Estudos e Pesquisas em Psicologia
2025, Vol. 25. e84619, doi:10.12957/epp.2025.84619
ISSN 1808-4281 (online version)

 

CLIO-PSYCHÉ

 

Princípios Éticos Desrespeitados por Psicólogas(os) no Âmbito do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (1980-2020)

 

Ethical Principles Disrespected by Psychologists Within the Scope of the Regional Psychology Council of Paraná (1980-2020)

 

Principios Éticos Vulnerados por Psicólogas y Psicólogos en el Ámbito del Consejo Regional de Psicología de Paraná (1980-2020)

 

Angelo Horst a, Bruno Angelo Strapasson a

a Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

Este artigo apresenta uma caracterização dos princípios éticos desrespeitados por psicólogas(os) no âmbito do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), a partir de denúncias recebidas entre 1980 e 2020. Serviram como material de análise 576 processos éticos que contemplam 653 denúncias, apresentadas predominantemente por clientes e pacientes (ou familiares) dos serviços de Psicologia e, na sequência, pelo próprio Conselho de Psicologia (denúncias de ofício). Para os processos éticos cuja apuração resultou em penalidade à(ao) denunciada(o), a frequência de itens relacionados à "Dignidade e Direitos Humanos" e "Práticas não reconhecidas ou não regulamentadas" encabeçam a lista dos mais desrespeitados. Na terceira posição aparecem princípios ligados à "Elaboração de documentos", "Imperícia, imprudência ou negligência" e "Contrato, honorários e informações sobre serviço". A Psicologia Clínica é a área que concentra quase metade das denúncias do período estudado, seguida pelas áreas da Avaliação Psicológica (proporcionalmente mais penalizada do que as outras) e Psicologia Jurídica. Sugere-se que instituições de ensino e os próprios Conselhos de Classe planejem ações mais assertivas de qualificação de profissionais e de fiscalização da atividade profissional exercida nessas áreas prioritárias para melhor qualificar do exercício da Psicologia no Brasil.

Palavras-chave: ética profissional, código de ética do psicólogo, conselho de psicologia.


ABSTRACT

This article presents a characterization of the ethical principles disrespected by psychologists within the scope of the Regional Psychology Council of Paraná (CRP-PR), Brazil, based on complaints received between 1980 and 2020. Five hundred seventy-six ethical processes covering six hundred fifty-three complaints served as sources, predominantly presented by clients and patients (or family members) of Psychology services, followed by the Psychology Council (ex-officio complaints). On ethical processes whose investigation resulted in a penalty for the person reported, the frequency of items related to "Dignity and Human Rights" and "Unrecognized or unregulated practices" occupied the top of the list of most disrespected. In the third position appear principles linked to "Preparation of documents," "Malpractice, imprudence or negligence," and "Contract, fees and information about service." Clinical Psychology is the area that concentrates almost half of the complaints in the period studied, followed by the areas of Psychological Assessment (proportionally more penalized than the others) and Legal Psychology. It is suggested that educational institutions and professional councils plan more assertive actions to qualify professionals and monitor the professional activity carried out in these priority areas to better qualify the Psychology practice in Brazil.

Keywords: professional ethics, psychologist's code of ethics, psychology council.


RESUMEN

Este artículo presenta una caracterización de los principios éticos irrespetados por los psicólogos en el ámbito del Consejo Regional de Psicología de Paraná (CRP-PR), Brasil, a partir de denuncias recibidas entre 1980 y 2020. Sirvieron como fuentes 576 procesos éticos que abarcan 653 denuncias. Las quejas son presentadas predominantemente por clientes, pacientes o familiares de los servicios de Psicología, seguidos del Consejo de Psicología (quejas de oficio). En los procesos éticos cuya investigación resultó en una sanción para el denunciado, la frecuencia de los ítems relacionados con "Dignidad y Derechos Humanos" y "Prácticas no reconocidas o no reglamentadas" ocuparon el primero y el segundo lugar respectivamente, en la lista de los más irrespetados. En la tercera posición aparecen empatados principios vinculados a "Preparación de documentos", "Mala praxis, imprudencia o negligencia" y "Contrato, honorarios e información sobre el servicio". La Psicología Clínica concentra casi la mitad de las denuncias en el período, seguida de las áreas de Evaluación Psicológica (proporcionalmente más penalizada que las demás) y de Psicología Jurídica. Se sugiere que las instituciones educativas y los consejos profesionales planifiquen acciones más asertivas para calificar a los profesionales y monitorear la actividad profesional realizada en estas áreas prioritarias.

Palabras clave: ética profesional, código de ética del psicólogo, consejo de psicología.


 

 

Analisaremos neste artigo os princípios éticos da Psicologia mais desrespeitados por psicólogas(os) no âmbito do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-08), a partir dos processos éticos julgados pela instituição entre 1980 e 2020 1. Foi possível verificar a prevalência das áreas de atuação profissional mais afetadas e o indicativo de que o respeito à dignidade e aos direitos humanos, bem como a elaboração de documentos com qualidade técnico-científica, são princípios que carecem de melhor atenção das(os) profissionais, dada a forte presença de itens a eles ligados nos processos manuseados.

