dessa temática, os dados quantitativos indicam que 61,7% dos(as) docentes não tiveram acesso a nenhum conteúdo de Direitos Humanos na graduação ou pós-graduação stricto sensu. Nos grupos focais, os(as) docentes revelaram, que a aproximação da temática, para a qual não foram preparados, foi necessária para cumprir exigências das avaliações externas.
Diante dessa discussão, o letramento racial é necessário para compreender as múltiplas opressões em função das diferenças de idade, condição social, religião, deficiência, dentre outros marcadores sociais. Se a posição de privilégio não for reconhecida e problematizada, o(a) docente pode naturalizar as diferenças sociais por meio de "crenças que sustentam uma justificação moral e intelectual sobre como determinados grupos se relacionam" (Vilanova et al., 2022, p. 8), não se envolvendo em práticas que se vinculem às políticas de igualdade social, além de dificultar o reconhecimento da dor do outro.
Considerações Finais
Neste artigo buscamos compreender os processos de discriminação vivenciados por docentes e discentes da Educação Superior de um Instituto Federal do Nordeste brasileiro. Os resultados apontam que, a cada 10 participantes da pesquisa, professores e estudantes, 8 passaram por situações de discriminação, atingindo com maior intensidade o segundo grupo. O sofrimento de ser discriminado, afeta à vida dos(as) participantes dessa pesquisa, em sua maioria, em seguida afeta amigos próximos, motivados por múltiplos fatores, como nível econômico, imagem corporal, o peso, a aparência física, a altura, a idade e a condição ou problema físico. A raça ou etnia como motivo de discriminação foi pouco referida, apesar do grande número de pardos entre docentes e estudantes, essa situação é justificada por docentes pela falta de consciência do corpo preto que habita, um silêncio que causa indignação e sensação de desamparo diante de discriminações vivenciadas. O racismo, mascarado por discriminações institucionais e relações de cordialidade, tem produzido imagens estereotipadas sobre o outro que impedem o reconhecimento da sua individualidade.
As questões de sexo/gênero como motivo de discriminação também foram pouco referidas nos dados quantitativos, mas na etapa qualitativa, surgem narrativas de sofrimento envolvendo gestoras, estudantes e docentes do sexo feminino, com intersecções que multiplicam as opressões, por serem solteiras ou separadas, por estarem envelhecendo, ser jovens ou por alguma característica de seus corpos consideradas sensuais. O assédio vivido ou presenciado é marcado pelo silêncio, vergonha e receio da desqualificação, mesmo em mulheres que ocupam espaços de poder como gestoras ou docentes da Educação Superior, processo que dificulta a denúncia e apoio social. Tem maior visibilidade a discriminação realizada por estudantes, sendo o grupo que mais sofre com discriminação e o que mais discrimina, de forma explícita ou sutil, enquanto as discriminações institucionais são pouco vistas.
As limitações da pesquisa são marcadas pela impossibilidade de desenvolver grupos focais com os estudantes na etapa quantitativa e realizar o processo de coleta de dados de forma presencial, restrições impostas pelo distanciamento social causado pela COVID-19 e pelo tempo designado para encerramento da pesquisa. Além disso, na etapa quantitativa, em função do tipo de amostragem, não é possível obter conclusões para outras instituições de Educação Superior, sendo interessante replicar o estudo em amostras independentes da utilizada nesta pesquisa e verificar a invariância dos resultados. Estas limitações seguem como sugestões para futuras pesquisas.
Por fim, destacamos a importância da criação de uma política de formação docente como uma das estratégias de enfrentamento às discriminações, como ação institucional para a Educação Superior com letramento em Direitos Humanos, de forma crítica e colaborativa. Uma formação permanente que facilite a compreensão da Educação Superior como espaço de dor e opressão ao mesmo tempo em que se configuram resistências e enfrentamentos orientadas a criar uma educação intercultural e decolonial.
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Endereço para correspondência
Maria Aparecida Alves Sobreira Carvalho - apsobreira01@gmail.com
Recebido em: 18/06/2024
Aceito em: 04/06/2025
Agradecimentos: As autoras agradecem ao Instituto Federal da Paraíba - Campus Sousa pelo apoio na coleta de dados e liberação da primeira autora para realizar o Doutorado.
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