Os Conselhos de Psicologia são um campo empírico relevante para estudos sobre ética profissional: são responsáveis pela regulação do exercício de psicólogas(os) e legalmente atuam como tribunal de ética da profissão. Em sua estrutura, os órgãos internos que recebem queixas e denúncias contra psicólogas(os) são a Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) e a Comissão de Ética (COE). À primeira, cabe a execução de ações de orientação, preferencialmente preventivas, coletivas e planejadas, e também, a averiguação das queixas que não se constituem como denúncias qualificadas e/ou formalizadas (CFP, 2017). No processo de averiguação, é facultada à COF a possibilidade de formalizar uma denúncia contra a(o) psicóloga(o), denominada denúncia (ou representação) de ofício. À segunda, por sua vez, cabe o processamento das denúncias qualificadas e/ou formalizadas, qual seja, as representações éticas propriamente ditas, à luz do Código de Processamento Disciplinar (CFP, 2019), apresentadas por qualquer pessoa que se sinta lesada pela prática psicológica.

Durante o rito de apuração das denúncias qualificadas, é necessário que as(os) conselheiras(os) indiquem os itens do Código de Ética Profissional que avaliam como desrespeitados pela(o) psicóloga(o) (CFP, 2019), com fundamentação que a sustente, caso compreendam que ela(e) deve ser punida(o) por sua conduta. Parte desses itens estão organizados no documento a partir de uma perspectiva deontológica (e.g., regras, deveres, vedações), e recomenda-se que sua aplicação seja contextualizada a fim de evitar abordagem excessivamente simplificada para a resolução de problemas éticos (Kelly et al., 2021).

Como Códigos de Ética profissionais não esgotam "o conteúdo e as exigências de uma conduta ética de vida e nem sempre expressam a forma mais adequada de agir numa circunstância particular" (Camargo, 1999, p. 34), a avaliação da conduta da(o) psicóloga(o) também considera a interpretação dos princípios a ele incorporados, estes sim transversais e orientativos, que caracterizam a normativa mais como um "instrumento de reflexão do que [como] um conjunto de normas" (CFP, 2005, p. 06). Esses princípios são valores fundamentais que sustentam determinada profissão e que orientam a(o) psicóloga(o) na tomada de decisões sobre dilemas éticos (Kelly et al., 2021).

Ocorre que o levantamento de informações sobre o comportamento ético das(os) psicólogas(os) é relativamente escasso, na medida em que os processos tramitam sob sigilo (CFP, 2019). Caracterizações de faltas éticas, feitas a partir de acesso integral aos conteúdos de processos apurados no Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro, indicam possíveis equívocos das(os) profissionais na elaboração de documentos psicológicos, na relação com os pares ou clientes (calúnia, difamação e preconceito) e no desrespeito ao sigilo profissional (CRP-PR, 2012; 2018), uso de práticas não reconhecidas, condução do tratamento, relações financeiras, sigilo e publicidade profissional (Frizzo, 2004); sigilo, negligência e relações inadequadas com outras(os) psicólogas(os), incluindo assédio moral ou uso da relação profissional com propósitos moralizantes ou de convencimento (Zuccaro & Vianna, 2014).

Ainda que feitas a partir de acesso integral aos autos dos processos em trâmite nesses Conselhos (Frizzo, 2004; CRP-PR 2012; 2018,  Zuccaro & Vianna, 2014), tais caracterizações dizem respeito à períodos que não ultrapassaram 12 anos de funcionamento de cada uma dessas instituições. Ou seja, as análises apresentadas nesses estudos não consideram, por exemplo, a totalidade de processos julgados por elas desde o momento de sua fundação e, por isso, os resultados se relacionam a fenômenos observados em um recorte temporal específico. Essa é uma das limitações que a presente pesquisa pretende superar, na medida em que o período selecionado para o estudo diz respeito a 41 anos de funcionamento do CRP-PR.

Em outras caracterizações, cujos resultados foram obtidos a partir de consultas em boletins informativos do Conselho Federal de Psicologia (CFP), ou seja, de informações relacionadas a processos oriundos de Conselhos Regionais variados e que foram julgados em grau de recurso pelo CFP, prevalecem situações problemáticas ligadas sobretudo à emissão de documentos (Anache & Reppold, 2010; Muniz, 2018; Zaia et al., 2018), avaliação psicológica (Costa et al., 2021; Anache & Reppold, 2010), prestação de serviços psicológicos sem qualidade ou em condições de trabalho não dignas e não apropriadas à natureza desses serviços, utilização de recursos e técnicas que não são reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional e não fornecimento de informações sobre o trabalho prestado a quem é de direito recebê-las (Anache & Reppold, 2010).

Todavia, não são todos os processos éticos apurados pelos Conselhos Regionais e Federal que têm seu desfecho publicizado, pois, exceto em casos específicos, somente as penalidades de censura pública, suspensão do exercício profissional por 30 dias e cassação podem ser divulgadas (CFP, 2019). Portanto, caracterizações feitas a partir de boletins informativos do CFP (Anache & Reppold, 2010; Muniz, 2018; Zaia et al., 2018; Costa et al., 2021) não apresentam informações sobre denúncias arquivadas ou processos que resultaram em penalidades sigilosas (advertência e multa), limitando-se - novamente - a análises que se focam em apenas uma parte do fenômeno estudado. Com o acesso a todos os processos éticos em trâmite no CRP-PR, essa limitação pode ser superada.

Se para que o fazer profissional da Psicologia seja considerado ético é necessário que a(o) psicóloga(o) analise e reflita sobre os efeitos sociais da aplicação de sua ação, os resultados decorrentes deste estudo podem fornecer subsídios para melhor compreensão e análise das condutas de psicólogas(os) que desencadeiam processos éticos. Essa compreensão também pode dar suporte para que as instituições de ensino, os Conselhos e as(os) próprias(os) profissionais organizem e planejem suas ações de maneira compatível com a realidade e desafios contemporâneos da profissão, contribuindo, assim, para o aprimoramento teórico-prático e eventual minimização de danos no exercício da Psicologia.

 

Método

Foram consultados todos os 576 processos éticos sob guarda da Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), 8ª Região, e que iniciaram sua tramitação entre 1980 e 2020. Processos tramitados entre 1980 e 2015 foram consultados na sua forma impressa/física, ao passo que partes de processos iniciados a partir de 2015 também puderam ser visualizadas de forma eletrônica com acesso ao servidor Fileserver e Sistema Eletrônico de Informações (SEI), ambos protegidos por senha. Ao todo, os processos envolveram 653 denúncias que resultaram em 174 penalizações.

A análise dos processos ocorreu entre 28 de março de 2022 e 22 de julho de 2022 e o manuseio dos documentos físicos se deu nas dependências do próprio Conselho, a fim de assegurar condições de sigilo, confidencialidade e de não identificação das informações por pessoas alheias à rotina de funcionamento da instituição. Esta pesquisa foi aprovada pelo CRP-PR e pelo Comitê de Ética do Setor de Saúde da Universidade Federal do Paraná, 56175222.5.0000.0102.

Para categorizar o conteúdo das denúncias, foi desenvolvido um sistema que unificou as três versões do Código de Ética (que vigoraram entre 1980 e 2020) em 24 categorias de princípios éticos, a fim de se ter uma classificação comparável dessas versões. O pesquisador distribuiu cada um dos itens (princípio fundamental, artigo, alínea, parágrafo, etc.), de cada uma dessas versões do Código, em princípios éticos cuja definição reuniu assuntos/temas que se relacionavam entre si. Para os itens que contemplavam temas variados, tomou a decisão de associá-los às categorias que considerou tratarem do tema principal. Por exemplo: se o item do Código recomendava que, ao emitir um documento, a(o) psicóloga(o) deveria manifestar somente o necessário sobre seu paciente (para que o sigilo do atendimento não fosse violado), tal item foi enquadrado na categoria de "sigilo" (e não na categoria "documentos psicológicos"). Isso porque, embora a falta ética se expressasse na emissão do documento propriamente dita, o contexto do item seria a manutenção do sigilo profissional.

Em seguida, o sistema de categorias foi submetido à avaliação de categorizadores independentes que compararam suas categorizações até que um sistema único estivesse definido. Esta última versão do sistema, aqui apresentada, foi submetida novamente a categorização independente na qual obteve-se 97% de acordo (calculado a partir da divisão dos acordos pela soma de acordos mais desacordos).

 

Tabela 1

Sistema de categorias de princípios éticos contidos nas versões do Código (CEPP)

 

Categoria

Definição

1979

1987

2005

Documentos psicológicos

Elaborar documentos sem qualidade técnico-científica.

Art. 2°, g;

Duplicidade de vínculos

Estabelecer com cliente ou instituições outros vínculos que impactem na qualidade dos serviços contratados.

Art. 4°, h; Art. 19; Art. 22, a, b;

Art. 2°, n; Art. 20, a, b;

Art. 2°, j, k, m;

Vantagens pessoais

Induzir ou prolongar atendimento em benefício próprio, receber vantagens e desviar clientes para atendimento particular.

Art. 1°, e; Art. 2°, c; Art. 5°, a, b, d; Art. 22, c; Art. 39, c;

Art. 1°, b; Art. 2°, c, f, g, h, j; Art. 20, c;

Art. 1°, d; Art. 2°, i, l, n, o, p;

Sigilo

Quebrar ou favorecer a quebra de sigilo sem justificativa.

Art. 2°, b; Art. 23; Art. 24; Art. 25; Art. 26; Art. 28; Art. 34; Art. 35;

Art. 3°, b, c; Art. 6°; Art. 14; Art. 21; Art. 22; Art. 23, § 1°; Art. 24; Art. 26; Art. 27; Art. 29; Art. 32; Art. 34;

Art. 2°, q; Art. 6°, b; Art. 9°; Art. 10; Art. 11; Art. 12; Art. 13;

Relação com pares

Desrespeitar e interferir no trabalho de seus pares, não colaborar ou ter solidariedade, e acumpliciar-se de suas faltas éticas.

Art. 8°; Art. 9°; Art. 10; Art. 11; Art. 12; Art. 13;

Art. 1°, e; Art. 7°; Art. 8°; Art. 9°; Art. 10; Art. 11, a, b, c, d;

Art. 1°, j; Art. 2°, e; Art. 7°, a, b, c, d;

Convicções pessoais

Induzir o cliente de acordo com suas convicções filosóficas, religiosas, morais, políticas, etc.

Art. 5°, c;

Art. 2°, e;

Art. 2°, b;

Encaminhamento a outros profissionais

Não encaminhar o cliente para outro profissional, sempre que se impuser a necessidade.

Art. 1°, c; Art. 4°, g, e, f; Art. 14, b;

Art. 1°, d; Art. 12, b;

Art. 1°, k; Art. 6°, a; Art. 8°, § 2°;

Exercício ilegal

Acumpliciar-se/facilitar o acesso de materiais e técnicas da profissão a não Psicólogas.

PF I; Art. 2°, e; Art. 14, a; Art. 37;

Art. 2°, d; Art. 12, a; Art. 35;

Art. 1°, i; Art. 2°, d; Art. 18;

Publicidade profissional

Divulgar conteúdos sensacionalistas, qualificações que não possui, preço como forma de propaganda e previsões taxativas.

Art. 2°, a; Art. 32; 38; Art. 39, a, b;

Art. 2°, a, b; Art. 37; Art. 38, a, b, c, d, e, f, g, h, i;

Art. 20, a, b, c, d, e, f, g, h;

Criança, adolescente ou interdito

Atender criança, adolescente ou interdito sem o consentimento de responsável.

Art. 27;

Art. 2°, i;

Art. 8°, § 1°;

Imperícia

Atuar sem condições pessoais, técnicas e éticas.

PF IV; PF V; Art. 1°, a, b; Art. 15; Art. 18; Art. 36;

PF III; PF V; Art. 1°, a; Art. 13; Art. 18; Art. 36;

PF IV; PF V; Art. 1°, b; Art. 19;

Parcialidade

Promover declarações falsas, agir sem isenção ou imparcialidade.

Art. 20;

Art. 2°, l, m; Art. 19;

Art. 2°, h;

Aviltamento da profissão

Atuar em condições de trabalho que mercantilizam ou aviltam a Psicologia.

Art. 1°, d; Art. 2°, d; Art. 4°, c; Art. 7°; Art. 36;

Art. 4°, § 2°;

PF VI;

Contrato

Negar informações sobre o contrato e serviços desenvolvidos.

Art. 4°, a, b, g; Art. 21; Art. 26; Art. 40; Art. 41;

Art. 3°, a; Art. 23, § 2°; Art. 25; Art. 39; Art. 40;

Art. 1°, f, g, h; Art. 4°, a, b, c; Art. 14;

Sectarismos

Promover sectarismos em função de raça, cor, orientação sexual, crença, situação econômica, etc.

Art. 4°, d;

Art. 33;

Interrupção do serviço

Interromper a prestação do serviço sem justificativa ou aviso prévio.

Art. 5°, e;

Art. 16, a, b;

Art. 5°, a, b;

Filosofia de trabalho

Desconsiderar as relações de poder e a filosofia de trabalho das organizações.

Art. 6°;

Art. 4°;

PF VII; Art. 3°;

Instituições da Psicologia

Não considerar as instituições de propagação científica da Psicologia e/ou de classe.

Art. 16; Art. 17; Art. 44; Art. 50;

Art. 1°, g; Art. 15, a, b, c, d; Art. 43; Art. 47;

Art. 1°, a, l;

Pesquisa e comunicações científicas

Desrespeitar a dignidade e a liberdade das pessoas envolvidas em pesquisas, ser infiel aos dados levantados e às fontes consultadas.

Art. 30, a, b, c; Art. 31, a, b, c, d, e; Art. 33;

Art. 30, a, b, c, d; Art. 31, a, b, c, d, e;

Art. 16, a, b, c, d;

Supervisão do estudante

Não orientar estudantes de forma compatível com o Código.

Art. 48; Art. 49;

Art. 46;

Art. 17;

Direitos Humanos

Desrespeitar a dignidade e o bem-estar da pessoa humana, desconsiderar a conjuntura político-social e aceitar situações de violência e opressão.

PF II; PF III;

Art. 1°, f; PF I; PF II; PF IV; PF VI; PF VII; Art. 4°, § 1°; Art. 17;

PF I; PF II; PF III; Art. 1°, e; Art. 2°, a, c;

Tecnologias não autorizadas

Prestar serviços de atendimento psicológico mediados por tecnologias não autorizadas.

Art. 2°, o;

Guarda e destruição de materiais

Não proteger materiais privativos ou decorrentes do atendimento prestado.

Art. 29;

Art. 6°, §1°, § 2°, § 3°; Art. 28;

Art. 15, § 1°, § 2°

Práticas não reconhecidas

Utilizar procedimentos, técnicas e meios que não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão.

 

Art. 1°, c;

Art. 1°, c; Art. 2°, f;

Legenda: PF (Princípio Fundamental); Art. (Artigo).

 

Cada item do Código utilizado para fundamentar a necessidade de penalidade da(o) denunciada(o) nos processos foi associado a uma das 24 categorias do sistema, o que possibilitou estabelecer sua frequência. Não foi criado um sistema de categorias relacionado a outras normativas para além do Código (leis, decretos, Resoluções, etc.), ainda assim essas normativas também foram registradas durante o manuseio dos processos.

A categorização da área da Psicologia na qual ocorreu a falta ética foi feita tendo por base as atribuições das especialidades contidas na Resolução CFP n° 023/2022 (CFP, 2022b). O pesquisador estabeleceu a sua própria categorização de áreas da Psicologia e, dela, submeteu uma parte aleatória para análise e treino de uma categorizadora independente. Findados os treinos e discussões iniciais, a categorizadora independente então acessou 375 denúncias (equivalente a 57% do total) e estabeleceu sua própria categorização, cuja concordância com a categorização inicialmente feita pelo pesquisador foi de 96,8%. Foram definidas, então, as seguintes áreas: Psicologia Escolar e Educacional, Psicologia Organizacional e do Trabalho, Psicologia de Tráfego, Psicologia Jurídica, Psicologia Esportiva, Psicologia Clínica, Psicologia Hospitalar, Psicopedagogia, Psicomotricidade, Psicologia Social, Neuropsicologia, Psicologia em Saúde, Avaliação Psicológica e Ensino e Pesquisa.

 

Resultados

Aproximadamente 3/5 (58,9%) das penalidades aplicadas às(aos) psicólogas(os) têm origem em denúncias apresentadas por clientes/pacientes/usuários dos serviços ou seus familiares. As denúncias de ofício, neste caso apresentadas em sua totalidade pelo setor de fiscalização do CRP-PR, reúnem 25,1%, ao passo que denúncias provenientes de todas as outras categorias de denunciantes somam, juntas, 16% do total de penalidades aplicadas (Figura 1).

 

Figura 1

Origem das denúncias (classificação dos denunciantes) que resultaram em penalidade à(ao) denunciada(o)

 

 

Entre as áreas de atuação da Psicologia cujas faltas éticas são mais frequentes, intervenções que se utilizam de processos de avaliação psicológica são proporcionalmente mais penalizadas. Não apenas porque "Avaliação Psicológica" por si só aparece na segunda posição quando denúncias e penalidades são distribuídas por especialidades da Psicologia, mas sobretudo as especialidades "Psicologia Jurídica" e "Psicologia do Tráfego" majoritariamente também se relacionam com a aplicação de testes, entrevistas e uso de outros recursos que compõem processos mais estruturados de avaliação psicológica (perícia e avaliação para concessão de carteira nacional de habilitação, por exemplo - ver Tabela 2).

O apontamento anterior vale também para as especialidades de "Psicologia Organizacional e do Trabalho", "Psicopedagogia" e "Neuropsicologia". Essas áreas contam, em seu bojo de atuação, com a possibilidade de que a(o) profissional lance mão de processos de avaliação psicológica, seja para recrutamento e seleção, identificação de problemas de aprendizagem, avaliação neuropsicológica e reabilitação cognitiva, por exemplo.

 

Tabela 2

Distribuição das denúncias e das penalidades, por área da Psicologia, em relação ao total de cada uma delas

 

Área

 

Denúncias

 

Penalidades

 

Porcentagem de penalizações em relação ao total de denúncias

 

Qtd

%

 

Qtd

%

 

Total

 

653

100%

 

174

100%

 

26,6%

Clínica

 

285

43,6%

 

78

45,5%

 

12,1%

Avaliação Psicológica

 

84

12,9%

 

35

19,9%

 

5,4%

Jurídica

 

66

10,0%

 

17

9,7%

 

2,6%

Tráfego

 

62

9,5%

 

5

2,8%

 

0,8%

Social

 

34

5,1%

 

8

4,5%

 

1,2%

Organizacional e do Trabalho

 

28

4,3%

 

7

4,0%

 

1,1%

Saúde

 

25

3,8%

 

6

3,4%

 

0,9%

Ensino e Pesquisa

 

17

2,6%

 

11

6,3%

 

1,7%

Hospitalar

 

14

2,1%

 

2

1,1%

 

0,3%

Psicopedagogia

 

13

2,0%

 

2

1,1%

 

0,3%

Escolar e Educacional

 

10

1,5%

 

1

0,6%

 

0,2%

Neuropsicologia

 

3

0,5%

 

2

1,1%

 

0,3%

 

Entre as denúncias, não foi observada atividade profissional relacionada às especialidades de "Psicologia Esportiva" e "Psicomotricidade", o que, por consequência, também não resultou em penalidades nessas áreas de atuação. Em 2% das denúncias não foi possível definir a área de atuação por se tratarem de situações que se deram fora do exercício profissional. Nelas estão contempladas as representações cujo denunciante buscou o CRP para solucionar impasses pessoais com a(o) denunciada(o), conflitos relacionados ao pagamento de aluguéis, conflitos familiares, conflitos entre condôminos e situações de natureza administrativa (não pagamento de multa imposta pelo próprio Conselho, por exemplo).

 

Tabela 3

Porcentagem dos princípios éticos desrespeitados por área de atuação em relação ao total

 

Porcentagem de princípios éticos em relação ao total

Áreas de atuação

Ava

Cli

Ens

Esc

Hos

Jur

Neu

Org

Psi

Saú

Soc

Trá

Direitos Humanos

15%

5%

11%

37%

0%

20%

23%

11%

6%

7%

10%

20%

23%

Práticas não reconhecidas

12%

4%

9%

10%

14%

0%

14%

11%

12%

14%

13%

14%

17%

Documentos psicológicos

8%

12%

4%

0%

14%

0%

18%

11%

0%

14%

13%

9%

10%

Imperícia

8%

13%

10%

5%

14%

0%

7%

11%

0%

29%

7%

9%

10%

Contrato

8%

12%

8%

3%

14%

0%

8%

22%

0%

14%

7%

0%

0%

Sigilo

7%

7%

8%

1%

0%

0%

1%

22%

12%

0%

10%

9%

3%

Publicidade profissional

6%

8%

11%

3%

0%

40%

0%

0%

0%

0%

3%

0%

0%

Duplicidade de vínculos

5%

0%

6%

3%

14%

0%

6%

0%

15%

0%

7%

9%

3%

Parcialidade

5%

6%

3%

3%

0%

0%

3%

0%

3%

0%

3%

3%

10%

Filosofia de trabalho

5%

3%

5%

8%

0%

0%

3%

0%

24%

0%

7%

9%

10%

Vantagens pessoais

4%

1%

2%

0%

0%

0%

1%

0%

3%

14%

0%

3%

0%

Instituições da Psicologia

4%

5%

5%

3%

0%

0%

4%

11%

6%

0%

0%

0%

3%

Relação com pares

3%

1%

4%

3%

0%

20%

3%

0%

0%

0%

3%

0%

3%

Exercício ilegal

3%

8%

1%

4%

0%

0%

0%

0%

6%

0%

0%

3%

3%

Aviltamento da profissão

3%

3%

3%

14%

14%

20%

1%

0%

9%

0%

7%

0%

0%

Encaminhamentos

2%

0%

5%

1%

0%

0%

0%

0%

0%

7%

7%

6%

0%

Indução a convicções

1%

1%

2%

0%

0%

0%

1%

0%

0%

0%

0%

3%

0%

Total (%)

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

Legenda: Ava (Avaliação Psicológica), Cli (Psicologia Clínica), Ens (Ensino e Pesquisa), Esc (Psicologia Escolar e da Educação), Hos (Psicologia Hospitalar), Jur (Psicologia Jurídica), Neu (Neuropsicologia), Org (Psicologia Organizacional e do Trabalho), Psi (Psicopedagogia), Saú (Psicologia e Saúde), Soc (Psicologia Social), Trá (Psicologia do Tráfego).

 

Princípios éticos relacionados à "Direitos Humanos" e "Práticas não reconhecidas" encabeçam a lista dos mais frequentes e, empatados na terceira posição, aparecem princípios ligados à "Documentos psicológicos", "Imperícia" e "Contrato". Exceto no contexto da Psicologia Hospitalar, princípios ligados ao uso de "Práticas não reconhecidas" aparecem em processos que resultaram em penalidades em todas as áreas.

Dificuldades com elaboração de documentos aparecem com mais frequência nos contextos de atuação da Psicologia Jurídica, Escolar, Psicopedagogia, Saúde e Avaliação Psicológica. Situações ligadas à conivência com exercício ilegal da profissão e facilitação de uso de instrumentos privativos por não psicólogas(os) em contextos de Avaliação Psicológica, Organizacional, Tráfego e Social.

A Resolução nº 007/2003 (CFP, 2003), que também versava sobre a elaboração de documentos, foi a normativa que mais apareceu como fundamentação para penalidades. A frequência de Resoluções observadas nos processos foi de 30 (100%) registros, ao passo que a Resolução nº 007/2003 representa 63% deste total (equivalente a 19 registros - ver Figura 2).

 

Figura 2

Frequência de outras normativas nas denúncias que resultaram em penalidades, de acordo com a origem da denúncia

 

 

Como se vê, mais da metade de aparições da Resolução CFP nº 007/2003 na fundamentação das penalidades acontece nas denúncias cuja parte denunciante são terceiros (clientes, pacientes, usuários, familiares, outros profissionais, outras psicólogas, etc.). A elaboração de documentos é uma atividade especialmente suscetível a questionamentos éticos e merece maior atenção das(os) profissionais e instituições de formação.

 

Discussão

A forte presença de itens relacionados à proteção da dignidade e dos direitos da pessoa humana para fundamentar as penalizações aplicadas sugere que há uma postura ativa do CRP-PR em incluir os Princípios Fundamentais do Código de Ética na tipificação da conduta da(o) denunciada(o), o que ocorre normalmente nas fases preliminares da apuração. Isso pode ser reflexo, sobretudo, das investidas do Sistema Conselhos para que a profissão seja engajada socialmente, materializadas nas modificações do próprio Código ao longo dos anos (CFP, 2005; Amendola, 2014) e em outras resoluções publicadas pelo CFP (e.g., CFP, 1999, 2002, 2018, 2022). Em sua quarta versão, o Código de Ética tem atualmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos como base de sustentação para seus Princípios Fundamentais (CFP, 2005).

As modificações na estrutura do Código são melhor observadas em suas duas últimas versões, publicadas em 1987 e 2005 (Amendola, 2014), cujo tempo de vigência das duas versões, quando somado, contemplam 33 (80%) dos 41 anos estudados nesta pesquisa. Logo, princípios fundamentais presentes nas versões do Código (os quais guiam ou guiaram sua aplicação), orientados pela chamada ética social, se somam aos dispositivos deontológicos presentes na normativa para criar a tipificação necessária que justifica determinada em penalidade.

Dada a forte presença de itens relacionados à elaboração de documentos, sejam eles observados a partir da unificação das versões dos Códigos ou pela presença da Resolução CFP n° 007/2003 na tipificação das condutas, infere-se que as faltas éticas se revelam mais no registro (ou no posicionamento) por escrito da(o) profissional do que propriamente na sua metodologia de trabalho ou na aplicação de intervenções/técnicas. Mesmo que a(o) profissional até tenha condições técnicas de fazer uma boa seleção de instrumentos psicológicos na preparação de uma avaliação psicológica, saber aplicar e corrigir testes, ter manejo para conduzir processos psicoterápicos de forma adequada, por exemplo. Mas, se ela(e) não tem condições de descrever o trabalho realizado de forma lógica e com qualidade técnico-científica nos documentos por ela(e) emitidos, seu trabalho pode ser eticamente questionado. O Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pela(o) psicóloga(o), contido na Resolução CFP nº 007/2003 (CFP, 2003), foi a normativa mais encontrada nas denúncias que culminaram em punição da(o) denunciada(o), embora a utilização de Resoluções para fundamentar aplicação de penalidades tenha se tornado mais frequente somente a partir de 2009.

Quando se compara a quantidade de denúncias apuradas e a quantidade de penalidades aplicadas por especialidades da Psicologia, a área da "Avaliação Psicológica" se destaca, ainda que esteja na terceira posição entre as mais frequentes. Antes dela, denúncias nas áreas de "Neuropsicologia" e "Ensino/Pesquisa" foram proporcionalmente mais penalizadas, contudo há que se considerar que menos de 3% do total das denúncias do período se relacionam com as duas primeiras áreas, ao passo que "Avaliação Psicológica" reúne 12,9% das denúncias e 19,9% das penalidades. No CRP-SC (Frizzo, 2004), processos relacionados à perícia e avaliação psicológica também ocuparam grande parcela das infrações éticas apuradas por aquele Conselho (46,15%), e mais de 60% das infrações verificadas nos jornais do CFP se relacionavam com intervenções ligadas a processos de avaliação psicológica (Zaia et al., 2018). Observação semelhante foi feita por Costa et al. (2021), que, em sua pesquisa junto aos processos éticos julgados pelo CFP, identificou que 31,7% das faltas éticas se relacionam à área da Avaliação Psicológica (e.g., laudo mal elaborado, irregularidades no processo de avaliação, facilitação da aplicação de testes psicológicos por pessoas não psicólogas, irregularidades na venda de testes, previsão taxativa de resultados, quebra de sigilo em laudo psicológico, retenção de laudo, problemas com devolutiva e diagnóstico). Esse dado aqui obtido, fortalece o entendimento de que a atuação da(o) psicóloga(o) neste contexto carece de melhor qualificação.

Ao articular os princípios éticos mais frequentes nas denúncias que resultaram em penalidades com as áreas de atuação da Psicologia, nota-se que o princípio relacionado à "Documentos psicológicos" é observado com mais frequência na área da Psicologia Jurídica (18%). A emissão de documentos psicológicos, sobretudo laudos, dentro do (ou para o) Sistema de Justiça, tem se mostrado preocupante ao longo dos anos (Anache & Reppold, 2010; CRP-PR, 2012; 2018). Situações de litígios em Varas de Família (e.g., ações de separação, guarda de filhos, regulamentação de visitas, pensão alimentícia, alienação parental) normalmente implicam psicólogas(os) em posicionamentos que subsidiam decisões judiciais sobre o objeto do conflito (Lemes & Ferreira, 2021). Nelas, as partes em litígio (e.g., mãe, pai, avós, responsáveis legais, procuradores) que se sentem lesadas pelo documento elaborado pela(o) psicóloga(o) podem buscar responsabilizá-lo junto aos Conselhos, alegando parcialidade ou falta de fundamentação técnico-científica para as conclusões presentes no documento (Shine, 2009). Esse fato tem sido observado em consultas realizadas aos Conselhos de Psicologia ou nos processos éticos em trâmite nessas instituições (CFP, 2019b).

Fatores que podem impactar a qualidade dos documentos emitidos nessa área podem estar relacionados ao "aumento da demanda associada à carência de profissionais de Psicologia, demandas indevidas e falta de compreensão do trabalho das equipes por parte dos operadores do direito, entre outros problemas ligados à infraestrutura" (CFP, 2019b, p. 37). Pressões pelo cumprimento de prazos exíguos, alto número de processos nas Varas de Família e a expectativa depositada sobre o trabalho da(o) psicóloga(o) para que ela(o) revele o fato gerador do conflito, são também fatores indicados por profissionais que atuam nessa área como geradores de estresse e desequilíbrio emocional, com sérios riscos às pessoas envolvidas (CFP, 2019b), e, por consequência, à prestação de um serviço ético e de qualidade.

O desrespeito à Resolução CFP nº 007/2003 corrobora achados anteriores sobre a mesma temática (Anache & Reppold, 2010; Zaia et al., 2018). Problemas ligados a laudos psicológicos, sem distinção de área de atuação, foram observados em quase 50% dos processos éticos analisados por Zaia et al. (2018), e a presença de item relacionado à emissão de documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica em sete processos (11%) analisados por Anache e Reppold (2010), entre 2006 e 2008, demonstram que a qualidade dos documentos emitidos pelas(os) psicólogas(os) tem sido questionada de forma recorrente. No Paraná, para o mesmo período (2006 a 2008), o item "emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica", do Código de Ética (2005), é encontrado em oito (27,5%) das denúncias que resultaram em penalidade à(ao) psicóloga(o).

 

Considerações Finais

A relação restrita e direta estabelecida entre profissional e cliente/paciente/usuário (ou familiar de) pode ser um dos fatores relevantes para explicar a decisão pela apresentação da denúncia ao Conselho, na medida em que mais da metade das penalidades são oriundas de denúncias de clientes/pacientes/usuários (ou familiares de). Nessas situações, cuja prestação do serviço ocorre num ambiente de pouco ou nenhum acesso a pessoas alheias, as alegações do cliente/paciente/usuário (ou familiar de) tem um peso importante, já que a produção de provas é um desafio ao longo da instrução processual pelo fato de muitas vezes não haver testemunhas.

Princípios éticos relacionados à preservação da dignidade, respeito aos direitos humanos e elaboração de documentos com qualidade técnico-científica merecem atenção das(os) profissionais, independentemente da área de atuação. Ainda que denúncias contra psicólogas(os) que atuam com Psicologia Clínica sejam mais frequentes, seguidas de denúncias contra profissionais atuantes nas áreas da Avaliação Psicológica e Psicologia Jurídica, situações problemáticas relacionadas à área da Avaliação Psicológica são proporcionalmente mais penalizadas do que nas outras.

Este artigo não esgota as análises que podem ser feitas sobre a ética das(os) psicólogas(os), os direitos dos denunciantes e a forma com que o próprio Conselho lida com as funções que legalmente lhe são atribuídas. Mas tem a intenção de apresentar "pistas" e abrir caminhos para que outros pesquisadores, movidos pelas informações aqui levantadas, possam desenvolver novos estudos sobre a ética profissional das(os) psicólogas(os), específicos por campos de atuação da Psicologia, por equipamentos e locais de trabalho, por princípios éticos ou por outras variáveis relevantes.

Recomenda-se que o monitoramento das áreas e princípios éticos mais afetados nos processos éticos seja constante, bem como que outros Conselhos Regionais (ou o próprio CFP) possam fazê-lo a partir de um sistema de categorização único. Além de um panorama nacional sobre a conduta das(os) psicólogas(os), isso permitiria comparar os resultados de forma contextualizada e que considerasse as especificidades de cada território e de cada instituição. Isso possibilitaria, de alguma forma, que instituições de ensino e Conselhos tivessem mais elementos para avaliar os efeitos de suas intervenções nos processos de formação, orientação e fiscalização do exercício da Psicologia.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Angelo Horst - angelohorst@gmail.com

Recebido em: 27/05/2024
Aceito em: 25/11/2024

 

 

Notas

1 O presente artigo é derivado de dissertação de mestrado em Psicologia, apresentada pelo primeiro autor e orientada pelo segundo autor ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), cujo objetivo geral da pesquisa foi caracterizar as denúncias e processos éticos apurados pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) entre 1980 e 2020 (Horst, 2023).

 

 

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